sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

BRASIL RESSUSCITA A SECULAR LEI DA CEGUEIRA DELIBERADA

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Para ser conciso, cumpre ir logo a um fato para lá de eloquente: segundo noticiado amplamente pela mídia em geral e em particular pela revista Consultor Jurídico, a senhora Cláudia Cruz, esposa do ex-deputado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, e o senhor Idalécio de Castro Rodrigues de Oliveira foram absolvidos pelo juiz Moro, no âmbito da Lava Jato, sem que o magistrado levasse em conta a vetusta (e agora louvada) lei da cegueira deliberada, mas tão somente com base no que estabelece o Código Penal brasileiro, como deve acontecer, erga omnes, no Estado Democrático de direito. 
Em tempo: O post abaixo foi reproduzido no Jornal GGN - aqui.


Moro usa "cegueira", do "domínio do fato" e da "convicção". Usa o que quiser

Por Fernando Brito

Na Folha de hoje, em reportagem de Ricardo Balthazar, mostra-se que os juízes Sérgio Moro e Marcelo Bretas foram buscar uma doutrina “moderníssima”, da Inglaterra do século 19 – Deus salve-nos da Rainha Vitória – para condenar réus sem prova de que tenham praticado atos dolosos. Chamada de “cegueira deliberada”, ela permite condenar alguém por ter “movimentado dinheiro sujo sem ter conhecimento da natureza ilícita dos recursos, punindo-o com o mesmo rigor aplicado a quem comete esse crime conscientemente.”

Entendeu bem? Se a pessoa não sabe que o dinheiro é sujo e encosta nele é tão culpada quanto quem o desviou! Não acredita?

A legislação brasileira pune a lavagem de dinheiro quando o acusado sabe que o dinheiro é sujo e age com intenção de escondê-lo. Mas muitas situações não são claras assim, como no caso de alguém que aceita transportar uma mala de dinheiro roubado sem saber o conteúdo. (Se não sabe o conteúdo é criminoso?)
Nesses casos, a lei prevê punição quando se demonstra que o acusado tinha consciência do risco que corria, mesmo sem intenção de praticar um crime. Mas isso também é difícil de provar muitas vezes, e por essa razão os juízes têm recorrido à doutrina da cegueira deliberada.
O primor jurídico parte do princípio de que o sujeito é culpado e vai gramar cadeia porque não perguntou de onde vinha o dinheiro. Da próxima vez que você fizer um contrato, deve perguntar ao contratante se ele vai pagar com dinheiro limpinho ou sujo, é isso? E se ele disse que o dinheiro foi herança da mãe, você deve pedir cópia do inventário?
Balthazar destaca um trecho de uma sentença de Moro:
“A postura de não querer saber e a de não querer perguntar caracterizam ignorância deliberada e revelam a representação da elevada probabilidade de que os valores tinham origem criminosa e a vontade de realizar a conduta de ocultação e dissimulação a despeito disso”, disse Moro.
É de fechar os cursos de Direito Penal no Brasil, que recusa o “direito penal do autor”,  onde a responsabilidade penal é objetiva, e dispensa avaliação da culpa: não importa o que o sujeito fez, importa o que o sujeito é. Aqui o direito penal sempre foi subjetivo, ou seja,  o dolo e a culpa dependem da conduta do indivíduo.
A condenação, antes destes luminares do Direito, dependia da demonstração da culpa. Agora depende do “eu acho”, do “deveria”, do “é impossível que não soubesse” ou, como magistralmente escreve Moro, do “deveria ter perguntado”.
A fábula do lobo e do cordeiro foi atualizada para o século 21 com os juízes de peruca da Londres dos anos 1800.  -  (Aqui).

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