Para ler os capítulos anteriores, clique AQUI.
Sebastião Nunes, autor da série, é natural de Bocaiuva, MG, escritor, editor, artista gráfico e poeta. É também titular de um blog no Portal Luis Nassif OnLine.
O país dos canalhas - Capítulo 13 - A quadrilha será invencível?
Por Sebastião Nunes
“Elementar, meu caro Watson”, dizia Sherlock Holmes, soltando uma baforada de cachimbo, quando o telefone tocou.
– Alô! – Atendeu o doutor Watson. – Quem quer falar com ele? Como? Ligação de Paris? É urgente? Um momento, por favor.
Watson tapou o bocal do telefone e se voltou para Holmes:
– Diz que é o comissário Maigret, da polícia judiciária francesa, e precisa falar com o senhor.
O notável investigador dedutivo tirou o cachimbo da boca e pegou o telefone.
– Pois não. Sherlock Holmes falando. Em que posso ser-lhe útil? Sim, eu o conheço de nome. Não, não conheço Philip Marlowe. Sim, já ouvi falar do Brasil. Não, não ouvi falar da quadrilha que se apossou do poder por lá. Não, não conheço Miguel Temeroso. Sim, sou realmente o melhor pelo processo dedutivo. Não, não creio que Rex Stout consiga trabalhar melhor do que eu. Sim, como ele, também não preciso sair de casa para resolver meus casos. Mas, afinal, o que deseja o senhor?
MALHANDO EM FERRO FRIO
Durante cerca de 15 minutos Sherlock ouviu em silêncio. Do lado de lá, Maigret botava as cartas na mesa. Falou do planejado assalto à Casa da Moeda. Nomeou um por um os principais membros da quadrilha. Contou os malfeitos praticados. Disse que o Brasil descia a ladeira velozmente. Disse que a quadrilha atraía novos canalhas com rapidez, pois o que não faltava no país era canalha. Que não adiantava matar um canalha que da poça de sangue brotava uma dúzia. Acrescentou que a oposição só servia para espernear e, sem nenhuma ação concreta, só fortalecia a quadrilha. Por fim contou que o detetive particular Philip Marlowe, criação imortal de Raymond Chandler, viera dos Estados Unidos e se infiltrava na quadrilha, sob o falso pretexto de ajudá-los. Mas que se sentira tão perdido que recorrera a ele, Maigret, que, sem saber o que fazer, recorria a ele, Sherlock, “o pai de nós todos”, mentiu puxando-lhe o saco.
Envaidecido, Sherlock, a imortal criação de Sir Arthur Conan Doyle, soltou outra baforada do cachimbo e respondeu assim à imortal criação de Georges Simenon:
– Olha aqui, Maigret. O Brasil foi descoberto há mais de 500 anos, não foi?
– Exatamente há 518 anos.
– E nesses 500 e tantos anos andou ao deus-dará, como uma gigantesca casa-da-mãe-joana, um fabuloso bordel-das-elites-podres, um esplendoroso repositório de más ações, intriga, ladroagem, corrupção e o diabo a quatro. Concorda comigo?
– Concordo.
– Então o que você quer que eu faça? Que me junte a vocês nessa canoa furada, meta a mão numa cumbuca e tente encontrar solução para o insolucionável?
– Não, Sherlock. Só pensei que uma reunião de detetives notáveis...
– Para salvar o heroico Philip Marlowe da merda em que está se atolando?
COITADO DO PHILIP MARLOWE
– Permita-me terminar, Sherlock. Imaginei que se você, com a ajuda do doutor Watson, é claro, se juntasse a nós dois, e se conseguíssemos ainda atrair Rex Stout, Hercule Poirot, o padre Brown, Arsène Lupin, Sam Spade e Continental OP, além do Agente Secreto X-9, seríamos invencíveis e poderíamos derrotar os canalhas.
– Ilusão sua, meu ingênuo Maigret. Canalhas são invencíveis e se reproduzem como vermes em carniça.
– Mas... – tentou o comissário, sendo imediatamente interrompido.
– Não tem mas nem meio mas – cortou bruscamente Sherlock Holmes. – Por que não vai ver se estou na esquina?
– Não seja grosseiro, Holmes – lamuriou-se Maigret. – Marlowe está lutando por uma boa causa...
– Uma boa causa perdida desde o princípio, fique sabendo.
– Que seja – perseverou Maigret. – Ainda assim, com todas as incertezas, todos os riscos e quase sem esperança, será uma luta inútil?
– Veja a Itália, Maigret – continuou com mordacidade Sherlock. – A Itália é o espelho do Brasil no retrovisor. Lá inventaram uma tal de operação Mãos Limpas, que no Brasil viria a se chamar Lava Jato. Também lá causaram diversas mortes e suicídios de empresários, políticos e intelectuais. Também lá botaram na cadeia e condenaram dezenas de supostos culpados – e o que resultou de toda essa balbúrdia e paranoia? Uma coisa horrível que chamaram de “delação premiada”, e o retorno da quadrilha de canalhas em plena forma. Mais do que isso: o crescimento vertiginoso da quadrilha, pois a multidão de canalhas ocultos só esperava uma oportunidade para se juntar a ela.
O POVO QUE SE DANE!
Maigret enfiou o cachimbo no bolso do sobretudo sem ao menos apagá-lo, mais infeliz do que cachorro com febre. Afastou o fone do ouvido e olhou para ele como se fosse seu inimigo número 1. Então suspirou e voltou a falar.
– Você quer dizer que não vai nos ajudar?
– Isso mesmo. Não moverei uma palha. Se a oposição no Brasil não consegue se organizar e lutar, se não consegue derrotar a quadrilha, o que aliás é impossível, como quer você que nós, personagens de ficção, façamos isso?
– Obrigado assim mesmo, Sherlock. Foi um prazer falar com você.
Sherlock desligou com um resmungo e Maigret ligou para mim em Brasília.
– A tentativa falhou, Marlowe. Sherlock não vai se meter. Mostrou-se irredutível além de cético. Daquele mato inglês não sai coelho.
Desligou e, com outro suspiro, acendeu um novo cachimbo.
Do outro lado do mundo, eu, Philip Marlowe, pensei se não faria melhor em voltar para casa, deixando que o Brasil se fodesse sozinho, entregue aos canalhas.
....
(Fonte: Aqui. - Continua).
Nenhum comentário:
Postar um comentário