sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

O JORNALISMO E O JORNALISMO DA MÍDIA


"Vamos supor que, em determinado país, houvesse uma megaoperação judicial destinada a 'limpar' a política, liderada por um magistrado alçado à posição de salvador da Pátria. Que dessa operação nascesse a derrubada de uma presidente eleita pelo povo, a denúncia e prisão de inúmeros políticos, empresários e operadores associados e ainda a quase-criminalização do partido que, até então, era o maior daquele país. Que, em consequência do rearranjo de forças assim produzido, o país mergulhasse num momento de acelerado retrocesso nos direitos sociais e nas liberdades, além da desnacionalização da sua economia.

A megaoperação pautou o noticiário da mídia por anos. Manchete após manchete - e foram muitos milhares delas - a mídia contribuiu para criar a aura de heroicidade em torno do tal juiz. Mesmo com eventuais atropelos, endossou a narrativa de que o país estava sendo passado a limpo.
Eis que surge um depoimento, com apresentação de provas materiais, indicando que o tal justiceiro de terno preto age motivado por outros interesses que não a justiça. Que a megaoperação é enviesada de nascença; que seus efeitos políticos não são consequências das investigações, mas, ao contrário, as investigações são orientadas para obter os efeitos políticos desejados. Que há até uma busca de ganhos pessoais pelo círculo do juiz-herói: que ironia, a redezinha de corrupção formada em torno do sacrossanto combate à corrupção. Denúncias que já tinham surgido antes, mas que agora aparecem sustentadas em evidências mais fortes do que a mera aplicação da lógica.
E o que faz a mídia, diante de tamanho plot twist? Investiga o que o depoimento implica? Reavalia o significado da megaoperação judicial? Exige cautela até que as denúncias sejam de fato comprovadas (em desacordo com seu comportamento em casos que envolviam outras personagens, mas tudo bem)? Desacredita o depoimento com base em outros elementos?
Não. A mídia simplesmente ignora. A Folha, por exemplo, baniu Tacla Durán da capa. Deu uma matéria pequena, no meio de página par, sem as acusações centrais a Moro e à Lava Jato. Parece que o sentido do depoimento era defender Michel Temer.
O pior: isso nem surpreende. Já faz muito tempo que a mídia brasileira perdeu a vergonha na cara."



(De Luis Felipe Miguel, post intitulado "Sobre depoimentos, manchetes e agenda da mídia", publicado no Jornal GGN - aqui.
Imagine um profissional de imprensa apaixonado pelo jornalismo investigativo, que vai ouvindo um depoimento bombástico e pensando: "Caramba, vou entrar fundo nessa seara e passar um pente fino, para levar aos leitores uma análise profunda e isenta!". Ocorre que os patrões mandam que se guarde 'certa distância' ou mesmo silêncio acerca do assunto. Castigo maior não pode existir. E qual a reação? Só a decepção pessoal, mesmo. E continua firme no emprego, fazendo lembrar um velho mote surgido no governo Figueiredo: "Eu preciso sobreviver, entende?").

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