A profecia de Ataliba, o censor
Por Fernando Morais
A propósito da volta sorrateira da censura, lembrei da história do Ataliba, o último censor do jornal Estado de Minas durante o Estado Novo. O episódio me foi contado pelo genial jornalista piauiense Carlos Castelo Branco, o Castelinho, para o livro “Chatô, o rei do Brasil”.
No começo de outubro de 1945 já se podia perceber que os dias do Estado Novo estavam contados.
Farejando a agonia do governo, Chateaubriand distribuiu uma ordem a todos os órgãos Associados: em suas rádios e jornais as instruções da censura deveriam ser pura e simplesmente ignoradas.
Em Belo Horizonte era Carlos Castelo Branco quem estava na chefia de redação do Estado de Minas quando Chateaubriand telefonou pessoalmente para o diretor Gregoriano Canedo:
– Canedo, dispense o censor. De hoje em diante não tem mais censura no jornal.
Amigo do prefeito Juscelino Kubitschek (que além de patrono de generosas dotações de verbas oficiais ao jornal era politicamente ligado a Getúlio), Canedo entrou em pânico com a ordem que recebera. Chamou Castelo e passou o abacaxi adiante:
– Castelinho, o Chateaubriand mandou dispensar o censor, não receber mais ordens dele. Eu vou embora para casa, você se vira aí com o Ataliba.
Fazia tantos anos que Ataliba, o censor, dava seu plantão ali, que ele já se sentia parte integrante da redação. Chegava todas as noites de terno branco e chapéu panamá, pendurava o paletó na cadeira e ia recebendo as pilhas de laudas datilografadas das mãos de Castelo. Com o tempo estabeleceu critérios pessoais do que podia ou não podia ser publicado (a palavra democracia, por exemplo, só poderia sair em títulos quando estivesse entre aspas, e desde que fosse parte integrante de discursos de Churchill ou de Roosevelt).
Naquele dia ele chegou como se nada tivesse acontecido, pendurou o paletó e pediu a Castelo o primeiro pacote de trabalho para ler. O rápido diálogo entre os dois ficou célebre, para as gerações de jornalistas que vieram depois, como um presságio da ação de ditaduras sobre a liberdade de imprensa. Castelo transmitiu com bom humor a ordem de Chateaubriand ao censor:
– Não, Ataliba, hoje você não vai ler o jornal aqui. Se você quiser ler o Estado de Minas vai ter que comprá-lo na banca amanhã de manhã.
Ataliba se levantou, pegou o paletó e deixou no ar uma frase profética:
– Já entendi tudo, eu vou-me embora. Mas não tem importância, um dia eu volto.
Ataliba voltou dezenove anos depois, na noite de 1º de abril de 1964.
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(Fonte: Blog Nocaute - AQUI).
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Como dizem por aí, 'pior que é mesmo'. Hoje em dia, como seria, com essa tecnologia toda, tantos canais comunicativos? Pergunta ociosa, segundo muitos: às vezes, é desnecessário o ritual, o aparato: a institucionalização da censura, da forma como se dava no passado, é, especula-se, desprovida de serventia quando os próprios veículos de comunicação, por iniciativa própria, se encarregam de acionar seus mecanismos internos. Afinal, quantas omissões se revelam para lá de providenciais?
José Américo de Almeida, o paraibano de A Bagaceira e do Menino de Engenho, cunhou o célebre 'Ninguém se perde no caminho de volta'. Na situação acima abordada, a observação cairia no vazio: os censores não teriam de voltar; sempre estiveram lá.
Mas, claro, pode ser que nada disso proceda, tudo pode não passar de mero produto da imaginação de certos observadores solertes e paranoicos...
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Como dizem por aí, 'pior que é mesmo'. Hoje em dia, como seria, com essa tecnologia toda, tantos canais comunicativos? Pergunta ociosa, segundo muitos: às vezes, é desnecessário o ritual, o aparato: a institucionalização da censura, da forma como se dava no passado, é, especula-se, desprovida de serventia quando os próprios veículos de comunicação, por iniciativa própria, se encarregam de acionar seus mecanismos internos. Afinal, quantas omissões se revelam para lá de providenciais?
José Américo de Almeida, o paraibano de A Bagaceira e do Menino de Engenho, cunhou o célebre 'Ninguém se perde no caminho de volta'. Na situação acima abordada, a observação cairia no vazio: os censores não teriam de voltar; sempre estiveram lá.
Mas, claro, pode ser que nada disso proceda, tudo pode não passar de mero produto da imaginação de certos observadores solertes e paranoicos...
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