Tradicionalistas acusam publicamente o Papa Francisco de 'propagar heresias'
Da Gazeta do Povo
O domingo começou quente para o Papa Francisco. Depois de uma série de anúncios via Twitter vindos de sites autodenominados como sendo “anti-Francisco”, 62 tradicionalistas de 20 países divulgaram à meia-noite de sábado (23) uma carta intitulada “Correção filial sobre a propagação de heresias”, afirmando que o Papa defendeu sete posições heréticas sobre a vida moral e os sacramentos em sua Exortação Apostólica Amoris Laetitia e em declarações públicas. A carta, segundo seus signatários, foi entregue ao Sumo Pontífice no último dia 11 de agosto e, como não obteve resposta, foi tornada pública. De acordo com eles, isso não ocorre desde a Idade Média, quando o Papa João XXII foi corrigido publicamente em 1333.
A missiva, porém, não tem a assinatura de nenhum cardeal, mesmo dos mais críticos à gestão de Francisco, como Raymond Burke, Walter Brandmueller e Joachim Meisner que solicitaram, em 2016, um esclarecimento ao papa sobre os temas tratados na exortação. Apenas um bispo assina a carta, mas este não está em comunhão com a Santa Sé: Bernard Fellay é superior da sociedade separatista São Pio X, fundada por Marcel Lefèbvre, religioso que não aceitou as decisões tomadas no Concílio Vaticano II. Os outros são teólogos, professores, jornalistas, historiadores e sacerdotes de sites tradicionalistas, lefebvrianos e da extrema direita católica. Também assinam o documento Ettore Gotti Tedeschi, ex-presidente do Banco do Vaticano, afastado do cargo em 2012, e Antonio Livi, ex-reitor da faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Lateranense de Roma.
“Escândalos para a fé e a moral vieram à Igreja e ao mundo pela publicação de Amores Laetitia e por outros atos pelos quais Sua Santidade tornou suficientemente claro o escopo e o propósito deste documento. Heresias e outros erros espalharam-se pela Igreja em consequência disso”, afirma o documento de 25 páginas.
O documento questiona, entre outros pontos, a posição da Amoris Laetitia(número 298 da carta) sobre o tratamento que se deve dar dentro da Igreja a pessoas divorciadas vivendo em novas uniões.
Francisco expôs em Amoris Laetitia, no número 246, que “o divórcio é um mal, e é muito preocupante o aumento do número de divórcios”. Por isso, continuou o Papa, “a nossa tarefa pastoral mais importante relativamente às famílias é reforçar o amor e ajudar a curar as feridas, para podermos impedir o avanço deste drama do nosso tempo”. Depois, explicou que há situações muito diferentes em que é necessário um “discernimento pessoal e pastoral” para cada uma delas. “Sabemos que não existem ‘receitas simples’”, insistiu.
Para os autores da carta, com esse texto e outras atitudes, o Papa teria cometido “sete heresias”:
- A recusa em confirmar, em resposta aos cardeais Burke, Caffara (já falecido), Brandmüller e Meisner, que a Amoris Laetitia não abole cinco dos ensinamentos da fé católica;
- A intervenção no Sínodo da Família, em 2015, para a aprovação da posição de que os divorciados vivendo em novas uniões pudessem receber os sacramentos, a depender de uma análise “caso a caso”;
- A confirmação, em resposta a uma jornalista, das interpretações do cardeal Schönborn que permitem a comunhão a divorciados vivendo em novas uniões, ainda que o Papa reiterou que deve ser estudado “caso a caso”;
- Uma carta, endereçada a bispos argentinos, em que o Papa supostamente confirmaria que a interpretação correta da Amoris Laetitia permite a comunhão de divorciados vivendo em novas uniões;
- Diretrizes para a diocese de Roma que supostamente permitiriam a comunhão, em certas circunstâncias, para adúlteros e divorciados vivendo em novas uniões;
- A nomeação de religiosos que, para eles, discordariam de ensinamentos da Igreja para postos de influência, com destaque para o arcebispo Vincenzo Paglia e o cardeal Kevin Farrel;
- A não correção de uma matéria do jornal Osservatore Romano, que noticiou uma interpretação da Amoris Laetitia pelos bispos de Malta e de Gonzo que permitiriam a comunhão para adúlteros;
Os signatários do documento recorreram ao direito canônico para mostrar que o Papa, agindo dessa forma, não estava em posição de infalibilidade papal e que, portanto, a comunidade dos fiéis tem o direito e o dever de corrigir o pontífice de acordo com a posição oficial da Igreja. Eles dizem, no entanto, que não estão em posição de acusar o papa do pecado de heresia.
Causas
Para os autores da carta, duas posições de fundo ajudariam a explicar as tendências heréticas que se espalharam pela Igreja a partir da edição da Amoris Laetitia e das atitudes do Papa Francisco: o modernismo e a simpatia por Martinho Lutero, o primeiro protestante reformista.
“A concepção católica da revelação divina é frequentemente negada pelos teólogos contemporâneos, e essa negação levou a uma generalizada confusão entre os católicos sobre a natureza da revelação divina e da fé”, afirmam. “Em segundo lugar, sentimo-nos obrigados em consciência a nos referir às simpatias em precedentes de Sua Santidade por Martinho Lutero, e à afinidade entre as ideias de Lutero sobre a lei, a justificação e o casamento e aquelas ensinadas ou favorecidas por Sua Santidade em Amoris Laetitia e em outros lugares”, dizem ainda. - (Aqui).
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Sempre que nos deparamos com notícias da espécie, vem-nos à mente a lembrança da posição manifestada por velho e consagrado escriba, que, correspondente de grandes veículos de comunicação brasileiros na Metrópole, escreveu por muitos anos, semanalmente, o 'Diário da Corte'. Disse ele, em certa crônica, algo como:
"A Igreja se esvazia inexoravelmente, e isto decorre das modificações litúrgicas implementadas a partir do Concílio Vaticano II. Quando, por exemplo, as missas eram em latim, e o padre ficava de costas para os fiéis, a magia, o sagrado, o inatingível estavam resguardados, e o fascínio, garantido!"
Pois é. Os conservadores não se conformam: Francisco, mal chegou, tratou logo de expulsar os vendilhões do Templo e de, heresia das heresias, declarar sua opção preferencial pelos pobres. E novas 'revoluções' se seguiram, o que é louvável.
Nenhuma estranheza, portanto. O jus sperniandi é livre.
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