.Coordenadora de Atlas Geográfico sobre agrotóxicos aponta que um terço dos pesticidas liberados por Bolsonaro são proibidos em países europeus e, ainda, que a cada dois dias e meio uma pessoa morre no Brasil intoxicada por esses produtos
Brasil tem atualmente 2.232 agrotóxicos em circulação no mercado
Política dos agrotóxicos coloca em risco vida de brasileiros e acordo com União Europeia
Por Lilian Milena
Entre 2007 e 2014, cerca de 24 mil pessoas sofreram no Brasil com intoxicação por agrotóxicos. No mesmo período, a cada dois dias e meio, uma pessoa morreu em decorrência da toxicidade desses produtos. Os dados são mencionados pela pesquisadora Larissa Mies Bombardi, professora tanto do Departamento de Geografia, quanto do Programa de Pós Graduação em Geografia Humana, da USP e coordenadora do “Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, lançado em 2017.
Em pouco mais de sete meses de governo, Bolsonaro liberou o registro de 290 agrotóxicos para serem comercializados no Brasil.
“Na verdade, essas novas liberações não são novos ingredientes ativos, mas são novos produtos comerciais com ingredientes ativos que já eram autorizados. São novas marcas para antigas substâncias”, explica Larissa em entrevista para Luis Nassif na TV GGN.
Segundo a pesquisadora, em média, um terço dos agrotóxicos utilizados no Brasil são proibidos na União Europa. “Dos dez mais vendidos hoje, três são proibidos lá. E se a gente pega essa leva dos agrotóxicos que foram autorizados recentemente, todos mantêm esse padrão de um terço das substâncias proibidas nos países europeus”, completa.
No Atlas, a professora chama atenção para o que ela chama de “as três faces do Minotauro”. “As empresas [que comercializam os agrotóxicos no Brasil] têm sede na União Europeia”, destaca. Em outras palavras, um terços dos agrotóxicos aplicados em lavouras brasileiras são produzidos por multinacionais, sediadas em países onde os mesmos produtos químicos são proibidos.
A pesquisadora identifica também um aumento expressivo na política de liberação de novos produtos agrotóxicos pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), logo após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Entre 2008 e 2015, a autorização média era de 136 produtos anualmente. Em 2016, logo após a deposição de Dilma, o então presidente Michel Temer autorizou mais de 200 produtos. Em 2018, foram liberados 450. Temer autorizou ainda a pulverização aérea de agrotóxicos em cidades, algo inédito na história do país.
No governo atual, além da liberação de 290 produtos em pouco mais de um semestre de gestão, a Anvisa aprovou um novo marco regulatório, dia 23 de julho, onde adota o risco de morte como único critério para classificar agrotóxicos.
Uma explicação, segundo Larissa, para a mudança abrupta no padrão dos governos, é a queda da tensão que existia antes entre os Ministérios da Saúde, Meio Ambiente e Agronegócio.
“[Hoje] vemos claramente que as decisões estão sendo pautadas ou vinculadas, de alguma forma, ao Ministério da Agricultura, que é quem está pautando os demais ministérios [da Saúde e Meio Ambiente]. E isso é fundamental que a gente enxergue”, reforça Larissa.
Rebaixamento do padrão que eleva os riscos à saúde
Na avaliação de Larissa Bombardi, a nova regulação da Anvisa rebaixa o padrão de periculosidade das substâncias e deve acarretar em mais casos de intoxicação em brasileiros.
“Antes, na metodologia que era utilizada, que também era problemática, considerava-se nuances de intoxicação aguda”, agora serão considerados “extremamente tóxicos” apenas os produtos que, se forem ingeridos ou aspirados, podem levar a pessoa à morte.
Larissa explica que intoxicação aguda, por exemplo, acontece quando a pessoa toma contato com a substância e sofre efeito imediato na saúde. Enquanto a intoxicação crônica acontece pela exposição à substância ao longo de anos, levando a pessoa a desenvolver algum tipo de doença, como câncer, ou até puberdade precoce e má formação congênita dos filhos.
Um dos produtos mais vendidos no mundo, e no Brasil, responsável por intoxicação crônica é o glifosato. Larissa lembra que o agrotóxico foi considerado em 2015, pela Agência Internacional de Pesquisas em Câncer (IARC), ligada à Organização Mundial da Saúde, na classificação 2A, ou seja, “especialmente cancerígeno para seres humanos.”
“Se qualquer cidadão acessar o site da Anvisa e procurar a monografia do glifosato vai perceber que ele é tido como pouco tóxico. Portanto, ele é considerado potencialmente cancerígeno pela OMS desde 2015 e na nossa classificação ele é pouco tóxico, porque os efeitos dele não são imediatos”, alerta a pesquisadora.
Riscos com a União Europeia
Larissa Bombardi pondera que a política de liberação de novos agrotóxicos coloca em risco o fechamento de acordos comerciais entre o Mercosul e a União Europeia. Ela se recorda que, durante o lançamento do Atlas, em Berlim, pesquisadoras da Pesticide Action Network (PAN) mostraram que cerca de 80% dos produtos importados do Brasil pela Europa tinham algum resíduo de agrotóxico. Desse total, 8% tinham resíduos acima do que é permitido na legislação da União Europeia.
Os europeus incluíram no acordo Mercosul-União Europeia uma cláusula chamada de “princípio de precaução” que permite barreiras para produtos considerados suspeitos por uso de agrotóxicos proibidos naqueles países, ou criados em áreas de desmatamento.
Para Larissa, esse mecanismo veio em boa hora, acreditando que pode induzir à redução do uso de agrotóxicos em alguns setores produtivos do agronegócio brasileiro. Ela destaca ainda que, se o Brasil quer fazer parcerias mundiais, não pode agir dentro do território com padrões diferentes dos internacionais.
“Se é para termos os mesmos padrões internacionais, como podemos admitir o uso, por exemplo, de acefato e atrazina, que estão entre os dez agrotóxicos mais vendidos no Brasil e que são proibidas na União Européia?”, questiona.
“Se o nosso discurso é o de adaptação aos padrões internacionais, devemos, então, eliminar produtos que não são autorizados lá”, completa.
Por outro lado, a pesquisadora destaca que a Europa não é o principal parceiro comercial do Brasil, mas sim os países Árabes, China e Leste Europeu, que recebem a maior parte das carnes e da soja produzidos aqui.
Os setores brasileiros mais preocupados com o “princípio de precaução” do acordo Mercosul-UE são, segundo a pesquisadora, os de café, suco de laranja e frutas. Esses sim, poderão ser obrigados, pelas circunstâncias, a melhorar a qualidade da produção para atender a pauta de exportação. - (Aqui).
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