Resumo da conjuntura: Se o sujeito faz uma observação sobre arbitrariedades praticadas por próceres da Lava Jato, então é porque é amigo da corrupção, se o cara defende a supremacia da Constituição Federal, não tem outra: é leniente com a ladroagem, se o indivíduo sustenta que toda pessoa tem direito ao devido processo legal, então é porque não passa de um reles meliante adepto da impunidade, se o cidadão diz que pessoas de opiniões divergentes podem conviver civilizadamente, então com certeza o elemento está visando a algum interesse escuso. Definitivamente, o jogo é rasteiro, irmão.
(Arq)
Como foram plantadas as sementes do ódio que atingiram Miriam Leitão
Por Luis Nassif (No GGN)
A jornalista Miriam Leitão e seu marido Sergio Abranches são impedidos de participar de uma feira de livros em Jaraguá do Sul. Uma petição com mais de 3 mil assinaturas pediu o cancelamento da participação de ambos. “Por seu viés ideológico e posicionamento, a população jaraguaense repudia sua presença, requerendo, assim, que a mesma não se faça presente em evento tão importante em nossa cidade” (aqui).
A razão tem sido o posicionamento corajoso da jornalista contra medidas do governo Bolsonaro.
Ontem, na noite de autógrafos do meu livro, em Brasília, aparece um rapaz jovem, simpático, me agradecendo “profundamente”. Por que? Pela defesa que fiz dele no caso Wikipedia.
Em agosto de 2014, em plena campanha eleitoral, Miriam Leitão denuncia o Palácio do Planalto por ter manipulado de forma difamatória seu perfil na Wikipedia. O escândalo explode em todo o país.
Segundo descrição do jornal O Globo (aqui), as alterações na Wikipedia incluíram o seguinte trecho:
“Míriam Leitão fez a mais corajosa e apaixonada defesa de Daniel Dantas, ex-banqueiro condenado por corrupção entre outros crimes contra o patrimônio público. A forma como Míriam Leitão se envolveu na defesa de Dantas chamou a atenção de Carlos Alberto Sardenberg, seu companheiro na CBN, para quem a jornalista estava diferente naqueles dias. Para Míriam Leitão, apesar do vídeo que flagrava o suborno a um delegado da Polícia Federal, a prisão de Dantas não se justificava, posto que se tratava de coisas do passado”.
Provavelmente se referia a um comentário de Miriam na CBN, apanhada de surpresa com a notícia da prisão de Dantas. Não havia mentira, nem ilações, mas apenas permitia ilações. Contra Sardenberg, a crítica era bobinha, atribuindo sua defesa dos juros altos ao fato de ter um irmão economista da Febraban.
Descobriu-se que a alteração saiu de um dos computadores da rede que servia o Palácio do Planalto. É uma rede com centenas de computadores, do mesmo modo que as redes que servem as Organizações Globo. No entanto, atribuiu-se ao Palácio.
A intervenção na Wikipedia havia sido em 2013. Descobriu-se, depois, que tinha sido o ato individual de um jovem de 29 anos, do interior de São Paulo, concursado.
De forma desproporcionalmente pesada, caiu o mundo sobre ele, como a pata de elefante esmagando uma formiguinha.
Apelou-se a uma das modalidades menos analisadas de fake news, que consiste em tratar como grandes escândalos pequenos episódios irrelevantes.
Imediatamente a oposição pediu a interferência da Procuradoria Geral da República. Espocaram manifestações de solidariedade da ABI e da Fenaj, entidades que permaneceram mudas e quietas ante todos os abusos cometidos contra jornalistas que não eram da Globo.
A presidente Dilma Rousseff caiu na esparrela e usou da palavra presidencial, aquela que deveria ser empregada apenas para grandes temas institucionais, para condenar a atitude e ordenar a instauração de um inquérito para apurar o responsável pelo crime.
Tempos depois, Miriam promoveu outro festival de solidariedade, ao denunciar que havia sido moralmente agredida por petistas em um voo para Brasília.
“Sofri um ataque de violência verbal por parte de delegados do PT dentro de um voo. Foram duas horas de gritos, xingamentos, palavras de ordem contra mim e contra a TV Globo. Não eram jovens militantes, eram homens e mulheres representantes partidários. Alguns já em seus cinquenta anos. Fui ameaçada, tive meu nome achincalhado e fui acusada de ter defendido posições que não defendo” (aqui).
“(…) “Durante o voo foram muitas as ofensas, e, nos momentos de maior tensão, alguns levantavam o celular esperando a reação que eu não tive. Houve um gesto de tão baixo nível que prefiro nem relatar aqui. Calculavam que eu perderia o autocontrole. Não filmei porque isso seria visto como provocação. Permaneci em silêncio. Alguns, ao andarem no corredor, empurravam minha cadeira, entre outras grosserias”.
Era um fake News (aqui) que foi desmentido no mesmo dia pelas redes sociais.
Segundo depoimento do advogado Rodrigo Mondego, no Facebook, presente ao voo (https://goo.gl/p6x7KH)
Cara Miriam Leitão,
A senhora está faltando com a verdade!
Eu estava no voo e ninguém lhe dirigiu diretamente a palavra, justamente para você não se vitimizar e tentar caracterizar uma injúria ou qualquer outro crime. O que houve foram alguns poucos momentos de manifestação pacífica contra principalmente a empresa que a senhora trabalha e o que ela fez com o país. A senhora mente também ao dizer que isso durou as duas horas de voo, ocorreu apenas antes da decolagem e no momento do pouso.
Um segundo depoimento foi de Lúcia Capanema, professora de Urbanismo da UFF – Universidade Federal Fluminense (https://goo.gl/JjWSSA)
“(…) Fui a última a entrar no avião, e quando o fiz encontrei um voo absolutamente normal. Não notei sua presença pois não havia nenhum tipo de manifestação voltada à sua pessoa (https://goo.gl/KpX9P9).
Durante as duas horas de voo nada houve de forma a ameaçá-la, achincalhá-la ou mesmo citá-la nominalmente. Por duas ou três vezes entoou-se os já consagrados cânticos “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” e “a verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura”; cânticos estes que prescindem da sua presença ou de qualquer pessoa relacionada a empresa em que você trabalha, como se pode notar em todas as manifestações populares de vulto no país. Veja bem, estávamos a apenas seis fileiras de distância e eu só fui saber de sua presença na aeronave na segunda-feira seguinte, depois de ter escrito o relato publicado por várias fontes de informação da mídia alternativa. (…)
Conforme escrevemos na época (aqui)
Alguém pode imaginar uma cena dessas, de duas horas de escracho, em um voo comercial em uma das rotas aéreas mais frequentadas do país, passar em branco durante dez dias, sem uma menção sequer nas redes sociais ou mesmo no próprio blog da jornalista? Não teve uma pessoa para sacar de seu celular e filmar as supostas barbaridades cometidas contra a jornalista. Não teve um passageiro para denunciar os absurdos no seu perfil? E a jornalista disse que não filmou por ter se sentido intimidada e estoicamente guardou durante dez dias as ofensas que diz ter sido alvo.
Sinceramente, como é possível a uma pessoa empurrar ostensivamente a cadeira de um passageiro, de uma senhora, sem provocar uma reação sequer dos demais? Tivesse sido alvo de um escracho real, teria toda minha solidariedade. Não foi o caso.
Mesmo assim, imediatamente – como seria óbvio – a denúncia de Miriam provocou manifestações de solidariedade não apenas de entidades de classe como de jornalistas que não se alinham ao seu campo de ideias. De repente, foram relevadas todas as opiniões polêmicas da jornalista, nesses tempos de lusco-fusco político, de ginásticas mentais complexas para captar os ventos da Globo, para que explodisse uma solidariedade ampla.
No início do governo Dilma, houve episódio semelhante com Miriam, com a tal manipulação de seu perfil na Wikipedia por algum funcionário do Palácio. As alterações diziam que ela teria cometido erros de avaliação em alguns episódios.
Não existe um personagem público que não tenha sofrido com interferências em seu perfil na Wikipedia. E tentar transformar em atentado político, por ter partido de um computador da rede do Palácio, é o mesmo que acusar uma empresa por qualquer e-mail enviado por qualquer funcionário.
(…) E depois se diz que são as redes sociais que criam a pós-verdade.
Nos dois casos era claramente um jogo político, o episódio do voo sendo denunciado apenas dez dias depois da suposta ocorrência; o caso da Wikipedia sendo denunciado um ano depois. Em ambos os casos, impactando o período eleitoral.
Agora, enquanto Miriam enfrenta o ódio das milícias bolsonaristas, entendendo de fato o que é o ódio, o jovem à minha frente conta que até hoje está respondendo a cinco processos dela e de Sardenberg, promovidos por advogados da Globo. Não foi demitido do setor público, por estável. Mas sua carreira morreu no momento em que incluiu menções a Miriam na Wikipedia, sem se dar conta de que o macarthismo já tinha se implantado no país.
Era apenas um jovem do interior que cometeu a imprudência de conspurcar o Wikipedia de uma jornalista notável e se tornou o álibi preferencial no grande teatro da real politik, permitindo à jornalista despertar solidariedades e amenizar as críticas contra ela, para a oposição e a Globo reforçarem as narrativas sobre os exércitos bolivarianos, e a presidente se mostrar como uma grande democrata.
Todos eles sem se dar conta que estavam jogando carne fresca para a matilha de cães ferozes que estavam sendo criados no cativeiro da mídia. Agora, com as grades da jaula abertas pelo WhatsApp saem pelo mundo mordendo até as pessoas que os alimentavam, instaurando o protofascismo no país.
Tenho certeza que agora, depois de provar do fel amargo do macarthismo em estado puro, e se tornar uma campeã da democracia, Miriam terá a generosidade de suspender as ações. Afinal, era apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco sem parentes importantes, e vindo do interior.
Repito, há um doloroso ajuste de contas a ser feito pela mídia com ela própria.
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Dica de Vídeo:
"O Brasil e o desafio de domar
a selvageria", por Luis Nassif .......... AQUI.
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