Infelizmente, são muitos brasileiros, e muitos brasileiros espíritas (e cito-os, porque essa coluna justamente nasce por conta de espíritas progressistas que estão do outro lado dessa história), que elegeram o dito juiz em herói nacional, em defensor ilibado da justiça e de uma devassa anticorrupção.
Jornalistas, juristas, intelectuais brasileiros e internacionais já apontavam todas as irregularidades, abusos e faltas de prova no julgamento de Lula, mas agora, com essas publicações, ficamos mais próximos de evidenciar que tudo não passou de uma fraude e de uma conspiração política, para colocar a extrema direita no poder e para cumprirmos a agenda neoliberal de devastação de nossos direitos.
Vale, entretanto, uma reflexão: por que as pessoas se iludem com uma personalidade dessas, um juiz, que claramente agiu com intenções políticas, o que ficou já comprovado pelo fato de ter aceito o cargo de ministro como uma recompensa por seu trabalho conspiratório e agora já estava de olho no Supremo?
Essa análise me interessa sobretudo como educadora. Conversando com pessoas de todas as classes sociais que admiram o tal juiz, que apoiaram o impeachment e elegeram o dito cujo que está hoje no governo do Brasil, observam-se duas coisas que se alimentam mutuamente: um total analfabetismo político e uma completa sujeição à manipulação da grande mídia (leia-se principalmente a Globo). A manipulação midiática, inventada no século XX pelos nazistas, mas depois aplicada em todos os quadrantes do planeta, é aquela que faz apelo aos instintos mais primitivos do ser humano: o medo, o ódio, a desconfiança pelo diferente, o sentimento de pertencimento ao clã… e o próprio instinto de sobrevivência. Então, se elege um bode expiatório, que pode ser um povo como o judeu, um político, como o Lula; um partido, como o PT; partidários de uma ideia, como comunistas… e se manipulam todos os piores sentimentos contra tais representantes, como se fossem os responsáveis por todos os males do mundo. O povo que engole tais estímulos, infantiliza-se psiquicamente, passa a espumar ódio, apedrejar o lado oposto e pouco a pouco acha natural qualquer barbárie contra os alvos dessa manobra. Técnica muito conhecida por quem entende de psicologia das massas.
Isso não quer dizer que os políticos, partidos, povos, pessoas alvejadas por tais manobras sejam santos impolutos. São seres humanos, como qualquer um do outro lado da trincheira, com defeitos e virtudes. Mas nenhum ser humano, por mais criminoso que pudesse ser – e tais alvos desse tipo de manobra, jamais o são – merece ser depositário de um ódio tão devastador, que destrói a possibilidade de qualquer justiça, de qualquer sentimento humanitário.
A isso, alia-se o que chamei de analfabetismo político – um termo cunhado e usado pelo dramaturgo alemão (comunista, sim!!) Bertold Brecht. A maioria dos brasileiros de fato não tem noção do que é e de como deve funcionar a democracia. Com todas as críticas que possamos ter a esse sistema – e como anarquista, tenho inúmeras – como ela se constitui, como ela se mantém e como as instituições devem funcionar é o mínimo que um cidadão deveria saber, para se orientar no labirinto da vida social e política do país em que vive.
Então, por exemplo, a importância da independência dos três poderes, para que serve cada um deles, quais os seus limites. A necessidade da imparcialidade da Justiça, de como a acusação, a defesa e o juiz devem agir absolutamente independentes e jamais em promiscuidade… (como é o caso que se delineia nessa troca de estratégias entre Moro e Dallagnol). Deveriam também saber, só para citar outro exemplo, que um presidente andar com seus filhos em viagens afora, condecorando-os, nada tem de uma democracia, e mais se parece com uma monarquia de paizeco bizarro.
Mas a maioria das pessoas não têm a mínima noção de nada disso.
E há uma minoria que sabe porque pertence à elite, mas esses fazem cara de paisagem porque só o que lhes interessa são suas vantagens pessoais e qualquer tipo de governo ou desgoverno lhes é indiferente, desde que não percam seus privilégios e tenham a oportunidade de, aliás, aumentá-los sempre.
Se as crianças aprendessem a constituição na escola, se pudessem exercitar a democracia em assembleias escolares, se estudassem a política como uma matéria teórica e prática, teríamos mais chance de sermos um povo menos manipulável pelo ódio e mais atento aos direitos de todos os cidadãos, que não pagaria o mico de idolatrar um sujeito como o juiz de Curitiba.
O mico dos espíritas conservadores é ainda maior, porque quando se invocam supostas revelações espirituais, para justificar posições políticas reacionárias (aliás, segundo Kardec, política é coisa dos seres humanos e espíritos não devem se meter), a coisa cai no ridículo.
No ano passado, houve uma grande liderança espírita – que os progressistas não aceitam como liderança – que se referiu ao dito juiz como “venerando”. Outros fizeram circular uma fraudulenta notícia de que Moro seria reencarnação de Emmanuel, o guia espiritual de Chico Xavier. Emmanuel, como todos os espíritas sabem, é o jesuíta português Manuel da Nóbrega, fundador da cidade de São Paulo, junto com Anchieta. Tenho lá minhas críticas a esse espírito, como jesuíta que foi, na época da contrarreforma, enviado por Inácio de Loyola. Entretanto, mesmo 500 anos atrás, ele já era uma personalidade mais íntegra que esse juiz de hoje, agora mostrado publicamente pelo Intercept, em toda a sua ação conspiratória, em que os fins justificam os meios.
Espíritas que propagam tais ideias envergonham os espíritas críticos, lúcidos e que não usam a teoria da reencarnação para promover o culto a personalidades duvidosas. Como nos envergonham também os brasileiros que antes e ainda agora insistem em defender o indefensável e apegam-se ao seu ídolo de barro."
(De Dora Incontri, post intitulado "E os que cultuaram o juiz de Curitiba?", publicado Aqui.
Dora Incontri é jornalista, educadora e escritora. Informações adicionais aqui.
E os que cultuaram... cultuaram?! Houve equívoco de sua parte, senhora. Continuam cultuando...).
E os que cultuaram... cultuaram?! Houve equívoco de sua parte, senhora. Continuam cultuando...).
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