sexta-feira, 29 de setembro de 2017

BRASIL, PÁTRIA DA MÁ DISTRIBUIÇÃO DE RENDA


"(...) Folha - O estudo de Morgan mostra que a renda da metade mais pobre aumentou junto com a dos mais ricos. Por que a concentração no topo da pirâmide é tão preocupante?

Thomas Piketty - Porque, apesar dos avanços dos últimos anos, o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo. Em nossa base de dados, só encontramos grau de desigualdade semelhante na África do Sul e em países do Oriente Médio.

Houve um pequeno progresso nos segmentos inferiores da distribuição da renda, beneficiados por programas sociais e pela valorização do salário mínimo. É alguma coisa, mas os pobres ganharam às custas da classe média, não dos mais ricos, e a desigualdade continua muito grande.

Reduzir a desigualdade é só questão de justiça social ou de eficiência econômica também?

Ambos. O grau de desigualdade extrema que encontramos no Brasil não é bom para o crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável.

A história dos EUA e da Europa mostra que só depois de grandes choques políticos como as duas grandes guerras do século 20 a desigualdade diminuiu e a economia cresceu com vigor, permitindo que fatias maiores da população colhessem os benefícios.

No Brasil, podemos concluir que as elites políticas e os diferentes partidos que governaram o país nos últimos anos foram incapazes de executar políticas que levassem a uma distribuição mais igualitária da renda e da riqueza. Acho que isso é precondição para o crescimento econômico.

Seus dados indicam que a fatia da renda nas mãos dos mais ricos vem se mantendo intacta no Brasil. Por quê?

Parte da explicação pode estar na história do país, o último a abolir a escravidão no século 19, como você sabe. Mas isso não é tudo. Diferentes políticas governamentais poderiam ter feito diferença.

O sistema tributário é pouco progressivo no Brasil. Há isenções para rendas de capital, como os dividendos pagos pelas empresas a seus acionistas. Impostos sobre rendas mais altas e heranças têm alíquotas muito baixas no Brasil, se comparadas com o que se vê em países mais avançados.

Alguns desses países fazem isso há um século, o que contribuiu para reduzir a concentração da riqueza. Se você olhar os Estados Unidos, a Alemanha, a França, o Japão, em todos esses países a alíquota mais alta do Imposto de Renda está entre 35 e 50%. [No Brasil, a alíquota máxima do Imposto de Renda é de 27,5%.]

Qual o risco de uma taxação maior das rendas mais elevadas provocar fuga de investidores para outras jurisdições?

A elite sempre tem um monte de desculpas para não pagar impostos, e isso também ocorre em outras partes do mundo. A questão é saber por que a elite no Brasil tem sido bem-sucedida ao evitar mudanças no sistema tributário.

Em outros países, as elites não aceitaram pacificamente pagar mais impostos. Foi um processo caótico e violento muitas vezes. Espero que o Brasil tenha mais sorte e possa fazer isso sem passar por choques traumáticos como as guerras. É deprimente ver que décadas de democracia no Brasil foram incapazes de promover mudanças nessa área.

Não sei o futuro. Mas posso dizer que é possível ter um sistema tributário mais justo, uma distribuição da renda e da riqueza mais equilibrada, e mais crescimento econômico, ao mesmo tempo. Essa foi a experiência de outros países.

Gastar energia para resolver esse problema não tiraria o foco de políticas sociais que poderiam contribuir mais para a redução da desigualdade?

Você precisa fazer as duas coisas. Morgan mostra que as políticas sociais adotadas nos últimos anos foram boas para os pobres, mas insuficientes. Você precisa melhorar as condições de vida deles e investir em educação e infraestrutura, mas precisa de um sistema tributário mais justo para financiar isso e reduzir a concentração da renda no topo.

Não estou aqui para dar lições a ninguém. Há muita hipocrisia no meu país quando se trata desse assunto. Mas acredito que no fim todos se beneficiam com um sistema tributário mais justo e uma sociedade menos desigual, mais inclusiva e mais estável. (...)"





(De Thomas Piketty, economista, autor do clássico "O Capital do Século XXI", em entrevista concedida a Ricardo Balthazar, da Folha de São Paulo, de onde foram selecionados os trechos acima pelo blog Conversa Afiada - AQUI

No mesmo passo trilhado por Piketty, a professora Laura Carvalho, da FEA-USP e articulista da Folha, explicita como os ricos não pagam imposto no Brasil. A seguir, trechos de seu artigo "Política fiscal é essencial para combater desigualdades":

"Em nota escrita para a reunião de líderes do G20 de julho em Hamburgo, quatro economistas do FMI apresentaram evidências de que os países com maiores índices de desigualdade tendem a ter taxas de crescimento mais baixas e que duram menos tempo. A nota destaca o papel crucial da política fiscal para o crescimento inclusivo, seja por meio da tributação progressiva, seja por meio da provisão de serviços públicos e benefícios diretos para os mais vulneráveis.

No relatório 'A distância que nos Une', publicado na segunda-feira (25), a Oxfam Brasil apresentou um retrato da desigualdade brasileira em suas diversas dimensões e disse que 'limitar gastos sociais significa limitar a redução de desigualdades'.

Em entrevista à Folha no domingo (24), o economista irlandês Marc Morgan Milá também foi taxativo: 'o congelamento das despesas públicas por 20 anos pode ter impacto negativo sobre a desigualdade porque são os mais pobres que dependem mais dessas despesas'.

Ainda que os dados apresentados no trabalho de Morgan, no relatório da Oxfam e nos vários estudos dos pesquisadores Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio Castro da UnB e do IPEA mostrem que a alta concentração de renda no topo da pirâmide não foi combatida nas últimas décadas, parece haver consenso de que boa parte da modesta redução da desigualdade observada no país deve-se ao aumento de gastos sociais e transferências de renda desde a promulgação da Constituição de 1988.

No comunicado nº 92 do Ipea intitulado 'Equidade Fiscal no Brasil: Impactos Distributivos da Tributação e do Gasto Social', Fernando Gaiger Silveira e coautores já haviam mostrado, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e das Pesquisas de Orçamento Familiar (POF) de 2002-2003 e 2008-2009, que o caráter regressivo (gerador de desigualdades) do sistema tributário brasileiro é compensado pela progressividade do gasto social, sobretudo das despesas com educação, saúde, previdência e assistência social.

O estudo mostra ainda que, embora o caráter regressivo da tributação tenha se mantido ao longo dos anos, o gasto social aumentou seu impacto sobre a desigualdade entre 2003 e 2009.

O conjunto dos benefícios previdenciários e transferências (auxílios, bolsas, seguro-desemprego etc.) foram responsáveis por reduzir o índice de Gini (que mede a desigualdade de renda) em 7,7% em 2009, ante um efeito de redução de 4,3% em 2003. Os gastos com saúde e educação públicas, que já haviam sido responsáveis por reduzir em 13,4% a desigualdade em 2003, ampliaram seu efeito para 17,1% em 2009.

A tributação indireta sobre consumo e produção (ICMS, IPI, PIS, Cofins e Cide), por sua vez, foi responsável por aumentar a desigualdade de renda (Gini) em 4,7% em 2009, ante efeito quase igual em 2003, de 4,6%. O caráter regressivo deste tipo de tributação –que responde pela maior parte da arrecadação de impostos no Brasil– mais do que compensa o efeito progressivo dos impostos diretos –Imposto de Renda, contribuições previdenciárias, IPTU, IPVA e outros–, que, pelas alíquotas demasiadamente baixas e as isenções concedidas, reduziram a desigualdade em apenas 2,6% em 2009 e 1,9% em 2003. [...].  -  [Para ler a íntegra do artigo, clique AQUI].
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"limitar gastos sociais significa limitar a redução de desigualdades". [Oxfam Brasil];

"o congelamento das despesas públicas por 20 anos pode ter impacto negativo sobre a desigualdade porque são os mais pobres que dependem mais dessas despesas".  [Marc Morgan Milá].

Quem acompanhou a evolução das condições sociais no Brasil e especialmente no Nordeste sabe o quanto os programas sociais - aliados ao salário mínimo e aos benefícios do INSS - contribuíram para a redução das desigualdades regionais [por sinal, diretriz contida na Constituição Federal] e poderiam contribuir para a superação dos graves problemas hoje reinantes. Ocorre que os cultores do neoliberalismo entendem que o Estado deve recolher-se à sua insignificância, abrindo alas para o Livre Mercado, que saberá prestigiar a meritocracia [ com seus 'pecadinhos', como estímulo à sonegação fiscal - vide Refis -, IR decrescente e privilégios como super-salários]  e conter ao máximo os "gastos supérfluos", a exemplo dos relacionados a programas sociais. Ponderações como as acima expostas, portanto, não os comovem).

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