segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

O CINEMA E O ESPÍRITO DO TEMPO DO NATAL


O espírito do tempo do Natal em "Santa Claus" e "Star Wars Holiday Special"

Por Wilson Ferreira

O que há em comum entre o filme mexicano “Santa Claus” (1959) e “Star Wars Holiday Special” (1978), o especial de Natal da CBS, considerado a pior coisa já feita para a TV? Cada uma dessas produções, na sua época, traduziu o Natal de acordo com o “espírito do tempo”. O primeiro, na esteira do início da corrida espacial e Guerra Fria EUA e URSS. E o segundo, no rastro do sucesso do filme de 1977, já antevendo o computador pessoal e compras e comunicação através da Internet. Contextos tecnológicos e políticos diferentes que criaram, cada um no seu tempo, formas diferentes de interpretar os simbolismos natalinos: o primeiro, global; o segundo, cósmico. Mas os destinos das produções foram diferentes: “Santa Claus” foi um dos filmes natalinos mais reprisados da TV norte-americana, enquanto “Star Wars Holiday Special” foi renegado pelos atores, fãs e pelo próprio George Lucas: “eu queria apenas tempo e um martelo para destruir cada cópia”, lamentou.
O pensador Theodor Adorno considerava toda arte como um sismógrafo do seu tempo. Mais especificamente, o historiador francês Marc Ferro  considerava qualquer filme como um documento por representar o imaginário, sensibilidades e transformações de uma época. Principalmente o cinema de ficção, que abriria um excelente caminho no campo da história psicossocial – leia FERRO, Marc, Cinema e História, São Paulo: Paz e Terra, 1992.
Aproveitando esse momento das comemorações natalinas e seguindo o pensamento desses dois pesquisadores, a produção fílmica em torno dos simbolismos do Natal (nascimento de Cristo, Papai Noel etc.) é uma ótima oportunidade para percebermos as mudanças desses simbolismos – como se converte em quase um espelho da sensibilidade de cada época.

Para começar, as origens da figura do Papai Noel: ora descendente de uma longa linha de soturnos, sujos e peludas criaturas remanescentes da era pré-cristã (como “Percenickel” que na Alemanha acorrentava crianças mal educadas), ora originado na lenda de São Nicolau, bispo de Myra (Turquia), padroeiro das crianças, marinheiros e santo casamenteiro. 


Dois Papais Noéis


Por isso, no cinema são visíveis duas linhas distintas: de um lado, a imagem do bom velhinho imortalizada pela publicidade da Coca-Cola e nos filmes otimistas sobre o “espírito de Natal” (Meu Papai é Noel [1994], Santa Claus, a verdadeira história do Papai Noel [1985], Titio Noel [2007], Milagre na Rua 34 [1994]) etc.; e do outro, o resgate dos temores pré-cristãos pela entidade sombria – Rare Exports: Natal Bizarro (2010), Uma Noite de Fúria (2005), Silent Night, Deadly Night(1984), Natal Sangrento (2012) entre outros.

Mas além de atualizar arquétipos antigos, as diferentes representações do Papai Noel e do Natal também espelham mudanças bem recentes – tecnológicas, sensibilidade, imaginário etc.

Dois filmes estranhos e trash são exemplos disso: o mexicano Santa Claus (1959, aka Santa Claus vs. The Devil) e o especial de Natal para a TV norte-americana Star Wars Holiday Special (1978), considerado por muitos críticos como a pior coisa já produzida pela TV. Tão ruim, que poderia ter matado a saga Star Wars para todo o sempre.

O primeiro, na esteira do início da corrida espacial com o impacto do satélite russo Sputnik e a explosão da ficção científica em meio à Guerra Fria EUA e URSS. E o segundo, no rastro do sucesso do filme de 1977, já antevendo o computador pessoal e compras e comunicação através da Internet.

São contextos tecnológicos e políticos diferentes que criaram, cada um no seu tempo, formas diferentes de interpretar os simbolismos natalinos: o primeiro, global; o segundo, cósmico.


Santa Claus contra Satã


Todas as tentativas de colocar Papai Noel na tela grande são inevitavelmente estranhas. Pode ser como um personagem coadjuvante numa história de redenção de outra pessoa, inventar uma mitologia bem elaborada que explique sua aparição na atualidade e reflita a era moderna, ou coloca-se em contextos descontroladamente inesperados. Como é o caso do filme mexicano Santa Claus.

Papai Noel vive em um castelo, acima das nuvens no Polo Norte, no espaço. Aproxima-se a data natalina em que descerá à Terra no seu trenó levado por renas eletromecânicas. Mas Satã tem planos para estragar o Natal de Papai Noel e das crianças: enviar um pequeno e dedicado demônio vermelho cuja missão é “inspirar” as crianças do planeta a fazer o mal e não serem mais merecedoras dos presentes de Santa Claus. E ocasionalmente, sabotar chaminés, lareiras, provocar discórdias e mal entendidos até que Santa seja visto como uma pessoa perigosa para todos.  


Mas tudo soa muito estranho: um velho que dá sonoras risadas todo o tempo, cuidadosamente monitora a obediência e prevaricação das crianças em todo o mundo com estranhos equipamentos que invejariam CIA e KGB na Guerra Fria – um super-telescópio que rastreia imagens como um satélite, um “tele-orelha” (para ouvir à distância) e um bizarro “tele-talker”, uma espécie de pinball arcade com imensos lábios que falam em comunicações à distância.

E uma imensa fábrica de brinquedos com força de trabalho infantil de diferentes países. Ele ainda conta com a ajuda do Mago Merlim e do deus da metalurgia Hefesto. Merlim dá a Santa Claus um pó para fazer as crianças dormirem e terem “sonhos sobre a paz e boa vontade entre os homens” e uma flor que dá a invisibilidade quando cheirada...


Santa Claus segue à risca os detalhes da lenda do Papai Noel. Porém, há sempre uma estranha torsão do sentido original, criando uma atmosfera de estranheza: se os planos de Papai Noel são tão bons e altruístas, por que precisa fazer tudo em segredo? Por que Santa Claus trabalha de forma tão furtiva e misteriosa, assim como o demônio enviado por Satã?

A narrativa faz esparsas referências ao nascimento de Jesus e ao Natal em si. Há uma preocupação globalizante para a data natalina: fala-se em boa vontade, paz entre os homens, mostrando crianças agrupadas como fossem delegações de cada país. O filme é quase uma espécie de ONU de Natal... mas com trabalho infantil e vigilância sobre a privacidade das famílias.

Os estranhos equipamentos de vigilância de Santa, o fato do seu castelo flutuar no espaço sideral sobre a Terra e essa inédita, para a época, percepção global do planeta são representações de um mundo que parecia cada vez menor com o início da corrida espacial e da Guerra Fria. E a inédita possibilidade de o mundo inteiro ir para o espaço em um gigantesco cogumelo nuclear.


O Natal ecumênico do Especial Star Wars


 Diz a lenda que esse especial de Natal de Star Wars transmitido pela rede CBS dos EUA em 1978 foi a pior coisa já feita na história da televisão. Mesmo o fã mais hardcore de Star Wars tem que admitir que a franquia sci fi quase acabou com a transmissão desse catastrófico especial de TV.

George Lucas afirmou na época: “se tivesse tempo e um martelo, eu ia atrás de cada cópia daquele show e destruiria”.

O plot é simples e poderia ser reduzido a um simples curta-metragem, e não um especial de duas horas (incluindo os comerciais): a estória gira em torno de Hans Solo tentando levar Chewbacca a bordo da sua Millennium Falcon de volta para sua família (esposa Malla, seu filho Lumpy e seu pai Itchy) a tempo de comemorar o “Dia da Vida” (o correspondente ao Natal ou Dia de Ação de Graças no universo Star Wars). Porém, no meio do caminho são perseguidos por naves do Império. Eles fogem através do hiperespaço. Mas por azar eles caem no meio de um comboio da frota do Império.


A família contata Luke Skywalker, mostrando a preocupação pelo atraso de Chewbacca e Hans Solo, que tentam desesperadamente fugir das naves de caça das forças do Império.

As duas horas do show são preenchidas com aparições desnecessárias de celebridades televisivas em pequenos segmentos tangenciais como os Wookiees assistindo a um constrangedor circo holográfico, longas sequências da família de Chewie que lembram esquetes da Família Dinossauro como, por exemplo, aprender a cozinhar a ceia do Dia da Vida vendo um programa de TV e shows musicais com Diahann Carroll e da Princesa Leia no final.

Salva-se apenas um segmento de 10 minutos com um desenho animado no qual faz a estreia do personagem Boba Fett no universo Star Wars.

Mas duas coisas chamam a atenção no show da CBS: o Natal ecumênico de Star Wars e a residência da família dos Wookiees como uma visão futura do e-comerce e das comunicações online.


A sequência em croma key da família Wookiee com robes vermelhos caminhando em direção de uma estrela e o "Dia da Vida" como a celebração da Liberdade, Harmonia e Paz (“não importa quão diferentes parecemos, somos todos iguais em nossa luta contra os poderes do mal”, diz a Princesa Leia) confirma o que Star Wars sempre foi desde o início: uma experiência quase religiosa, uma cosmovisão panteísta e monista. Deus não está separado do Universo como um “criador”, mas está contido dentro dele – clique aqui.

Uma força especial, energia cósmica que nas religiões hindu, budistas e nas atuais religiões New Age pode se chamar “O Um”, “Mana”, “Chi”, “Brahma”. Em Star Wars é “A Força”.

Se em Santa Claus o Natal é traduzido por um senso “planetário” de que a Terra tornou-se pequena com o início da corrida espacial, no Especial Star Wars o Natal tornou-se cósmico, panteísta.

É esse sentido místico-esotérico que animou o início da Internet e das tecnologias virtuais, profeticamente representado na relação dos familiares de Chewbacca com os gadgets tecnológicos que prenunciam o computador pessoal e a revolução do e-commerce e customização do consumo – previsto na época por livros de futurologia como A Terceira Onda, de Alvin Toffler.

No Natal de Star Wars não há mais o nascimento de Jesus ou Papai Noel: no lugar, o senso cósmico e ecumênico de pertencimento a um Todo, a um oceano de energia, que no futuro tecnologicamente se chamaria “Internet”.  -  (Fonte: Cinegnose - AQUI).


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