Brasamericans, será a nova elite?
Por André Araújo
Está se formando um núcleo de executivos e advogados brasileiros na faixa dos 30 aos 40 anos, especialmente em São Paulo e Rio de Janeiro, que vivem no Brasil como estrangeiros. São muitos e estão por todo lado, com o bolso cheio e a cabeça em Miami. Os economistas foram precursores dessa onda já desde os anos 90, os advogados e executivos os seguem.
Os filhos pequenos estudam em escolas que alfabetizam em inglês, custam 8 a 10 mil Reais por mês por criança, as portas das escola são um desfile de peruinhas que só falam na próxima viagem e nas maravilhas da personal trainer que conheceram numa festa.
O sonho máximo é morar no exterior, MAS usufruindo renda do Brasil, porque ganhar a vida no exterior é muito mais difícil do que no Brasil, que então servirá como guichê de remessas.
O “background” cultural dessa turma é paupérrimo. Não tem consciência do Brasil e de sua complexa e magnífica História, único Império das Américas, o primeiro País de dimensão continental no Hemisfério Ocidental; quando o Brasil já era um grande País os EUA nem tinham nascido. Maior País católico entre todos, maior cultura multiétnica e multirracial, principal receptor de imigração italiana, sírio-libanesa e japonesa do planeta, um País único pela sua reserva ecológica e recursos hídricos inigualáveis. País de esplêndida geografia e complexidade formativa, grande diplomacia no Império e na República, único Pais latino-americano a lutar na Segunda Guerra, País fundador das Nações Unidas logo depois dos EUA.
A pobreza cultural cria uma visão provinciana dos EUA, sem ver as mazelas, cruezas, durezas, ignorância que aflige boa parte dos americanos. A falta de conhecimento faz ver os EUA por cima, pela superfície, sem saber dos terríveis processos de sofrimento e miséria que marcam a formação dos EUA. Se conhecessem a profunda dramaturgia social americana dos anos 20 e 30, os dramas colossais de Arthur Miller, Tennessee Williams, Clifford Odetts, Theodore Dreiser, Eugene O´Neill, William Faulkner, da geração perdida da Grande Depressão, da virulência do racismo, teriam uma visão menos glamorosa dos EUA, pais ainda hoje com enormes tensões sociais, com 2 milhões de encarcerados mas também com fantásticas realizações culturais nos seus magníficos museus, orquestras sinfônicas, instituições de pensamento, tudo aquilo por que esse grupo de brasileiros não tem nenhuma atração; seu mundo é bem mais superficial, lanchas, carros, shopping, clubes de golfe e restaurantes, aquilo que o pobre de espírito encara como seu objetivo na busca de identidade superior.
A ELITE AMERICANIZADA LATINO-AMERICANA
Esse grupo de elite com olhos no exterior sempre existiu em países menores da América Latina, MAS não no Brasil, País muito maior e de sólida História e cultura própria. Por que isso mudou nos últimos anos, de forma visível e palpável, já agora com interferência na politica?
A meu ver esse processo começou como consequência e projeção do governo FHC e suas políticas diminutas, de viés neoliberal puro, sem adaptação às circunstâncias do País. Na leva dos novos negócios da privatização surgiu todo um modelo de economia completamente vinculado ao financismo de Nova York, com seu desdobramento em novo perfil de executivos, de advocacia internacional e gerenciamento nas empresas, abrindo espaço para jovens com pós graduação nos EUA, uma experiência que existia de forma esporádica e que explodiu nos últimos vinte anos, com milhares de jovens formados de classe media alta indo para universidades americanas. Uma vez inserido no contexto americano a lavagem cerebral é uma certeza. Em cinco anos o número de brasileiros que fazem graduação nos EUA subiu 65,8% (matéria no ESTADO DE S.PAULO, 8/10/2017, pg.A16) e continua a subir.
Voltam americanizados e muitos se casam com colegas brasileiras que conheceram lá ou que também fizeram cursos nos EUA, formando casais BRASMERICANS que já pensam nos filhos como ligados à cultura americana. A partir daí as escolas bilíngues reforçam essa desnacionalização, gerando tipos híbridos, não são nem brasileiros e nem americanos, uma espécie de ameba indefinível; falta-lhes a lealdade nacional, mas tampouco são americanos de raiz, ao fim não são nada, apátridas não de passaporte, mas de alma.
Alguns casais chegam ao delírio de mães brasileiras terem filhos nos EUA para conseguir para eles a cidadania americana, cospem na pátria que lhes dá o sustento, renegam a bandeira.
A IDENTIDADE NACIONAL é um dos maiores instrumentos civilizatórios e de formação de personalidade, é uma das forjas do caráter e da consciência de grupo. Dessa identidade nasce a SOLIDARIEDADE entre cidadãos do mesmo País, os mais abonados ajudando por iniciativas públicas os mais desafortunados; foi assim que os EUA se tornaram a primeira potência mundial, é essa a missão da elite chinesa, a cada ano agregando novas camadas pobres ao processo de desenvolvimento e de inserção na economia moderna nacional.
Uma das mais tristes figuras da humanidade é o APÁTRIDA, aquele ser sem o agasalho de um País que pode chamar de sua gente, de seu grupo, de sua cultura. Sem identidade nacional jamais haverá solidariedade social, os mais ricos não estão minimamente preocupados com seus concidadãos mais pobres, não há um vínculo de destino comum que faz uma NAÇÃO.
Tudo isso é muito novo no Brasil. Não era e nunca foi assim. O Brasil não é um pequeno País como Honduras ou El Salvador, onde as elites são tradicionalmente americanizadas porque a identidade nacional é tênue, esse viés é típico de países latinos de raízes apagadas.
Tive um parceiro empresarial, executivo de uma grande multinacional elétrica do Wisconsin.
Ao se registrar no hotel em S.Paulo a recepcionista, querendo ser gentil, perguntou “É peruano?” dado o inconfundível perfil inca do cidadão que reagiu apoplético aos berros “Yo soy americano”, jogando o passaporte USA no balcão. Era evidentemente um peruano naturalizado americano, mas não queria ser confundido com peruano, se julgava superior sendo americano.
Nunca vi brasileiro renegar sua nacionalidade, mas vejo que a situação está mudando. O governo FHC trouxe para o poder um grande grupo de “retornados”, brasileiros com longas passagens pelos EUA e que perderam boa parte de suas raízes. Esse grupo submergiu no governo do PT, mas agora ressurge com força total nas consultorias, nos escritórios de advocacia, nos escritórios de gestão financeira e fundos de investimento, nas multinacionais de serviços, e desses ninhos partem para movimentos de viés político tentando influenciar a vida nacional para que esta se ajuste a seus interesses de classe, não estão minimamente preocupados com o País como um todo, que inclui dois terços de uma população carente e pobre. Quando tratam de crime e segurança não expressam nenhuma preocupação com a raiz social evidente na existência de uma população de 20 milhões de jovens sem educação, sem emprego e sem nenhuma perspectiva de futuro, matéria-prima óbvia da marginalidade e do crime e deste para a insegurança de todos.
Lembra o passado colonial da África, pelo absoluto desdém que a elite governante tinha pela população pobre, vista apenas como mão de obra econômica e sem nenhuma outra consideração pela sua saúde, educação e futuro, essa a visão da atual “nova” elite brasileira Americanizada, muito pior que a antiga aristocracia do Império e da Primeira Republica, Estado Novo e Republica de 1946 que tinha sólidas raízes nacionais e uma clara visão de Pais, gerando o maior crescimento econômico entre todos os Países no Século XX.
Os neoliberais, grupo maior do qual fazem parte os BRASMERICANS propõe a diminuição do Estado pelo lado social abençoando a economia de mercado, que só pode suprir a classe de renda alta e se desconecta dos 140 milhões de brasileiros sem renda significativa que compõem a “classe menos favorecida”. Para essa esse grupo eles não têm nada a propor.
Nenhum País será desenvolvido com essa visão colonialista de sua elite, mas parece que o grupo GLOBONEWS-MIAMI quer assumir o poder com uma plataforma de franceses na Argélia ou belgas no Congo; é o chamado “centro”, que vibrava com uma candidatura Luciano Huck e agora está órfão à procura de outra do mesmo matiz.
Felizmente, a História não é tão simples, a tensão social é dinâmica e não estaciona no tempo, os países grandes são muito mais complexos do que patotinhas de happy hour podem supor.
A ELITE AMERICANA
Os BRASAMERICANS se pretendem elite brasileira, mas não assimilam os grandes traços da elite americana, a filantropia em favor de causas públicas. De John Rockefeller a Bill Gates essa elite doou centenas de bilhões de dólares a causas públicas, coisa que a elite brasileira nem sonha copiar.
Universidades, grandes museus, orquestras filarmônicas, companhias de ballets, teatros de ópera, a elite empresarial americana também patrocinou institutos de pesquisa e pensamento que são o eixo do poder americano. Os formados em universidades DOAM enormes volumes de dinheiro quando têm sucesso na vida, aliás essas universidades quase todas nasceram com doações de empresários, como Leland Stanford, que fez a linha transcontinental do Atlântico a San Francisco e criou a Universidade que leva seu nome; o fundo de investimentos da Universidade de Yale tem 32 bilhões de dólares, fruto de doações, a de Harvard tem 24 bilhões de dólares, centros de pesquisas em saúde e medicina, centros de estudos políticos como o Centro de Estudos Estratégicos Internacionais da Universidade de Georgetown, o Instituto Paterson de Economia, o Instituto Pew de Pesquisas em Políticas Públicas; a família Rockefeller comprou o terreno para a primeira sede das Nações Unidas e doou para instituições em todo o mundo, como a Faculdade de Medicina de São Paulo, hoje USP. Já a Maternidade São Paulo, onde nasceram milhares de paulistanos ricos, como Paulo Salim Maluf, fechou por falta de dinheiro, ninguém doou nada nem para a instituição onde nasceram, uma elite descolada até de seu passado, de sua cidade e de seu País.
Já os BRASMERICANS querem só emular as frivolidades da vida americana, mas não suas obrigações públicas, o que é uma negação do conceito de elite; querem ser apenas uma elite de privilégios, de desfrute da vida, e não uma elite do saber, da arte e da cultura.
Não vamos todavia pensar que sempre foi assim. A elite paulistana de 1922 fez a Semana Modernista, de enorme importância nas artes, a elite do Estado Novo incentivou a literatura nacionalista e a música de qualidade, a arquitetura, a ciência e com isso reforçou a identidade nacional altíssima durante a Era Vargas, que se prolongou pelo Governo JK e atingiu o Governo militar de 1964. O fim desse período de alta consciência nacional foi o Governo Collor e seu reforço se deu no Governo FHC, todo estrangeirado por tipos “internacionais” como Henri Reichstul, David Zylberstajn, Francisco Gros, e brasileiros americanizados como Armínio Fraga, Gustavo Franco, e toda uma gama de pós-graduados no exterior com viés neoliberal de segunda mão involutivo, estacionado no tempo, volta agora no chamado “centro” com as mesmíssimas ideias já gastas por 20 anos de corrosão histórica onde a ascensão triunfal de uma China estatal, a economia de mercado é apenas uma embalagem, desmente a exclusividade dos “mercados” como instrumento de evolução econômica e social.
Ao contrário, um “mercado” largado está destruindo o equilíbrio social da mais equilibrada sociedade dos grandes países, a sociedade americana, que hoje conhece sua maior corrosão social causada por uma absurda concentração de riqueza nas mãos de um financismo alucinado que liquida com empresas e empregos na busca de uma eficiência micro e no caminho causando uma ineficiência macro de famílias morando em trailers, em carros, de uma sociedade drogada pelo desespero da desinclusão e do retrocesso econômico.
Os BRASMERICANS querem importar e impor ao Brasil os mesmos descaminhos da sociedade americana retorcida pelos “fundos hedge” e outras feitiçarias de Wall Street e, pior, impor práticas desse naipe sobre uma sociedade muito mais frágil, que é a brasileira das periferias pobres e desempregadas, criando um Brasil tipo “condomínio fechado” exclusivo para o “clube de Caras” do eixo Guarulhos-Miami, desligando-se do destino nacional do Brasil, agora transformado em “plataforma” para fundos de investimento e nada mais. - (Fonte: Aqui).
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Há, claro, as exceções. Conheço jovens que participaram do 'Escola Sem Fronteiras', interessantíssimo programa implementado de forma intensa pelos governos petistas (e hoje infelizmente esvaziado), que retornaram ao Brasil mais 'antenados', bem mais motivados a batalhar por oportunidades de estudo e trabalho. Há também jovens que estudaram regularmente na Metrópole e retornaram ao Brasil, onde conquistaram preciosos postos de trabalho (é verdade que muitos dos quais em empresas estrangeiras aqui atuantes).
Quanto à generosidade americana, não se pode esquecer que os (bi)milionários empreendedores da 'terra de marlboro' são - como muitos WASPs -, além de convictos patriotas empenhados em erguer aos píncaros a imagem de seu País como meca do conhecimento e da 'livre' iniciativa, pessoas atentas aos rigores da política tributária norte-americana, que, se não tem clemência com patifarias sonegatórias (males que por aqui campeiam), estimula fortemente a aplicação de 'tributos a pagar' sob a forma de doações/investimentos em setores culturais estratégicos (pesquisa, educação etc).
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Há, claro, as exceções. Conheço jovens que participaram do 'Escola Sem Fronteiras', interessantíssimo programa implementado de forma intensa pelos governos petistas (e hoje infelizmente esvaziado), que retornaram ao Brasil mais 'antenados', bem mais motivados a batalhar por oportunidades de estudo e trabalho. Há também jovens que estudaram regularmente na Metrópole e retornaram ao Brasil, onde conquistaram preciosos postos de trabalho (é verdade que muitos dos quais em empresas estrangeiras aqui atuantes).
Quanto à generosidade americana, não se pode esquecer que os (bi)milionários empreendedores da 'terra de marlboro' são - como muitos WASPs -, além de convictos patriotas empenhados em erguer aos píncaros a imagem de seu País como meca do conhecimento e da 'livre' iniciativa, pessoas atentas aos rigores da política tributária norte-americana, que, se não tem clemência com patifarias sonegatórias (males que por aqui campeiam), estimula fortemente a aplicação de 'tributos a pagar' sob a forma de doações/investimentos em setores culturais estratégicos (pesquisa, educação etc).
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