(Arq.)
O Marquês de Brinon, Embaixador da França em Paris
Por André Araújo
Com a derrota da França em Junho de 1940, a rendição formalizou-se pelo Segundo Armistício de Compiegne, pelo qual o território francês foi dividido em dois: o Norte sob protetorado alemão, chamado de ADMINISTRAÇÃO MILITAR ALEMÃ EM FRANÇA com sede em Paris, e o Sul como ESTADO FRANCÊS, com sede na cidade de Vichy, sem presença de tropas alemãs e todos os atributos de um Estado soberano.
O Chefe de Estado era o Marechal Petain e o Primeiro Ministro, Pierre Laval. A Marinha de Vichy era a segunda da Europa, após a britânica: a rendição não incluiu a Marinha, que continuou sob controle do Governo de Vichy e sob comando do mítico Almirante Darlan. Continuaram sob controle do Governo de Vichy as colônias francesas na África, Argélia, Marrocos, Tunísia, Senegal, Costa do Marfim e Chade.
O Governo de Vichy recebia embaixadores de outros países, os Estados Unidos tinham em Vichy seu Embaixador até 1944, o Almirante Lehay, amigo pessoal do Presidente Roosevelt; por sua vez o Governo de Vichy tinha embaixadores em outros países, como o Brasil. Vichy, até a invasão americana da África do Norte francesa em 1942, era um Estado ficcional, mas legal, com os aparatos de um Estado soberano em seu território.
Nada mais ficcional, mas protocolarmente legal, que a nomeação por Vichy de um Embaixador junto a um Governo estrangeiro, a Administração Militar Alemã em Paris, entidade governamental separada do Terceiro Reich, cujo titular era o General Otto von Stulpnagel. Petain e Laval selecionaram um nome especial para representar Vichy em Paris, cujas credenciais eram ser muito amigo dos alemães, o Marquês de Brinon, personagem que, desde 1937, circulava na corte do fulgurante Embaixador da Alemanha nazista, Otto Abetz. Já publiquei aqui no blog artigo sobre Otto Abetz, figura chave na preparação do colaboracionismo prévio à invasão alemã e que explica a fácil vitória militar nazista em 1940.
Fernand de Brinon era apenas uma das figuras sinistras que vendiam a França aos nazistas, um ciclo que a história da França tenta esquecer.
O Embaixador de Brinon se encaixava no modelo de um embaixador que se amoldava aos interesses do governo onde era acreditado e não servia ao interesse do governo que teoricamente representava. Ele era “amigo dos alemães” e não fiel à França. Ora, ser “amigo” do governo onde deveria representar o interesse francês não era uma qualidade para um Embaixador, era uma desqualificação. Um Embaixador deve ser só fiel ao Estado que representa e não “amigo” do poder onde serve, seria como um advogado ser amigo da parte contrária, perante a qual deve ser oponente.
De Brinon não era o único personagem das trevas nesse cenário confuso preparatório da Segunda Guerra Mundial, ambiente propício aos crimes de lesa pátria quando as lealdades se confundem com “amizades suspeitas”.
Outros traidores a seus países apareceram como personagens das trevas.
Vidkun Quisling na Noruega virou Primeiro Ministro a serviço dos alemães, Leon Degrelle na Bélgica, Anton Pavlic na Croácia, traidores apareceram na Ucrânia e na Hungria, mas a França foi especial pela extensão e pluralidade de um colaboracionismo vergonhoso a serviço do ocupante, um processo que envolveu parte considerável da elite francesa.
Sir Neville Henderson, Embaixador britânico em Berlin até a declaração de guerra de 3 de setembro de 1939, era amigo demais dos nazistas, a tal ponto que contribuiu para a eclosão da guerra, ao viciar seus relatórios com informes enganosos sobre as intenções nazistas, era mais amigo dos alemães do que do Foreign Office, onde reinava seu protetor, o também germanófilo Lord Halifax. Por suas amizades perigosas com os nazistas, Churchill carimbou Henderson com a expressão precisa “um homem nefasto”. Ser muito amigo do governo onde está acreditado não é uma vantagem para um Embaixador, é uma desqualificação (como já enfatizado acima), porque no limite esse diplomata vai ser mais útil ao governo anfitrião do que ao seu próprio governo. A diplomacia tem como premissa a defesa intransigente dos interesses do Estado representado e não a simpatia pelo País anfitrião, porque os interesses podem ser e são conflitantes, cada qual defende o seu.
De Brinon, como Quisling, Degrelle e os demais pró-nazistas traidores de seus países foram condenados depois da guerra à pena de morte por crime de lesa pátria a serviço de uma potência estrangeira, pena capital universal.
De Brinon foi executado por fuzilamento na prisão de Fresnes em Paris em 15 de abril de 1947, após sentença inapelável de um tribunal francês.
Mesmo nos grandes conflitos o mundo funciona por códigos atemporais, os Estados têm interesses geopolíticos a longo prazo ao correr da História, aliados em um ciclo podem ser adversários no ciclo seguinte e as lealdades se dão por raízes profundas que nada têm a ver com ideologia ou simpatia, amizades ou camaradagem, Estados são entes atemporais e (detêm) vida própria destacada de seus “governos de ocasião”, expressão clássica citada pelo General De Gaulle para se referir ao governo de Vichy no seu primeiro discurso após a espetacular fuga do solo francês para estabelecer um governo no exílio em Londres sob o nome de França Livre.
De Brinon e o colaboracionismo são desvios que a História coloca no arquivo morto, mas que devem ser lembrados como registro da complexidade que o tempo político pode produzir. - (Aqui).
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"A diplomacia tem como premissa a defesa intransigente dos interesses do Estado representado e não a simpatia pelo País anfitrião, porque os interesses podem ser e são conflitantes, cada qual defende o seu."
Sensatas palavras, que se amoldam como luvas ao cenário atual...
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"A diplomacia tem como premissa a defesa intransigente dos interesses do Estado representado e não a simpatia pelo País anfitrião, porque os interesses podem ser e são conflitantes, cada qual defende o seu."
Sensatas palavras, que se amoldam como luvas ao cenário atual...
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