sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

QUE A CONSTITUIÇÃO PASSE A SER CUMPRIDA DE FORMA ORTODOXA, PAPAI NOEL!

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Este esperançoso Blog se satisfaria se Papai Noel oferecesse ao Brasil a graça de que a Constituição Federal passe a ser cumprida de forma ortodoxa. Basta de ministro "guardião" se arvorando de "intérprete" da Carta Magna, distorcendo-a e/ou ignorando-a, basta de juízes de base donos da verdade, possuídos de furor persecutório dirigido, a propalar que a função do julgador é tão somente a de "interpretar" a Constituição (o famoso 'livre convencimento do juiz'), desprezando a sua força normativa, enxovalhando-a, mandando para o raio que o parta o consagrado 'erga omnes'. 
Chega de calhordice. Chega de oportunismo. Chega de locupletação!

Ed Wheeler. (EUA).

Pedidos de um guri e de um jurista ao Papai Noel - 2019

Por Lenio Streck

Sou Lenio Streck. Avô do Santiago e do Caetano. Professor universitário, constitucionalista, advogado parecerista, fui procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e, vejam só, fui também goleiro.
Sempre gostei de futebol. Tenho diploma de comentarista de futebol. Não por menos, quando criança, na minha Agudo, pedia ao Weihnachtsmann, o bom velhinho (ou não), que me trouxesse uma bola e uma camiseta de goleiro. Um cético daria de ombros: Papai Noel não existe; não para uma criança que, de tão pobre, odiava férias (férias significa ficar em casaficar em casa significa trabalhar). É óbvio que ele não vem (nota: até hoje fazemos a árvore de Natal).
Ou será que vem? Não sei. Fato é que eu fui goleiro. Com a bola, a camisa, e até as luvas, que nem imaginava à época. Abaixo, duas fotos: a primeira, de 1974, jogando no Avenida; a segunda, de 2017, no Prerrogativas F.C, time de advogados no jogo contra o Politeama, do Chico Buarque.
Pois é. Será que foi o velho Santa quem me deu as luvas e camiseta? Coincidência ou espírito de Natal?
Não sei. O que sei é que sou um incorrigível otimista metodológico. Ajo sempre “como se”. Pudera: estou já há três décadas lutando contra os predadores do Direito. Já perdi muitas, e continuo aqui. Stoic mujic. Eis o meu lema. Mesmo que os haters critiquem até mensagem natalina. Sim, incrível: tem gente que critica até mensagem de solidariedade. Tudo o que escrevo o “hater padrão” diz: não li e odiei. Primeiro pedido ao Papai Noel: faça-o ajoelhar no milho!
Continuo. E hoje, como já se tornou tradição aos finais de ano, divulgo, aqui na Senso Incomum, minha carta para o Weihnachtsmann, que era como chamamos o Papai Noel em terras de colonização alemã. Eu tinha de recitar a seguinte “oração”: “Ich bin Klein, mein Herz ist rein, Darf niemand drin wohnen als Jesus allein” (“sou pequeno, meu coração é puro, nele não deve morar ninguém, a não ser Jesus”). Sem pieguice, mas, repetindo isso agora, uma lágrima me pega desprevenido. Isso é como ler O Grande Inquisidor: quando chega na hora em que Jesus beija seu algoz, é impossível chegar ao final sem me emocionar. Meus alunos, e quem me viu em palestras tentando contar, sabem do que falo.
Celebrando o Natal que se aproxima. Pois é… muito embora alguns pensem que eu seja rabugento, por estar aqui na ConJur brigando toda quinta-feira contra o subjetivismo e o emotivismo, não sou nenhum Scrooge — falo do personagem de Dickens que odiava o Natal. Eis, pois, minha carta ao Velho Noel.
Papai Noel, você bem sabe, as coisas aqui no direito brasileiro não têm sido fáceis. É flexibilização de garantias para cá, instrumentalismo processual para lá, pamprincipiologismos, ponderações…. um horror. Ganhamos o julgamento das ADCs e agora querem nos vencer no tapetão. PN, varinha de marmelo neles!
PN, como tem tanta gente falando mal da Constituição e querendo destruir até cláusula pétrea, ajude-me na fundação do movimento salvacionista chamado Unfucking the Constitution (só posso dizer o nome em inglês porque me recuso a dizer palavrões). Ou em francês: Défornication de la Constitution. Antes que seja tarde demais. Sim, Pai Natal, ajude-me a fazer esse contramovimento. Alguns pedidos têm muito a ver com isso, meu caro Noel.
Nosso ensino jurídico não foi, até hoje, capaz de ensinar — direito — conceitos básicos de Teoria do Direito. Sinopses, esqueminhas, facilitações, quiz shows, Direito-simplificado-mastigado-resumido… Afinal, “seja f… em direito!” (como consta na capa de um livro!!) Faça essa gente ajoelhar no milho, PN. E lhes tire o smartphone. Sem ele, derretem.
Poderia pedir para que a comunidade jurídica aprendesse os conceitos básicos, tais como positivismo, princípios (que não são valores) e quejandos. Mas isso já pedi e você me deu o drible da vaca, Pai Natal. Sobre o que dizem de Dworkin, desisti, PN. Desconfio que nem você leu o cara.
Papai Noel, diga-me: por que tem tanta gente reacionária no Direito? Por que as faculdades formam tantos fascistas? Por que a comunidade jurídica é a que mais odeia direitos e garantias? Ajude, PN. Conceda-me esse pedido. Não mais permita que se forme tanta gente inculta e jusblasfema.
PN, por favor, não mais permita que embargos ou agravos sejam “decididos” em duas linhas como “mantenho a decisão pelos próprios fundamentos; encaminhem-se os autos ao Tribunal Superior competente, na forma do artigo 1042, parágrafo 4º. do CPC”, enfim, que a Constituição Federal seja cumprida de forma ortodoxa.
Assim, Santa Claus, meu outro pedido não deixa de ter relação com todos os anteriores; é uma espécie de salvaguarda de tudo que mais importa nos momentos difíceis como é este que vivemos. Que a Constituição seja cumprida. Papai Noel: que se respeite a força normativa da Constituição.
PN, sequestre todos os celulares cujos WhatsApp estejam fazendo fake news tipo “STF proibiu prisão em segunda instância.” Ah, que jornalistas e jornaleiros levem o Direito a sério e não espalhem mentiras como “o Supremo proibiu a prisão”, “190 mil bandidos perigosos serão soltos” e quejandos.
Mais um pedido: que os alunos das faculdades leiam livros. E que não fiquem consultando a m… do WhatsApp enquanto o professor fala. Passe a vara de marmelo no lombo dessa escumalha, PN.
Que as pessoas voltem a ler. Livros. Textos sofisticados. Não fake news de whatsapp ou 240 caracteres de twitter.
Se alguém vier com essa coisa de bayesianismo, explanacionismo, algoritmos substituindo julgamentos, jogue pesado, PN: ponha de castigo e não dê presente.
Dê um basta nos quiz shows dos concursos públicos! Faça-os parar com as pegadinhas, PN. Prova de concurso não é para papagaios.
Que advogados não mais sejam desrespeitados. Que o exercício da advocacia não se torne um exercício de humilhação. E que não se criminalize a profissão de advogado. Que não se confunda o advogado com seu cliente.
Que os desembargadores e ministros, durante a sustentação oral das partes, não fiquem olhando os seus tablets; e que prestem atenção no esfalfelamento do causídico (ou finjam que estão prestando atenção).
Que se volte a respeitar a institucionalidade no país. Que não mais se faça protestos tipo Ku Klux Klan de ministros do Supremo por aí. Ou ajude a liberar os bingos… se me entende a ironia, PN.
Como viu, são poucos os pedidos, Papai Noel. Assim como eram poucos os meus pedidos de menino de Agudo, terra do Bagualossauro Agudensis, o mais antigo dinossauro do mundo, encontrado a 3 km de onde nasci. Queria apenas uma bola, luvas e uma camisa de goleiro. E quem sabe uma boina e alpargatas… Mas, enfim, homenageando um grande compositor do sul, Cesar Passarinho, sugiro que “oiçam” e vejam a música. Chama-se Guri! Vejam que maravilha de letra:
”- Hei de ter uma tabuada e meu livro ‘Queres Ler’… E se Deus não achar muito, tanto coisa que eu pedir…”!
Feliz Natal, leitores da ConJur. Sem exclusões. Porque sou includente!  -  (Fonte: Revista Consultor Jurídico - ConJur - Aqui). 
( é jurista, professor de Direito Constitucional, titular da Unisinos - RJ - da Unesa - RJ).

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