domingo, 31 de março de 2019
OLHO NOS VÍDEOS
Olho nos Vídeos
.Duplo Expresso:
D. E. de Domingo ................................ AQUI.
.Boa Noite 247:
Com João Vicente Goulart .................... AQUI.
.Paulo A Castro:
400 juristas: Lula Livre! (Vídeo de 27.03) AQUI.
Sobre a omissão do STJ ....................... AQUI.
Com vídeo, Bolsonaro viola Constituição . AQUI.
TODO DIA É AQUELE, POR JÂNIO DE FREITAS
"A ordem de comemorar os 55 anos do golpe de 64 seria, vinda de qualquer cabeça antidemocrática, uma provocação tola e de mau observador. No caso de Jair Bolsonaro, a incompreensão da realidade é, claro, muito maior. Inclui até a falta de percepção do que tem sido sua vida.
Comemorar —relembrar com outros— o golpe e a ditadura em data determinada é redundância. Mais do que eventualmente inesquecíveis, o golpe e a ditadura são lembrados todos os dias, por cada um de nós, sem depender de vontade. Os restos de autoritarismo, apodrecidos mas ainda criminosos; os cacos de legislação, os privilégios e impunidades; as discriminações, boicotes e perseguição aos que não rezam pelo conservadorismo; as preocupações e temores com o golpismo latente —tudo isso integra ainda a vida neste país.
Todos os dias são ainda lembranças e dejetos do 31 de março e do mais autêntico 1º de abril, com suas reproduções cotidianas por 21 anos.
Muitos milhares têm a agradecer o que receberam da ditadura, por via direta ou pelas circunstâncias. Por isso mesmo, também para esses beneficiados os dias são derivações do golpe. Entre os beneficiados, está Bolsonaro. Em posição particular e, por ironia, conquistada por meio da ditadura já na incipiente democracia.
Era o governo Sarney. Veja foi convidada à casa do tenente Bolsonaro para um "assunto importante". O tenente não apareceu na reportagem. Para os efeitos públicos, sua mulher então cumpriu o papel de porta-voz: ou o governo aumentava o salário ("soldo militar") dos tenentes, ou o abastecimento de água do Rio seria cortado pela explosão de bombas em um ponto crítico das adutoras. Foi oferecido para fotografia um croquis, bastante tosco, da linha de adutoras e das localizações.
Não houve o aumento exigido. Como reafirmação, um segundo plano seria a explosão de bombas em quartéis, com a pretensa participação de outros tenentes. Não houve aumento, mas a essa altura correram vagas informações de que o tal tenente estava sob inquérito. O processo daí decorrente foi até ao Superior Tribunal Militar.
O tenente Jair Bolsonaro agiu como terrorista. A publicação de Veja difundiu muita preocupação, tanto pelo anunciado ato terrorista, como pelo indício de grave agitação no meio militar, tão perto ainda do fim inconformado da ditadura. Para os militares, não houvera mudança essencial. O que incluía o STM, onde os dois juízes que evoluíram para a condenação à tortura e outras violências da ditadura, general Pery Bevilacqua e almirante Julio Bierrenbach, haviam sofrido a represália da exclusão. Ser apoiador da ditadura foi, desde 64, uma condição humana especial, com poderes e direitos acima de todos os códigos e convenções do convívio civilizado. O essencial dessa aberração parecia intocado, mas, afinal, o regime era outro.
Apesar disso, e embora não por unanimidade, o tenente terrorista foi absolvido. No centro de um conchavo, não lhe era sentenciada a devida condenação, mas passaria para a reforma. O que ainda lhe rendeu, como bonificação dada na época aos reformandos, promoção ao posto seguinte (por isso o "capitão Bolsonaro") e o soldo correspondente e integral.
Já na primeira eleição posterior à reforma, Bolsonaro candidatou-se a vereador no Rio. Foi eleito pelos militares e suas famílias, que depois lhe asseguraram sucessivas posses como deputado federal. Uma vida fácil e improdutiva na Câmara ou fora dela, assim como a eleição presidencial, que Bolsonaro só teve graças à ditadura.
A continuidade do tribunal militar de índole ditatorial, quando a imprensa temia soar como provocadora e revanchista, protegeu o julgamento do tenente terrorista com um silêncio que mais tarde não haveria. Nem, portanto, a impunidade premiada.
Além dos restos de 21 anos anticivilizatórios, imagens de Jair Bolsonaro são lembranças diárias daquela desgraça nacional. A ordem de comemorações é só provocação redundante."
(De Jânio de Freitas, coluna intitulada "Todo dia é aquele", publicada na Folha, edição desta data, e reproduzida pelo blog Conversa Afiada).
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Eles disseram. Jânio de Freitas. Golpe de 1964.
DA IMPRESCINDIBILIDADE DE RESPEITAR-SE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O artigo 102 da Constituição Federal é categórico em seu enunciado: "Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição...". É dispensável desenhar o significado da expressão 'guarda da Constituição', tamanha a obviedade. Quaisquer tentativas de modificação do conteúdo da Lei Maior fora do ritual por ela estabelecido devem ser encaradas como atos espúrios, lesivos ao Estado de Direito. Mudanças constitucionais de monta, por exemplo, requerem instrumento adequado para tal fim, que seria uma "constituinte, eleita para este fim e com limites de atuação temática muito claros", como resume o autor do artigo abaixo.
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Nota: Diante de ameaças contra instituições vitais ao Estado de Direito, entidades da sociedade civil se uniram em um manifesto de desagravo ao STF. Subscrevem o documento CNBB, OAB, UNE, CNI e centrais sindicais. O manifesto será lançado na quarta-feira (3) em sessão solene no Supremo. Trecho: "A Suprema Corte é insubstituível e é dever de todos a sua defesa, pois, sem ela, nenhum cidadão está protegido".
Que o presidente do STF/CNJ, inspirado nesse gesto, esteja atento para o dever de guardar a Constituição Federal.
13.09.2018: Toffoli toma posse como presidente do STF.
Quem poderia antever o 'enxugamento' da Carta Magna?
Toffoli, de guardião a açougueiro da Constituição (?)
Por Fernando Brito (No Tijolaço)
É espantosa – e apavorante – a fala feita ontem pelo ministro Dias Toffoli numa palestra em São Paulo, sentido de que depois da Páscoa pretende "assinar um termo de compromisso com representantes do Executivo e do Legislativo para enxugar a Constituição”.
“Enxugar” a Constituição significa tirar pedaços dela, excluir da proteção constitucional situações e atividades que a vontade majoritária da sociedade, pelos constituintes, resguardou. Exatamente o contrário do que é o papel do STF que Toffoli preside, o de guardião do texto constitucional.
Não torna menos grave a sua fala o fato de tê-la exemplificado com o trato constitucional de assuntos tributários, cujo detalhamento de fato não deve estar ao abrigo da Lei Maior, mas é impossível que o presidente do Supremo não perceba que, ao se abrir esta temporada de “poda” da Constituição, será inevitável que o machado corte outros direitos e regras, tanto na distribuição federativa dos recursos públicos quanto – e ainda pior – nas garantias e liberdades individuais.
Agora mesmo, com o mesmo “nobre objetivo” de reduzir a quantidade de temas tratados na Constituição, planeja-se o diabo: acabar com reajustes anuais de salário, com o recolhimento do PIS pelas empresas em favor do seguro desemprego e outras garantias hoje constitucionais.
Se as questões previdenciárias – inclusive as dos tributos a ela destinados – estivessem fora da “Constituição enxuta”, podem crer, maiorias eventuais do congresso poderiam até decidir pela degola física dos velhinhos para economizar recursos para o “mercado”.
É certo que precisamos de mudanças na Constituição, mas por um instrumento adequado a este fim, que é uma constituinte, eleita para este fim e com limites de atuação temática muito claros. Processos de enxugamento constitucionais produzidos por “pactos” entre os poderosos, está na cara, só produzirão benefícios aos poderosos.
E os poderosos, no Brasil, valha-me Deus, são um desastre.
PRISÃO E TORTURA DE PAULO COELHO NOS ANOS DE CHUMBO
Paulo Coelho: fui torturado pela ditadura do Brasil
Por Paulo Coelho (Washington Post - GGN)
28 de maio de 1974: um grupo de homens armados invade meu apartamento. Começam a revirar gavetas e armários – não sei o que estão procurando, sou apenas um compositor de rock. Um deles, mais gentil, pede que os acompanhe “apenas para esclarecer algumas coisas”. O vizinho vê tudo aquilo e avisa minha família, que entra em desespero. Todo mundo sabia o que o Brasil vivia naquele momento, mesmo que nada fosse publicado nos jornais.
Sou levado para o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), fichado e fotografado. Pergunto o que fiz, ele diz que ali quem pergunta são eles. Um tenente me faz umas perguntas tolas, e me deixa ir embora. Oficialmente já não sou mais preso: o governo não é mais responsável por mim. Quando saio, o homem que me levara ao DOPS sugere que tomemos um café juntos. Em seguida, escolhe um táxi e abre gentilmente a porta. Entro e peço para que vá até a casa de meus pais – espero que não saibam o que aconteceu.
No caminho, o táxi é fechado por dois carros; de dentro de um deles sai um homem com uma arma na mão e me puxa para fora. Caio no chão, sinto o cano da arma na minha nuca. Olho um hotel diante de mim e penso: “não posso morrer tão cedo.” Entro em uma espécie de catatonia: não sinto medo, não sinto nada. Conheço as histórias de outros amigos que desapareceram; sou um desaparecido, e minha última visão será a de um hotel. Ele me levanta, me coloca no chão do seu carro, e pede que eu coloque um capuz.
O carro roda por talvez meia hora. Devem estar escolhendo um lugar para me executarem – mas continuo sem sentir nada, estou conformado com meu destino. O carro para. Sou retirado e espancado enquanto ando por aquilo que parece ser um corredor. Grito, mas sei que ninguém está ouvindo, porque eles também estão gritando. Terrorista, dizem. Merece morrer. Está lutando contra seu país. Vai morrer devagar, mas antes vai sofrer muito. Paradoxalmente, meu instinto de sobrevivência começa a retornar aos poucos.
Sou levado para a sala de torturas, com uma soleira. Tropeço na soleira porque não consigo ver nada: peço que não me empurrem, mas recebo um soco pelas costas e caio. Mandam que tire a roupa. Começa o interrogatório com perguntas que não sei responder. Pedem para que delate gente de quem nunca ouvi falar. Dizem que não quero cooperar, jogam água no chão e colocam algo no meus pés, e posso ver por debaixo do capuz que é uma máquina com eletrodos que são fixados nos meus genitais.
Entendo que, além das pancadas que não sei de onde vêm (e portanto não posso nem sequer contrair o corpo para amortecer o impacto), vou começar a levar choques. Eu digo que não precisam fazer isso, confesso o que quiser, assino onde mandarem. Mas eles não se contentam. Então, desesperado, começo a arranhar minha pele, tirar pedaços de mim mesmo. Os torturadores devem ter se assustado quando me veem coberto de sangue; pouco depois me deixam em paz. Dizem que posso tirar o capuz quando escutar a porta bater. Tiro o capuz e vejo que estou em uma sala a prova de som, com marcas de tiros nas paredes. Por isso a soleira.
No dia seguinte, outra sessão de tortura, com as mesmas perguntas. Repito que assino o que desejarem, confesso o que quiserem, apenas me digam o que devo confessar. Eles ignoram meus pedidos. Depois de não sei quanto tempo e quantas sessões (o tempo no inferno não se conta em horas), batem na porta e pedem para que coloque o capuz. O sujeito me pega pelo braço e diz, constrangido: não é minha culpa. Sou levado para uma sala pequena, toda pintada de negro, com um ar-condicionado fortíssimo. Apagam a luz. Só escuridão, frio, e uma sirene que toca sem parar. Começo a enlouquecer, a ter visões de cavalos. Bato na porta da “geladeira” (descobri mais tarde que esse era o nome), mas ninguém abre. Desmaio. Acordo e desmaio várias vezes, e em uma delas penso: melhor apanhar do que ficar aqui dentro.
Quando acordo estou de novo na sala. Luz sempre acesa, sem poder contar dias e noites. Fico ali o que parece uma eternidade. Anos depois, minha irmã me conta que meus pais não dormiam mais; minha mãe chorava o tempo todo, meu pai se trancou em um mutismo e não falava.
Já não sou mais interrogado. Prisão solitária. Um belo dia, alguém joga minhas roupas no chão e pede que eu me vista. Me visto e coloco o capuz. Sou levado até um carro e posto na mala. Giram por um tempo que parece infinito, até que param – vou morrer agora? Mandam-me tirar o capuz e sair da mala. Estou em uma praça com crianças, não sei em que parte do Rio.
Vou para a casa de meus pais. Minha mãe envelheceu, meu pai diz que não devo mais sair na rua. Procuro os amigos, procuro o cantor, e ninguém responde aos meus telefonemas. Estou só: se fui preso devo ter alguma culpa, devem pensar. É arriscado ser visto ao lado de um preso. Saí da prisão mas ela me acompanha. A redenção vem quando duas pessoas que sequer eram próximas de mim me oferecem emprego. Meus pais nunca se recuperaram.
Décadas depois, os arquivos da ditadura são abertos e meu biógrafo consegue todo o material. Pergunto por que fui preso: uma denúncia, ele diz. Quer saber quem o denunciou? Não quero. Não vai mudar o passado.
E são essas décadas de chumbo que o Presidente Jair Bolsonaro – depois de mencionar no Congresso um dos piores torturadores como seu ídolo – quer festejar nesse dia 31 de março.
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Quaisquer comentários estão dispensados.
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sábado, 30 de março de 2019
OLHO NOS VÍDEOS
O EX-MINISTRO EUGÊNIO ARAGÃO E A ASTÚCIA DA INDÚSTRIA TABAGISTA
Sustentavam que os cigarros do Paraguai causavam não só prejuízo à indústria brasileira pela concorrência desleal, como também causavam um rombo na arrecadação.
A alternativa seria, pois, à indústria nacional entrar nesse segmento de atender tabagistas de baixa renda. Claro, com apoio do Estado, para oferecer um produto muito mais nocivo aos mais pobres.
Rejeitei a proposta categoricamente.
A solução para a concorrência desleal do país vizinho seria uma ação mais contundente contra o contrabando, não, porém, estimular a indústria tabagista brasileira, quando nosso esforço em política pública era eliminar, ou, pelo menos, reduzir drasticamente o tabagismo, que não só causa doenças letais muito sofridas naqueles que não conseguem largar o hábito, como também impõe um custo elevado ao sistema de saúde pública.
Mas isso talvez seja muito complexo para o ex-juizinho da província que hoje senta na cadeira de ministro da Justiça.
Está querendo vender a ideia de que baixar a alíquota do imposto para cigarros faz bem à indústria, sem se dar conta do mal que faz para a sociedade, que tem que arcar com os custos do tabagismo.
Querer baixar IPI para uma classe de cigarros de “baixo custo” – e, claro, de baixíssima qualidade – é fazer o governo subvencionar mata-ratos para pobres.
Só falta o cinismo aqui – “afinal, pobre já não se envenena com mata-ratos paraguaios? Deixe-os se envenenarem com o brasileiro, que, ao menos, traz receita para o Estado e lucro para a indústria!”
A proposta é indecente e imoral. Que o Sr. Moro se empenhe na repressão ao contrabando. Afinal, reprimir é com ele mesmo!
Mas não nos faça de idiotas, sugerindo que cigarro barato para pobre faz bem ao Brasil!"
(De Eugênio Aragão, artigo intitulado "A astúcia da indústria tabagista e o 'raciocínio' de Moro", publicado no GGN.
Nessa, sem dúvida, a pisada no tomate foi acachapante. Dificilmente, os críticos considerariam razoável uma peça de ficção centrada no episódio: descartariam de imediato a intragável ficção, com o perdão do chiste.
A propósito, "Ex-ministro da Saúde detona proposta de Moro sobre cigarro" - Aqui).
SACRIFÍCIO DE ANIMAIS
Santo.
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Eis que o leitor confere a notícia (AQUI), inteira-se das circunstâncias apresentadas e conclui que a decisão, à primeira vista cruel, foi sensata.
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Uma vitória fundamental no STF: o povo de santo contra o racismo
Por Edmar Ferreira Santos
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Eis que o leitor confere a notícia (AQUI), inteira-se das circunstâncias apresentadas e conclui que a decisão, à primeira vista cruel, foi sensata.
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Uma vitória fundamental no STF: o povo de santo contra o racismo
Por Edmar Ferreira Santos
A liturgia nas religiões afro-brasileiras é muito diversa. A pluralidade de ritos é uma herança africana que vem sendo constantemente renovada pela firmeza e energia dos religiosos. Independente da variedade de práticas rituais, as expressões religiosas afro-brasileiras compartilham aspectos sagrados que conferem aos seus adeptos a identidade ampla de grupo. Assim os religiosos afro-brasileiros, já a algum tempo, se denominam e são conhecidos mais popularmente como o “povo de santo” ou “povo do axé”. É importante ressaltar que o Estado brasileiro possui na sua constituição e em suas normas jurídicas infraconstitucionais sólido alicerce de proteção à liberdade religiosa, garantida como direito fundamental, abrangendo, desse modo, a proteção às diferentes formas de cultos e liturgias.
Os princípios, valores e práticas compartilhados pelo povo de santo dizem respeito fundamentalmente a relação entre o mundo visível e temporal das pessoas e outros domínios sagrados dos ancestrais, espíritos, divindades e demais forças sobre-humanas. A religião é o caminho de interação entre essas instâncias, onde o religioso procura ajuda para ter força na luta contra as adversidades e aproximar-se das dádivas esperadas mediante a realização dos procedimentos que o fazem estar bem nesse mundo e com tudo que existe. Uma segurança para o êxito religioso está intrinsecamente associada aos modos de fazer ou encadear os eventos rituais, dentre eles a sacralização de animais que serão ofertados em cerimônias vitais para a comunidade, uma vez que serão alimento e energia dos deuses e da gente.
Vez por outra, nesta ou naquela cidade, nesta ou naquela unidade da federação, o sacrifício de animais na liturgia afro-brasileira se tornava assunto público, geralmente encaminhando interesses de grupos que desejam proibir a prática. O termo sacralização tem sido preferido já há algum tempo nesse debate por aqueles que se entrincheiram ao lado do povo de santo nas lutas geralmente legislativas ou jurídicas sobre a matéria. Nessas discussões, a palavra vem sendo utilizada de forma alternativa para nomear o manejo de animais nas cerimônias religiosas afro-brasileiras, substituindo assim o termo sacrifício.
Um dos motivos evidentes é a redução semântica que historicamente se produziu na palavra “sacrifício”, nos dias de hoje associada quase que unicamente a ideia de abnegação, de renúncia forçada ou imolação cruel. Não é esse o sentido do sacrifício na liturgia afro-brasileira.
Outra razão, não menos evidente, é que à palavra sacrifício quando relacionada às religiões de matriz africana logo se aproxima o caráter saturado de preconceito contra as “coisas de preto”, vinculada ao racismo estrutural brasileiro, à estereótipos de feitiçarias e relações com o diabo. De qualquer modo, geralmente quando os agentes legislativos ou judiciários encaminhavam preocupações com a crueldade em relação aos animais e os possíveis limites da liberdade religiosa, suas lentes focavam os rituais afro-brasileiros, apesar de não sermos os únicos a manejar animais segundo preceitos litúrgicos no Brasil.
Os adeptos da religiosidade afro-brasileira usam diferentes termos para nomear o momento fundamental onde se prepara, se consagra e se oferece animais para as divindades como parte integrante das generosas celebrações das comunidades religiosas. Muitos afro-religiosos preferem utilizar apenas o termo “oferenda”, embora o povo de santo possua nomes específicos (geralmente em línguas africanas) para designar essa hora fundamental ou para nomear o ordenamento cerimonial em que o sacrifício está inserido.
Contudo, quando em contexto litúrgico o povo de santo se apronta para o dia ou a hora dessa consagração, desprende-se de suas palavras, música, estética, movimentos e pensamentos, bem como do lugar, dos símbolos e assentamentos, a convicção reverente de fazer o sagrado se manifestar. Ou seja, tudo quer comunicar nossa existência e presença no mundo, tudo quer revigorar nossas memórias individuais e coletivas, tudo quer reforçar a vida e o Axé.
A oferenda animal é fundamental para os religiosos afro-brasileiros e, sem dúvida, a prática nessas terras nos remete aos primeiros africanos trazidos como escravos para o lado de cá do atlântico, embora os registros históricos mais antigos de tais procedimentos no Brasil datem do século dezoito. As curas, adivinhações e mesmo as benzeduras, que faziam parte das vicissitudes de negros, índios e brancos no período colonial, podiam ser precedidas ou seguidas de ritos propiciatórios que incluíssem o manejo litúrgico de animais. Nesse sentido, a oferenda animal em cerimônias afro-brasileiras é uma herança material e imaterial da cultura religiosa africana no Brasil, resultado de extraordinária força e resistência criadora.
Em um passado menos distante, quando o regime republicano foi instaurado no Brasil, a imprensa fazia repercutir as ondas conservadoras de setores da elite brasileira que identificavam as práticas culturais dos negros com o crime, a anomia e a sujeira. Naquele momento, as oferendas contendo partes de animais sacralizados eram noticiadas como um atentado a higiene e a limpeza pública (esse argumento é por vezes renovado em bocas não menos conservadoras e preconceituosas). Era difícil para os articulistas dos jornais – e para os setores que eles representavam – dissimularem o medo de que seus nomes pudessem ser chamados ou deixados nas encruzilhadas. O imaginário da feitiçaria podia servir nesses momentos como tática de luta para os religiosos afro-brasileiros contra as mais variadas formas de opressão, desde a ampla exclusão da riqueza social até às hostilidades cruéis do racismo cotidiano.
O Recurso Extraordinário 494601 movido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul foi a ocorrência jurídica de maior repercussão sobre a polêmica do sacrifício ritual de animais em cultos das religiões afro-brasileiras e, também, ajudou a formar um entendimento que deve uniformizar a apreciação da matéria nos tribunais de justiça do Brasil. Por extensão, a decisão do Supremo Tribunal Federal deve produzir efeitos nas instituições e agentes do Estado brasileiro e na população de maneira geral.
A situação que culmina com esse Recurso Extraordinário teve início em 1991, quando a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul colocou em discussão um projeto de lei (PL 447/91) para criar o Código Estadual de Proteção aos Animais. No texto original do referido PL – como bem destacou o advogado da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul na última sessão plenária do STF sobre a matéria – entre as condutas que o código pretendia coibir, a redação expunha declaradamente “cerimônia religiosa ou feitiço”, expressando categoricamente o viés preconceituoso e discriminatório que inspirava o projeto.
Apesar dessa redação ter sido afastada do texto sancionado na Lei 11.915 de 2003 que instituiu o Código de Proteção aos Animais, na prática a norma possibilitava a agentes do Estado promover constrangimento e perturbar o funcionamento de templos afro-religiosos. No Rio Grande do Sul, a tranquilidade momentânea apenas se deu após mobilizações e articulações políticas do povo de santo que resultaram no acréscimo de um parágrafo ao artigo segundo do referido código, por meio da Lei 12.131 de 2004. O parágrafo excluiu das proibições dispostas no código – precisamente no que diz respeito ao sacrifício de animais – as religiões de matriz africana, garantindo o livre exercício do seu culto e suas liturgias.
Foi pela supressão desse parágrafo que o Ministério Público do Rio Grande do Sul recorreu ao Supremo Tribunal Federal, alegando que “mesmo suprimindo o dispositivo, não se estaria prejudicando os cultos de matriz africana, os quais, com amparo na liberdade religiosa constitucionalmente prevista, poderiam continuar com suas práticas sacrificiais, apenas limitados pela ponderação com outros valores, direitos e princípios constitucionais, como sempre se deu”. Ora, sabemos bem que não é exatamente isso o que acontece nas pequenas, médias e grandes cidades desse imenso país.
A decisão unânime do Supremo Tribunal Federal quanto a constitucionalidade do sacrifício de animais nas religiões afro-brasileiras foi uma vitória fundamental para o povo de santo. Na repercussão jornalística da sessão do dia oito de agosto de 2018, uma Ialorixá soteropolitana disse muito certeiramente em entrevista a um telejornal que os ministros que até aquele momento haviam proferido seus votos foram “espertos”. E todos nós ouvimos aquela voz de inspiradora sabedoria e ficamos espertos, atentos, vigilantes e ativos para que os magistrados seguissem o caminho da justiça. Afinal todos sabem que é de boa sorte não mexer em valores e princípios tão fundamentais.
O povo de santo é forte… e não anda só. Axé!
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[Edmar Ferreira Santos é Doutorando e Mestre em Estudos Étnicos e Africanos pelo Pós-Afro, Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia. Professor da Universidade do Estado da Bahia].
JUSTIÇA EUA BRASIL: VASOS COMUNICANTES (PRIMÓRDIOS DA LJ)
(GGN)
WikiLeakes: como o DoJ preparou a Lava Jato e cooptou a Justiça brasileira
Por Luis Nassif (No GGN)
O próximo evento da AJUFE (Associação dos Juízes Federais), financiado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos é uma continuação do Projeto Pontes, que transformou definitivamente a Justiça e o Ministério Público Federal em instrumentos de disputas geopolíticas.
Já havia elementos suficientes mostrando a preparação da Lava Jato pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O encontro da AJUFE despertou pesquisadores, que localizaram um telegrama, no Wikileaks, que descreve com precisão como começou a Lava Jato.
De 4 a 9 de outubro de 2009, foi montado seminário similar no Rio de Janeiro, com o título “Crimes financeiros”, bancado pelo DoJ, com a participação de juízes e procuradores de cada um dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal, mais de 50 policiais federais e mais de 30 procuradores, juízes e policiais estaduais. Participaram também membros do México, Costa Rica, Panamá, Argentina, Uruguai e Paraguai. Foi um seminário de uma semana, sob o álibi genérico de combate ao terrorismo.
Foi o primeiro evento do Projeto Pontes, cuja missão era consolidar o treinamento das polícias para a aplicação da lei bilateral. Cuidou-se de concentrar em trabalhos práticos, evitando os temas teóricos – que, aliás, poderiam enveredar por aspectos legais da cooperação.
Segundo a nota do Wikileaks, em geral as autoridades brasileiras preferiam termos mais genéricos, como “crimes transnacionais”, evitando qualquer referência ao terrorismo. Naquele ano, a conduta mudou. No telegrama da Wikileaks, anota-se o fato de que, ao contrário das reuniões com o Ministério das Relações Exteriores e da Justiça, onde se evitava o termo terrorismo, o público da conferência estava claramente interessado no tema.
Terrorismo, aliás, a palavra-chave para a cooperação internacional e, especialmente, para a parceria entre juízes e procuradores brasileiros com as áreas de segurança do governo americano – leia-se DHS e CIA.
O treinamento foi amplo e prático, incluindo a preparação de testemunhas. Nas conclusões do seminário estava a necessidade de, no futuro, as investigações se basearem em forças tarefas, como maneira mais efetiva “de combater o terrorismo no Brasil”.
Segundo as avaliações do telegrama, o seminário demonstrou claramente que os juízes federais, promotores e outros profissionais da lei estavam menos preocupados com o campo minado político e “genuinamente interessados em aprender como melhor envolver o processo judicial na luta contra o terrorismo”.
Os dois conferencistas mencionados no telegrama foram (...) Gilson Dipp e o juiz paranaense Sérgio Moro. Dipp participou por desinformação; Moro por estar plenamente integrado ao Departamento de Justiça, por conta da parceria no caso Banestado. Nos debates, o tema principal versou sobre as sugestões dos brasileiros sobre como trabalhar melhor com os EUA.
Entre as diversas solicitações, pedia-se treinamento especial sobre a coleta de provas, interrogatórios e entrevistas, habilidades em tribunais e o modelo de força tarefa proativa, com a colaboração entre procuradores e as forças de segurança. Saía-se do campo estritamente penal, para o campo geopolítico.
Pediram conselhos, também, para mudar o código penal. Os americanos defenderam mudanças recentes no código, como a exigência do exame direto das testemunhas pela promotoria e pela defesa, não pelo juiz, e o uso de depoimentos ao vivo, em vez de declarações escritas. No entanto, dizia o telegrama, os brasileiros confessaram não saber como utilizar as novas ferramentas, mostrando-se ansiosos para aprender.
Os especialistas americanos notaram que o fato da lavagem de dinheiro já estar na alçada dos tribunais federais tornava mais eficaz o combate à corrupção de alto nível. “Consequentemente”, diz o telegrama, “há uma necessidade contínua de fornecer treinamento prático a juízes federais e estaduais brasileiros, promotores e agentes da lei com relação ao financiamento ilícito de condutas criminosas”.
Sugeriu-se a preparação de um projeto piloto. Os locais ideais, dizia o telegrama, seriam São Paulo, Campo Grande e Curitiba. Apresentou-se o desenho do piloto: “Forças-tarefa podem ser formadas e uma investigação real usada como base para o treinamento, que evoluiria sequencialmente da investigação até a apresentação e a conclusão do caso no tribunal”, diz o telegrama, corroborando a palestra de Kenneth Blanco, do DoJ, no Atlantic Council. ”Isso daria aos brasileiros uma experiência real de trabalho em uma força-tarefa proativa de financiamento ilícito de longo prazo e permitiria o acesso a especialistas dos EUA para orientação e apoio contínuos”.
A conclusão final do encontro é que o Projeto Pontes deveria continuar a reunir as forças de segurança americanas e brasileiras em diferentes locais, “para construir nossos relacionamentos e trocar boas práticas”. E concluía que, “para os esforços de combate ao terrorismo, esperamos usar a abertura que esta conferência proporcionou para direcionar o treinamento de forças-tarefa de financiamento ilícito em um grande centro urbano”.
Nos anos seguintes, DHS, DoJ e CIA forneceram informalmente os elementos centrais que permitiram ao juiz Sérgio Moro, a partir de Curitiba, conduzir uma denúncia de corrupção ocorrida no Rio de Janeiro, tendo como personagens centrais pessoas de Brasília e São Paulo. Conferiu a juízes e procuradores o “abra-te Sésamo”, a informação provinda dos serviços de espionagem eletrônica americano, que lhes garantiu poder, glória e um protagonismo político inédito.
A consequência foi a destruição de parte relevante da economia brasileira, desmonte do sistema político e das instituições democráticas, permitindo à Lava Jato se tornar sócia do poder, através de seu aliado Jair Bolsonaro. E jamais apareceu um terrorista de verdade para justificar a parceria. O então Ministro da Justiça Alexandre Moraes precisou inventar terroristas de Internet.
É inacreditável que um evento tão ostensivo como este tenha passado despercebido do governo Lula, na época, cego pelo sucesso que marcou seu último ano de governo.
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Ao que o atento leitor Wagner Aguilar observou: "Como sempre a palavra final do Nassif é uma crítica ao PT e diretamente ao Lula. Agora que tudo aconteceu é fácil falar do passado". Enquanto a leitora Cleide foi sutil: "Impressionante como o GGN deixou passar um evento como este!" De fato, a estranheza manifestada pelo articulista se revela no mínimo... curiosa.
Mas o comentário que causou espécie leva a autoria de Amoraiza: "Adulação e massagens no ego são muito mais poderosas que uma estadia em Guantánamo. Uma personalidade ególatra, um sonho de heroísmo, uma inteligência mediana, um caráter flácido, uma boa dose de liderança… Essa experiência de campo deu muito certo aqui no Brasil e tem dado certo onde haja pessoas ambiciosas e de caráter duvidoso. A causa do sucesso total pode ter sido o excesso de confiança no “combate à corrupção”, no “deixar cortar na carne”, na pureza ideológica e na crença de que é possível fazer política com pessoas e entidades totalmente honestas. É de se parabenizar a estratégia americana. Quebrou o primeiro bric, expandiu sua área de influência, conquistou mercados e posses sem dar um tiro. Utilizou-se apenas dos lindos espelhinhos que sempre carregam na sua bagagem como amostra grátis. Nossos otários sorriem, fazem poses e inspiram filmes onde o país explode às suas costas. Esse é o primeiro tijolo, eles ainda têm grandes planos, que seguirão pela ordem. A tática é tão antiga, escrita e alardeada pelo mundo como “teoria da conspiração”, que custa crer que os nossos governantes não tenham percebido a sua aplicação e eficácia." .... Falou e disse.
Mas cumpre assinalar que há comentaristas que criticam o enfoque dado pela esquerda à matéria, visto que ao fim e ao cabo a corrupção restou seriamente afetada. Procede, em parte. A outra parte é que o combate à corrupção funcionou como pano de fundo para a imposição de um verdadeiro bombardeio sobre o patrimônio nacional, com as mazelas daí decorrentes, e para a concretização de propósitos político-eleitorais geopoliticamente urdidos.
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SOBRE O PACOTE ANTICRIME
(Cartum de Clayton).
Especialista diz que pacote de Moro é 'peça vazia' com 'erros de principiante'
À vista do Brasil 247... No Senado, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, falou nessa quarta-feira (27) sobre o pacote de medidas anticrime e anticorrupção. Defendendo a permanência das medidas contra a corrupção no texto e relativizando críticas, a audiência deixou muita gente se perguntando: o projeto do ministro vai funcionar? Mas o coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Paulo César Malvezzi, duvida e diz que o projeto de Moro é "peça vazia" com "erros de principiante".
Ele avalia que o pacote de Moro não é exatamente uma série de medidas para combater a criminalidade, mas sim de reformas legislativas de endurecimento penal "sem justificativa, sem estudo de impacto e sem fundamentação científica alguma". O especialista critica a inexistência de menções a políticas de segurança pública, como o investimento em polícias, ao aprimoramento da investigação e a políticas sociais voltadas para prevenção da criminalidade.
"Não há qualquer estudo, qualquer dado, qualquer sustentação que agregue e justifique este pacote na perspectiva de ser anticrime, de que combate a violência. [A entidade] é contrária, até porque o texto dessas propostas sequer vem com justificativa, que é uma prática legislativa recorrente. [Os projetos] geralmente trazem embasamento científico, quais são as pesquisas que levaram à apresentação da lei".
O especialista destaca que, "sendo um instituto de ciências voltado para a produção do conhecimento e do ensino das ciências criminais, o IBCCRIM não pode apoiar de fato medidas que não têm qualquer fundamentação objetiva".
Malvezzi também critica os pontos do projeto relativos ao combate à corrupção. O especialista acredita que Moro incorre no mesmo erro ao dispensar a apresentação de dados. Ele pontua a proposta de criminalização de Caixa 2 — já retirada de pauta pelo ministro a pedido do Congresso —, mas destaca que não há estudos que vinculem a criminalização da prática e a perspectiva de redução da corrupção.
"O que ele traz como resultado automático [a criminalização levando à redução de atos de corrupção], o que qualquer estudo hoje em dia comprova é que realmente não existe ou que se sustente. Quais medidas então poderiam ser bancadas pelo Governo Federal para frear a corrupção? A gente poderia pensar em uma reforma política, no aumento das estruturas de fiscalização na Justiça Eleitoral... Pensar em medidas muito mais efetivas, mas o que temos nas mãos é um emaranhado de alterações legislativas", critica.
O especialista avança, dizendo que a redação de vários artigos no pacote é "extremamente problemática", por vezes se assemelhando a "erros de principiante". Malvezzi classifica o projeto como "amadorístico" e baseado em "ouvi dizer, mistificações penais". Além disso, ele avalia não ser prioridade do ministro da Justiça o combate à corrupção policial, aspecto que inexiste no pacote enviado por Moro ao Legislativo.
"Acredito que é uma falta de atenção à violência estatal, à corrupção policial — há uma completa falta de atenção do ministério sobre isso no pacote que ele está apresentando — mas eu não saberia dizer se foi um lapso (...). O que foi apresentado para a sociedade foi uma peça vazia, mesmo a avaliação do que virá depois ou será complementado é muito difícil de se fazer", conclui, pedindo uma ampla discussão na sociedade em vista do impacto de longo prazo que as propostas teriam para o país.
................
Convém enfatizar que o Diário do Centro do Mundo assim arrematou sua abordagem acerca do assunto acima tratado:
"...O ministro da Justiça, no entanto, não perde a pose. Ontem, ao falar na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, considerou seu trabalho mais amplo do que o do antecessor, Alexandre de Moraes. E ameaçou retirar o projeto do Congresso se algumas medidas que ele considera fundamentais não forem aprovadas." - Aqui.
A expectativa deste Blog reside nos resultados do exame de constitucionalidade das medidas e providências objeto do pacote anticrime do ministro Moro ("do ministro Moro" porque abstraída a 'avaliação' feita por Rodrigo Maia, consistente em que partes da proposta não passam de cópia de trechos de outros projetos). Espera-se que o Legislativo, em sua ânsia de aprovar medidas da espécie, não tente embarcar no argumento fajuto - endossado por Moro - de que o alcance de certas metas justificaria eventuais desrespeitos à Constituição Federal.
sexta-feira, 29 de março de 2019
OLHO NOS VÍDEOS
Olho nos Vídeos
.Leo ao Quadrado:
A ONU e a conclamação de Bolsonaro ........ AQUI.
.Boa Noite 247:
Bolsonaro perde no Brasil e na ONU .......... AQUI.
.Paulo A Castro:
Lava Jato 'investe' na liberdade de Lula ...... AQUI.
Grande mídia 'investe' na liberdade de Lula AQUI.
Toffoli e a culpa dos outros ....................... AQUI.
XADREZ DAS CONTRADIÇÕES DO PÓS-IMPEACHMENT
(GGN).
Xadrez das contradições do pós-impeachment
Por Luis Nassif (No GGN)
Vou tomar emprestado do governador Flávio Dino uma metodologia para análise de cenários: a análise dos desdobramentos do golpe a partir das contradições que vai gerando e de seus efeitos sobre os principais atores políticos.
A partir desse insight, o Xadrez do momento torna-se particularmente instigante.
Peça 1 – as raízes do golpe
Já analisamos exaustivamente aqui as razões centrais do golpe. Uma sociedade em profundas transformações, novas formas de comunicação, a disputa pela hegemonia global entra EUA e China. E, finalmente, a instrumentalização da justiça brasileira pela DHS (o Gabinete de Segurança Institucional dos EUA) através da Lava Jato. Tudo ajudado, obviamente, pelos enormes erros políticos do governo Dilma Rousseff e da perda da visão estratégica do PT.
Há um vasto material no GGN sobre a cooperação internacional e a maneira como foi escolhido o juiz Sérgio Moro e os procuradores do Paraná, alimentados com vasto material fornecido pelo DHS, dos EUA, através da espionagem eletrônica e das investigações em paraísos fiscais. Quando começou a operação Lava Jato – como lembra o ex-juiz de direito Flávio Dino – eles já tinham todos os alvos mapeados, condição impossível de acontecer em uma investigação criminal normal.
A imensa ignorância institucional brasileira não se deu conta das contradições surgidas com os novos tempos. Houve o uso intensivo das redes sociais e da mídia em cima de alguns temas de aglutinação: o antilulismo, a luta contra a corrupção, o mal-estar generalizado com a perda de dinamismo da economia, a insegurança trazida pelo novo mundo, tanto nos costumes quanto no trabalho. E, no vácuo de poder que foi se formando, o protagonismo emergente das corporações públicas e o desmanche da Constituição pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Peça 2 – os principais atores políticos
No quadro há uma divisão um tanto arbitrária das forças políticas brasileiras atuais.
Dividi em cinco grupos principais.
Sistema
Trata-se do modelo básico das democracias representativas, a ordem criada pela Constituição de 1988 e que se esfarelou nos últimos anos. Integram o Sistema os seguintes atores:
Mídia Primeira Divisão– a chamada mídia de opinião, que foi a principal influência do mercado de opinião nas últimas décadas. É composta pelas Organizações Globo, Estadão, Folha, em outros tempos a Veja. Foi participante ativa do golpe, mas se afastou de Bolsonaro.
Congresso – ainda dominado pelos velhos partidos políticos que garantiam a governabilidade no pós-Constituinte, composto pelo PSDB, PMDB, hoje em dia representados pelo Centrão.
STF – principal responsável pelo desmanche institucional do país, hoje em dia tentando juntar os cacos do cristal partido e recuperar a ascendência sobre as instâncias de baixo.
Alto Comando das Forças Armadas – a chefia dos militares da ativa, até agora agindo de forma legalista e preocupados com a manutenção da hierarquia.
Empresários – É uma designação um tanto genérica, que junta de empresários do setor real da economia ao mercado.
PGR – A cúpula do Ministério Público Federal, às voltas com a rebelião das massas.
Direita
Representada pelas seguintes forças:
Mídia da Segunda Divisão – entram aí as demais redes de televisão, hoje em dia alinhadas com Bolsonaro.
Redes sociais – como explicitação maior do pensamento da classe média.
Baixo clero do Ministério Público –amplamente influenciada pelo MBL (Movimento Brasil Livre) e outros movimentos de direita.
Baixo clero do Exército – único segmento das Forças Armadas no qual Bolsonaro tem ascendência.
Policias – entram aí as Polícias Militar e Civil dos estados e amplos segmentos da Polícia Federal.
Baixo clero do Judiciário – separo da cúpula do Judiciário para efeito de explicitação de uma das contradições que emerge do atual quadro político.
Ultradireita
Aí são os segmentos diretamente atuando sobre a radicalização política.
Lava Jato – principal ator político da ultradireita hoje em dia, trabalhando em cima da destruição do sistema político-partidário e da implantação do estado policial, especialmente sua vertente parnaense.
Fundamentalistas – os evangélicos radicais e os olavetes, dos quais os principais representantes são os filhos de Bolsonaro.
Mídia 3 – emissoras e sites que caíram de cabeça na radicalização político-ideológica.
Milícias digitais – grupos organizados em torno do WhatsApp, Youtube e Twitter, alimentados ou por perfis falsos ou pelos tweetes de procuradores e políticos do PSL.
Esquerda
Um agrupamento que junta lulistas, trabalhistas, democratas, sindicatos, movimentos sociais e ONGs ligadas a direitos humanos e meio ambiente e também a CNBB (Conferência Nacional dos Bisposto do Brasil).
Crime
As organizações criminosas que passaram a disputar eleições e a atuar como esquadrões fascistas. As duas principais são interligadas:
Porões – os ex-militares egressos dos porões, completamente alinhados com o colega Bolsonaro.
Milícias do RJ – além da força política, enveredaram pelos crimes políticos.
PCC – brandindo a bandeira dos costumes, influenciada pelo fundamentalismo evangélico, investindo contra os centros de umbanda.
Peça 3 – as contradições
No início, houve uma frente ampla reunida em torno das bandeiras do antilulismo. Terminada a grande guerra, a frente começa a rachar, afetada por várias contradições.
Base x cúpula
É a principal contradição que emerge do golpe.
A desconstrução da Constituição, perpetrada pelo STF, não afetou apenas o sistema partidário. Passou a estimular uma rebelião do baixo clero em relação aos controles hierárquicos de cada instituição.
É oi que tem levado a uma reação, ainda tímida, do STF, do Conselho Nacional de Justiça e da PGR. E tem despertado preocupações no Alto Comando das Forças Armadas.
As duas guerras centrais, neste capítulo, são o enquadramento da Lava Jato e o combate às milícias do Rio de Janeiro.
Democracia x ditadura
A Mídia 1, que estimulou o impeachment, acordou para o risco de se cair em uma ditadura militar. Vários setores que julgavam que o delenda PT resolveria todos os problemas, entenderam os riscos de um aprofundamento do estado de exceção. As idiotices do governo Bolsonaro estimularam a tomada de posição de muitos setores em defesa da democracia.
Pauta de costumes
A política regressiva dos Bolsonaros, pretendendo erradicar todos os avanços civilizatórios da pauta brasileira, criou um outro território de conflito, entre os fundamentalistas religiosos e os setores modernos da direita e do centro.
Luta de classes
Entram aí a tentativa de destruir o sindicalismo, a previdência pública, os direitos trabalhistas. É o principal fator de aglutinação da direita.
Peça 4 – a guerra à vista
Aproxima-se a primeira guerra mundial dos Bolsonaros. E o resultado final passará por esses jogos de contradições.
Não foi necessário muito tempo para o Sistema e a Direita moderna admitirem a total incapacidade de Bolsonaro de conduzir o país. Mantendo-se Bolsonaro no cargo caminha-se para a ingovernabilidade.
A única estratégia na qual se dependuram os Bolsonaro é na luta de classes e na radicalização da posição dos militares – agora, com esse chamamento para celebrar o golpe de 1964.
As esquerdas representam, paradoxalmente, seu único trunfo, permitindo-lhe recriar a figura do inimigo interno, juntando radicais fundamentalistas e os protagonistas da luta de classes radicalizada.
Há três cenários possíveis pela frente:
Golpe nas instituições liderado por Bolsonaro – é a aposta da família. Mas, dada a evidente incapacidade de liderança de Bolsonaro, trata-se de uma hipótese remota.
Novas eleições – parte da esquerda quer aproveitar o desmanche do governo para apostar em uma PEC garantindo novas eleições. Apenas irá fortalecer a polarização política.
Fator Hamilton Mourão – As opiniões pré-governo de Mourão são de arrepiar. Desde que o governo começou, no entanto, tem dado provas de racionalidade. Tornou-se uma avis rara em um governo de malucos. Tem buscado interlocução com diversos setores, incluindo os sindicatos. Mas não há a menor pista sobre qual seria seu perfil real, na hipótese de substituir Bolsonaro.
Há dois caminhos a serem trilhados.
O primeiro, o da conciliação. Tem-se parte relevante do país cansado de guerra. Um estadista teria a faca e o queijo nas mãos, liderando um grande pacto de reconstrução nacional. Mas o pacto implicaria, também, em garantir as próximas eleições e o respeito aos resultados das urnas. E aí a porca torce o rabo.
Por outro lado, um futuro governo Mourão permitiria a reaglutinação da direita, incluindo partidos políticos, empresários e mercado. Em geral, a tentação da perpetuidade induz as lideranças a apostar na radicalização, e na redução do espaço da oposição.
A melhor estratégia da esquerda democrática será ampliar as alianças, sair do isolamento e discutir pactos factíveis com as demais forças democráticas em torno da Previdência e da legislação trabalhista.
No plano econômico, o maior desafio atual será barrar essa irresponsabilidade de Paulo Guedes de criar a capitalização na Previdência. Seria o fim da previdência pública e o aprofundamento sem limites do abismo social.
Jogo as fichas na mesa e não ouso fazer uma aposta.
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