Rasputin e López Rega: os bruxos terminam em tragédia
Por André Araújo (No GGN - Semanas atrás)
O monge Grigori Rasputin criou em vida, e muito mais depois da morte, uma lenda que não se fecha sobre um bruxo transformado em homem do poder, mas que poder! Entre dezenas de biografias, acaba de sair uma nova sobre o assunto, já amplamente abordado em filmes e reportagens, mostrando que o tema continua despertando interesse.
Rasputin era um monge não oficial, um pregador andarilho que mal sabia escrever, uma espécie de “homem santo” que operava milagres e disso vivia.
Esse tipo de personagem era bastante comum na Rússia daqueles tempos, quando havia boatos de homens santos e curandeiros que percorriam o vasto interior do país.
Por vários acasos o bruxo chegou a ser introduzido na fechada corte do Czar Nicolau II, Imperador de todas as Rússias, um país naquele momento de 23 milhões de quilômetros quadrados, que incluía também a Polônia de hoje e a Finlândia (maior ainda que a sucessora União Soviética). Gigantesco, autocrático, potência militar e industrial, os comunistas que vieram depois espalharam a crença de que o Império do Czar era um país agrícola e atrasado, uma inverdade.
A Rússia tinha já sólida base industrial, enorme rede ferroviária, produzia armamentos pesados e locomotivas nas fábricas Putilov. Era o celeiro de trigo da Europa e grande produtora de petróleo. Para se ter uma ideia, a International Harvester, a histórica empresa americana que inventou a colheitadeira de trigo, tinha dois terços de suas fábricas na Rússia, seu maior mercado.
Em 1914, segundo Alan Moorehead, historiador inglês, secretarias bem vestidas saiam dos escritórios de bancos estrangeiros em São Petersburgo para almoçar e fumar nos bulevares da elegante cidade imperial, a bela cidade considerada a Paris do Leste, com seus sofisticados museus, palácios, teatros, o melhor ballet do mundo, orquestras sinfônicas, vastos bulevares. A Rússia europeia estava longe de ser um país primitivo.
Nesse ambiente reinava um Czar herdeiro de um trono respeitado, primo-irmão do Rei Jorge V da Inglaterra e do Kaiser Guilherme II da Alemanha – os três netos da mesma avó, a Rainha Vitória, a grande soberana do Império Britânico, a imperatriz era uma princesa alemã, da casa de Hesse.
Nesse ambiente, havia um problema: a sucessão do trono. O Czarevich, único filho homem de Nicolau II e herdeiro do trono, sofria de uma doença incurável, a hemofilia (distúrbio que impede a coagulação do sangue, quando a pessoa sofre um ferimento o sangue não para de jorrar). Nesse quadro entra Rasputin. O monge tinha o poder da cura e conseguia fazer o Czarevich parecer saudável, ao seu lado o sangue do menino coagulava, coisa que nenhum médico ou remédio conseguia.
Essa capacidade, cujo mistério na década seguinte foi descoberto, tornou monge um homem poderoso porque o casal reinante, especialmente a Imperatriz Alexandra, pensando na sobrevivência do filho, considerava Rasputin um santo.
O monge aproveitou o poder para interferir nos negócios do Governo e da Corte. Ele nomeava Ministros (o mais célebre foi o corrupto Ministro da Guerra Vladimir Sukhomlinov). Todos procuravam Rasputin para conseguir favores do Czar, sendo o monge suscetível a presentes caros, a lisonja, a favores femininos – um homem aproveitador de seus poderes, nada santo.
A QUEDA DA MONARQUIA
A história da Grande Guerra e da queda da Casa dos Romanov é longa, não cabe neste espaço esse complicado relato. Vamos nos restringir a Rasputin.
Com a guerra, a influência maléfica de Rasputin aumentou e desmoralizou a Monarquia Romanov. Era evidente para todos o absurdo de um monge analfabeto interferir em negócios do Estado.
MAS é preciso muito cuidado para separar a lenda da realidade. Os fatores militares e políticos em torno do conflito eram muito maiores do que a influência de Rasputin e não foi por causa dele que a Monarquia ruiu. Ele foi, todavia, um fator acelerador e adicional para a ruína da Família Imperial pela desmoralização que trouxe ao Chefe de Estado, guiado por um ogre corrupto e repulsivo.
Rasputin foi assassinado em 1916 pelo Príncipe Felix Yusupov, de uma das famílias mais ricas da Rússia, em um complô de aristocratas que pretendiam livrar a Rússia desse personagem maligno.
O assassinato e morte de Rasputin acrescentaram mais força à lenda porque o monge foi convidado a uma festa no Palácio Yusupov em São Petersburgo, foi envenenado com um dose que poderia matar um cavalo, mas não morreu. Depois foi alvo de tiros de pistola e ainda assim não morreu. Foi amarrado pelos pés e mãos e jogado no rio em frente ao Palácio, finalmente perecendo afogado.
Após a queda do Império o príncipe Yussupov se exilou em Paris onde a família tinha um palácio, sobreviveu ele e a esposa, a princesa Irina por longo tempo. O príncipe morreu em 1967 e a princesa em 1970.
A vida de Yusupov também merece um boa biografia, um personagem do Século XX.
https://www.airfrance.com.br/BR/pt/common/travel-guide/palacio-yusupov-residencia-suntuosa-de-uma-familia-principesca.htm
COMO RASPUTIN PARAVA A HEMORRAGIA DO CZAREVICH
Sem instrução, obviamente Rasputin era um intuitivo. Viu que quando o menino sofria hemorragia o ambiente em torno dele ficava caótico: muitos médicos, a mãe gritando e chorando, tudo fazendo aumentar tensão no quarto.
Rasputin tirava todos do quarto do Czarevich, ficava só ele e o menino, então o monge entoava canções para crianças, típicas do interior da Rússia, contava histórias bonitas e com isso reduzir a tensão de Czarevich, o acalmava, e era essa calma que fazia estancar a hemorragia. Rasputin percebia que com a calmaria produzia não acontecia cura, mas uma diminuição da hemorragia.
JOSÉ LÓPEZ REGA
Um personagem muito menor e mais recente, também chamado de bruxo (El Brujo na mídia argentina), José Lopez Rega foi uma das principais causas do golpe militar que derrubou a então Presidente Isabelita Perón, em 1976, e levou à ascensão do chamado Proceso de Reorganización Nacional, ou seja, o regime dos generais argentinos que durou até a Guerra das Malvinas, em 1983.
López Rega era um astrólogo que tinha grande influência sobre a Presidente Isabelita Perón, que chegou ao cargo máximo porque era Vice Presidente de seu marido Juan Domingo Perón e com a morte deste assumiu a Presidência.
López Rega tinha poder quase absoluto sobre Izabelita e nomeou a maioria dos Ministros. Já ao tempo de Perón vivo criou a Triple A, a Aliança Anticomunista Argentina, um grupo de ultra direita que caçava comunistas.
No Governo de Isabelita foi ele quem indicou o Ministro das Finanças Celestino Rodrigo, que tinha uma linha ultra neoliberal e implantou uma política desastrosa que preparou o caminho para o golpe militar que derrubou Isabelita, uma governante despreparada e desastrosa em todos os sentidos.
López rega passou a ser contestado por todas as forças políticas argentinas, quando Isabelita caiu ele fugiu para a Espanha e depois de várias etapas de fuga acabou sendo preso em Miami e levado à Argentina onde foi condenado à prisão perpétua, morreu na prisão em 1989, aos 73 anos.
PAPEL DOS BRUXOS
Com a distância de tantas décadas, Rasputin e López Rega eram a seu tempo chamados de “Bruxos”. É evidente que em ambos os contextos históricos havia uma semelhança de pano de fundo, países em crise, governantes fracos e suscetíveis a esse tipo de influência que parece vir do além, regimes fluídos e sem rumos claros. O “bruxo” só aparece em determinados cenários e circunstâncias onde encontra ambiente para sua influência.
Se os contextos são diferentes, os resultados parecem previsíveis, são anomalias políticas que não acabam bem, porque aquilo que o governante não percebe como anomalia, por estar sob influência do “bruxo”, todos os demais percebem e a conjugação de forças dos que veem o desastre acaba triunfando.
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Mais um excelente artigo de André Araújo. E oportuno, visto que permite a este Blog sair um pouco desse grave e monocórdio momento nacional. Fora da ética e da Constituição não há salvação, está demonstrado, inapelavelmente demostrado. O resto é retórica!
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Mais um excelente artigo de André Araújo. E oportuno, visto que permite a este Blog sair um pouco desse grave e monocórdio momento nacional. Fora da ética e da Constituição não há salvação, está demonstrado, inapelavelmente demostrado. O resto é retórica!
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