quinta-feira, 22 de agosto de 2019

QUANDO FICÇÕES E SIMULACROS TOMAM O PALCO DOS ACONTECIMENTOS


"Na fábula italiana que se tornou célebre com os desenhos de Walt Disney, o nariz de Pinocchio, o boneco de madeira, crescia a cada mentira que ele contava, tendo, por isso, se tornado um símbolo popular desse desvio moral. No conto a virtude se sagra vencedora na disputa pelo caráter de Pinocchio, que aprende a praticar os valores da verdade e do respeito.
O ministro da propaganda nazista de Hitler, Joseph Goebbels dizia que uma mentira mil vezes contada se torna verdade. Todo o engano sobre o holocausto foi produzido massivamente com essa máxima: a repetição.
Na perspectiva da alegoria, a campanha deflagrada pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD – que intenta esclarecer os desvios cometidos pelo ex-juiz da operação Lava Jato e atual Ministro na Justiça e da Segurança Pública – mostra Sérgio Moro com um nariz de Pinocchio. A pertinência do comportamento dele, contudo, não é pueril como do boneco-menino, que de forma compulsiva se desviava por deslumbramento, e criava histórias fantásticas para justificar os erros cometidos. Os atos de Moro aproximam-se de uma disposição elaborada e previamente formulada, para dissimular a realidade e produzir resultados desejados, naquilo que se pode chamar de mentiras como conceito não moral.
As mentiras de Sérgio Moro vêm, na verdade, para dissimular seu comportamento desviante. Quando repetidamente proclama sobre os diálogos divulgados: “não sei se disse, mas se disse não há problema” ele, paradoxalmente afirma que as evidências de sua parcialidade como magistrado não estão presentes quando discute os rumos de uma operação de investigação junto aos membros do Ministério Público Federal da força-tarefa, indicando testemunhas, dando conselhos que se assemelham a ordens que são, de fato, cumpridas, encomendando pareceres, negociando prazos e procedimentos. Suas mentiras resultam de um processo de construção da linguagem, para constituir conceitos de aparência de legalidade.
As retóricas professadas por Sérgio Moro não sobrevivem à mais simples verificação de critérios de adequação de comportamento de magistrados. Não por acaso diversas juízas e juízes participam da campanha #MoroMente, falando de suas respectivas atuações jurisdicionais, como testemunho de que não há adequação nas práticas do ex-juiz da Lava Jato à essência da magistratura, mas ao oposto, identificados os elementos de sua conduta, elas conduzem ao arbítrio.
A torpeza dos argumentos de Sérgio Moro cumpre dupla função, uma vez que, quando confrontado com a evidência de condutas não aceitáveis e ilegais, ele diz que não reconhece os diálogos divulgados. Afasta-se de sua condição original quando é conveniente, para inverter a lógica do debate e virar novamente acusador dos responsáveis pela divulgação dos diálogos.
Na escala de razões que justificam a negação da realidade, modificação ou distorção de fatos, Sérgio Moro está muito mais para Goebbels que para Pinocchio. Não há em seus atos a infantil mentira que busca proveitos efêmeros. Suas dissimulações são objetivas e tem intenção clara.  Sua autoimagem de herói, com o apoio da mídia empresarial, o tornou um ser megalomaníaco que se supunha sem limites, e se baseia no ódio aos que com ele tem discordância político-filosófica.
O rol de artifícios criados para sustentar a teia de mentiras em que se transformou a operação Lava Jato foi levado a um nível em que a sedução do dinheiro entrou em jogo, e os membros da força-tarefa tentaram criar uma fundação para gerir os fundos públicos arrecadados, e uma empresa de palestras usando suas mulheres como laranjas. É quando a mentira vira trapaça, clara e explicitamente.
O terreno sobre o qual nos encontramos situados não é o do debate verdade versus mentira, mas o de uma reflexão sobre uso do sistema de justiça para perseguição política contra adversários e a negação dos procedimentos por interesses escusos. Um processo de camuflagem, de distorção, tudo feito por repetições em série durante anos, que criou pelas vias midiáticas, vínculos de identificação coletiva e ampla aceitação social.
Não é relativização da verdade ou ambiguidade de conteúdos, é farsa. Farsa deliberadamente inventada para alcançar resultado específico. Moro não cometeu erros nem enganos, ele praticou desonestidade militante."


(De Tânia Maria de Oliveira, post intitulado "Mentiras, farsas e trapaças: uma campanha para explicar Sérgio Moro", publicado no Jornal GGN - Aqui.
Mera observação: O senhor Moro sempre teve fixação na palavra 'poderosos'. Sustenta que a sua missão é a de combater 'poderosos', e está convencido de que o combate aos 'poderosos' justificaria todo e qualquer excesso, mesmo que em prejuízo dos direitos e garantias previstos na Constituição Federal. Nessa empreitada, conta com apoio midiático e o beneplácito de certas instâncias, para não dizer todas - circunstância que parece demonstrar quem sempre foi, de fato, o poderoso. A propósito, tornou-se emblemática a observação de um desembargador-relator de HC, meses atrás, consistente em que "tempos excepcionais justificam atos excepcionais", ou seja, que o juiz de base poderia, sim, transgredir a Constituição. 
Em tempo: eventualmente, os próceres da Lava Jato poderiam estar a alimentar um pouco de dúvida quanto ao sentimento do Supremo Tribunal Federal relativamente aos atos por eles praticados, bem como a lamentar o fato de somente haverem passado a questionar a veracidade do conteúdo das mensagens divulgadas pelo Intercept Brasil dias após iniciado o oferecimento ao público, quando já haviam emitido notas afirmando que as revelações não deixaram configurada qualquer parcialidade, visto que "não mostraram nada de mais". Com a palavra final, o Supremo). 

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