quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

UM POUCO DE HISTÓRIA: O FASCISMO E AS TORCIDAS ORGANIZADAS, POR ANDRÉ ARAÚJO

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"Os 'fascismos' nunca são iguais, assinala Gentile, embora o instrumental seja parecido. O nazismo alemão era muito diferente do fascismo italiano e, em um certo sentido, muito mais anti-civilizatório; o fascismo mussoliniano não era anti-cultural e nem anti-religioso, fez um histórico reconhecimento do Vaticano como poder, mas outros movimentos equiparados ao fascismo, como o franquismo espanhol e o salazarismo português, tinham características próprias, assim como as derivações sul-americanas, como o Estado Novo brasileiro, diretamente inspirado no fascismo italiano, e o peronismo argentino e seu alicerce sindical fascista."

        Faixa antissemita exibida na torcida da Lazio: 
         "Auschwitz vossa Pátria, os fornos vossas casas"

O fascismo e as torcidas organizadas 

Por André Araújo 

O fascismo italiano completa 100 anos este ano. O maior historiador do fascismo foi Renzo de Felice, falecido em 1996, com uma obra de grande porte, BREVE STORIA DEL FASCISMO. Dos vivos, Emilio Gentile é hoje o maior historiador do fascismo. Ele traça uma linha interessante entre o fascismo e o futebol, vendo estreita relação entre a ideologia da ultra-direita e as torcidas organizadas.

Gentile assinala que o LAZIO de Roma tem a torcida mais fascista entre todas, seguida pelo INTER de Milão e por dois times de 2ª divisão, o VERONA e o VARESE. O elemento psicológico, o machismo, o culta da violência, o punho cerrado, o grito de guerra são os efeitos do gestual fascista assemelhados ao das torcidas organizadas que se transportam para a America Latina, em torcidas violentas que lembram os grupos de “camisas negras” nas ruas de Roma dos anos 20 e 30, tipologias gêmeas.

A APROPRIAÇÃO DO CONCEITO FASCISTA

Gentile também se reporta ao uso inapropriado do termo “fascista” para qualquer movimento de direita e assinala que essa visão é errônea e leva a análises imperfeitas. O FASCISMO é um movimento específico delineado por eventos históricos de época como foi na Itália onde o movimento nasceu em 1919.

A Itália sai da Grande Guerra de 1914 se sentindo lesada porque não lhe foram devolvidos territórios que eram historicamente italianos.

É bom lembrar que a Itália trocou de lado na Grande Guerra (e também na Segunda Guerra Mundial) perdendo com isso capital de manobra diplomática.

Mas o lastro social maior do FASCISMO foi a crise econômica e social do pós Guerra, com altíssimo desemprego e fome, sem que os governos democráticos de então tivessem algum tipo de solução ou projeto para sair da crise, e nesse ponto Gentile vê raízes que explicam movimentos populistas de direita e que também poderiam ser de esquerda, ambos em busca de uma saída mágica para uma crise insuperável.

Os “fascismos” nunca são iguais, assinala Gentile, embora o instrumental seja parecido. O nazismo alemão era muito diferente do fascismo italiano e, em um certo sentido, muito mais anti-civilizatório, o fascismo mussoliniano não era anti-cultural e nem anti-religioso, fez um histórico reconhecimento do Vaticano como poder, mas outros movimentos equiparados ao fascismo, como o franquismo espanhol e o salazarismo português, tinham características próprias, assim como as derivações sul-americanas, como o Estado Novo brasileiro, diretamente inspirado no fascismo italiano, e o peronismo argentino e seu alicerce sindical fascista.

O fascismo italiano poderia ser tudo mas não era caótico, era um movimento organizado e dentro de seu objetivo razoavelmente eficiente especialmente na economia e na proteção  social, por isso, era popular até o momento do grande erro de Mussolini, a aliança com o Terceiro Reich – lembrando que até 1935, Winston Churchill era um admirador de Mussolini, o ponto de inflexão foi a invasão da Abissinia que atingiu o coração do imperialismo britânico na África, e levou Mussolini ao caminho da fatídica aliança com Hitler, sua perdição e tragédia do regime e da saga mussoliniana.

No Brasil, poucos se lembram da profunda aliança de Vargas com a Itália fascista, especialmente entre 1933 e 1938, quando Mussolini enviou sua filha e colaboradora, a Condessa Edda Ciano, ao Brasil para uma viagem longa, de 80 dias. Edda Mussolini percorreu todo o Brasil sendo homenageada com todas as honras pelo regime varguista e pelas colonias italianas.

A ligação do Brasil com o fascismo se projetou na legislação trabalhista, uma cópia da “Carta del Lavoro” de Mussolini, especialmente na estrutura sindical gêmea de patrões e empregados, que perdura até hoje. No pós guerra de 1945, boa parte da elite fascista emigrou para o Brasil, entre os quais um dos fundadores principais do movimento, o Conde Dino Grandi, que morou em São Paulo de 1945 a 1951, e as filhas da Condessa Ciano e netas de Mussolini, Raimonda e Zenaida, que viveram em São Paulo até seu falecimento.

A assustadora revivescência de movimentos proto-fascistas na Itália, onde há desde os anos 80 um partido politico fascista, o MSI (Movimento Social Italiano) e outros movimentos de ultra direita na Itália, Áustria, Polônia, Hungria, França, cada qual com diferenças mas  com mecanismos parecidos e hoje também  no Brasil, traz de volta a necessidade de leituras reveladoras de Renzo de Felice e Emilio Gentile, cientistas que explicam a gênese do fascismo e que trazem a conclusão histórica definida, o fascismo como ideia e movimento sempre acaba mal, a transitoriedade é sua marca histórica.  -  (Aqui).

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