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"É mais do que hora, pois, de se fazer o diagnóstico patológico e iniciar de imediato o tratamento terapêutico. A diagnose da moléstia, no meu entender, aponta duas causas principais da doença que acomete a nossa mais elevada Corte de Justiça."...
A cúpula do Judiciário
Por Fábio Konder Comparato
Para dizer a verdade, o nosso Supremo Tribunal Federal já nasceu capenga e continua a coxear há mais de um século. Só que agora a claudicância começa a pôr em risco o inteiro funcionamento da máquina estatal. A síndrome do profundo agravamento dessa patologia ocorreu há pouco, quando o “guardião da Constituição”, por apenas um voto de desempate e em duas sessões de julgamento que consumiram horas de discussão, decidiu que a norma fundamental do artigo 5º, inciso LVII, a qual não pode ser revogada nem mesmo mediante emenda constitucional, continua em vigor…
É mais do que hora, pois, de se fazer o diagnóstico patológico e iniciar de imediato o tratamento terapêutico. A diagnose da moléstia, no meu entender, aponta duas causas principais da doença que acomete a nossa mais elevada Corte de Justiça.
A primeira dessas causas surgiu na própria gênese do tribunal, no dealbar do governo dito republicano em nosso país. (Nota deste Blog: 'no dealbar do governo dito republicano em nosso país' = com o advento da República). Assim como o federalismo, a instituição do Supremo Tribunal Federal não passou de um arremedo da Constituição norte-americana. Duas foram as graves consequências dessa macaqueação política.
A primeira delas foi o fato de não se ter levado em mínima conta a diferença fundamental do processo colonizador na América do Norte e no Brasil. Lá, tal processo foi parcelado; de onde a ideia de se juntarem ou reunirem (é o sentido de foederatio em latim) as diferentes colônias em um Estado único. O Brasil, bem ao contrário, desde o Descobrimento até a extinção da monarquia no final do século XIX, sempre foi geopoliticamente unitário. (Nota deste Blog: 'foederatio' = federação).
A consequência óbvia desse simulacro imitativo foi que, até hoje, a colossal desigualdade socioeconômica entre os Estados da federação brasileira (sem falar dos Municípios) cai nas costas da chamada União ou governo central.
A segunda grave consequência dessa grosseira imitação política diz respeito à organização do Poder Judiciário. Creio que nenhum jurista, com um mínimo de conhecimento de direito comparado, ignora a diferença histórica fundamental entre common law e civil law. No primeiro sistema, os órgãos do Judiciário podem criar normas jurídicas, enquanto no segundo eles limitam-se a interpretar o direito escrito, a começar pela Constituição. Ao que parece, o nosso Supremo Tribunal parece hoje inclinado a mudar de sistema.
Acontece que entre nós, a herança cultural lusitana nos levou a criar um direito processual recheado de recursos. Na tradição jurídica europeia-continental, tanto no processo civil quanto no penal, os litigantes dispõem de duas instâncias (de) recurso, sendo que modernamente alguns países criaram uma Corte de Justiça superior, com competência unicamente para julgar a constitucionalidade da decisão final, em segunda instância.
Entre nós, por força da tradição processual lusitana, acabamos criando nada menos do que quatro instâncias processuais: a primeira, do juiz de direito singular; a segunda, do tribunal de apelação, estadual ou federal; a terceira, do Superior Tribunal de Justiça; e finalmente a última, do Supremo Tribunal Federal.
Este, segundo a Constituição Federal, processa e julga originariamente nada menos do que 16 (dezesseis) tipos de ações; julga em recurso ordinário o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção, decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, além do crime político; e, finalmente, em recurso extraordinário, três espécies de julgados considerados inconstitucionais, além de decisões que julgam válida lei local contestada em face de lei federal.
Em 2013, a Deputada Luiza Erundina apresentou na Câmara a Proposta de Emenda Constitucional nº 275, por mim redigida, cujo objeto foi a reorganização do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, com drástica redução da competência recursal do STF. Hoje, penso que tal PEC poderia ser modificada, com a supressão de toda competência recursal do Supremo Tribunal.
Ademais, a citada Proposta reorganiza completamente a composição do STF. Embora os atuais Ministros permaneçam em função até a sua aposentadoria, os integrantes do Tribunal passarão a ser escolhidos pelo Congresso Nacional, e não pelo Presidente da República, a partir de listas tríplices de candidatos pelo Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil.
(Fábio Konder Comparato é Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra).
.[Fonte: A Terra É Redonda - Aqui].
sexta-feira, 27 de dezembro de 2019
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