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Sebastião Nunes, autor da série, é natural de Bocaiuva, MG, escritor, editor, artista gráfico e poeta. É também titular de um blog no Portal Luis Nassif OnLine.
O País dos canalhas - Capitulo 14 - A fúria do Anjo Exterminador
Por Sebastião Nunes
– Por favor! Eu não tive culpa nenhuma! – implorou Miguel Temeroso de mãos postas, ajoelhado no tapete e cagando-se todo. – Fui usado como fachada. Os culpados são os outros, por favor, compreenda!
A resposta foi um sorriso maligno do Anjo Exterminador, que enterrou a espada na barriga macia de Miguel Temeroso e retorceu a lâmina de um lado para o outro, alargando a ferida.
Tudo o que se ouviu foi um gemido, e Miguel Temeroso caiu de bruços, sangue jorrando da barriga e da boca, alagando o carpete do salão presidencial.
Num canto, aterrorizados, os ministros esperavam a vez.
Olhei pela janela do escritório. Dezenas de Anjos Cobradores sobrevoavam as cúpulas do Congresso, brandindo espadas de fogo e emitindo gargalhadas sinistras.
Imaginei a balbúrdia e o medo que se espalhavam lá dentro. Sem contar a fedentina com que deputados e senadores se emporcalhavam em urina, suor e merda.
MAUS ANTECEDENTES
Eu havia acordado tiritando de frio, encolhido no sofá-cama do escritório. Olhei o relógio do celular: 14 horas. Verifiquei a temperatura ambiente: 36 graus. Medi minha temperatura: 41 graus. Não havia dúvida: eu estava com uma febre terrível.
Mas por que estava doente? Com certeza por frustração, depois da embaixada a meu favor de Maigret e da recusa de Sherlock Holmes em me ajudar.
Arrastei-me até o banheiro. Abri a porta do pequeno armário de remédios. Peguei dois comprimidos de Doril Enxaqueca, dois de Sais Biliares, dois de Neosaldina, dois de Advil, dois de Dorflex, dois de Dipirona e dois de Aspirina. Engoli tudo com goles de uísque. Depois caí no sofá-cama e continuei a delirar.
NO SALÃO PRESIDENCIAL
Vestido de negro e com enormes asas negras, o Anjo Exterminador flutuava em volta dos ministros, que tremiam e se cagavam, enquanto a urina lhes escorria perna abaixo, infiltrando-se em meias e sapatos. A caganeira geral empestava o ar.
Não teve nenhuma piedade o Anjo: passou todos a fio de espada, como se fazia antigamente com traidores, delatores, covardes e desertores.
Da janela de meu escritório eu via a carnificina sagrada, sem temor ou tremor. O que aqui se faz aqui se paga, diz antigo ditado popular.
– Bendita sabedoria popular! – exclamei de punhos cerrados. Infelizmente ela às vezes falha, e quase nunca os malfeitos são pagos aqui na Terra. Mas o Anjo Negro me vingava, vingando ao mesmo tempo 200 milhões de ofendidos e humilhados.
A fedentina era terrível. O sangue jorrava.
O Anjo Exterminador saiu voando pela janela do palácio presidencial.
NO CONGRESSO NACIONAL
Continuei olhando pela janela do escritório. Compreendi que imemorial sonho coletivo estava prestes a se concretizar: o da purificação pelo fogo.
Chorando, ajoelhados, deputados e senadores tremiam como se já condenados.
Um a um foram postos de pé pelos anjos, cutucados com a ponta das espadas de fogo. Cambaleando, passavam diante do Anjo Exterminador, que identificava e dizia:
– Você entra. O próximo!
O identificado entrava cambaleando no edifício do Congresso enquanto o próximo se adiantava.
– Você entra. O próximo!
Assim passaram diante do Exterminador todos os deputados e senadores – todos mesmo, homens e mulheres, porque à última sessão do Congresso era proibido faltar.
Desfilaram durante horas.
Durante horas choraram, imploraram, se mijaram e se cagaram. Homens elegantes e bem vestidos, mulheres distintas e bem cuidadas, todos passaram diante do Anjo e, um a um, receberam uma ordem, que era também uma sentença:
– Você fica aqui fora. O próximo!
– Você entra. O próximo!
Bem poucos ficaram de fora. A proporção seria talvez de 1 para 15 ou 20 ou 30.
O MARAVILHOSO INCÊNDIO
Encerrada a última eleição de que participava a imensa maioria daqueles deputados e senadores, autoproclamados representantes do povo, o Anjo Exterminador cravou a espada no chão e olhou o Congresso. Ficou em silêncio por alguns minutos.
A legião de Anjos Cobradores esperava.
Os que tinham ficado de fora esperavam.
Da minha janela eu esperava.
Foi aos que tinham ficado de fora que o Exterminador se dirigiu:
– Vocês tiveram sorte. Escaparam por pequenos detalhes. Agora, fora daqui!
E então, dirigindo-se aos anjos que comandava, gritou:
– Atenção!
Imediatamente, os anjos recolheram não se sabe de onde quantidades enormes de galões de gasolina, que agarravam como bombas incendiárias.
– Preparar!
Imediatamente começaram a voar sobre e dentro dos edifícios, encharcando tetos, paredes, deputados e senadores com gasolina.
– Fogo!
De minha janela, em meu delírio e em minha febre, compreendi que, embora simbolicamente, o velho sonho de um povo sofrido se realizava naquele momento em que Congresso e congressistas eram destruídos pelo fogo.
(Fonte: Aqui. - Continua)
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