A lei e a palavra
Por Jânio de Freitas
A velha Operação Abafa já está reativada, como passo inicial para proteger Sergio Moro e Deltan Dallagnol de consequências legais pela trama contra réus da Lava Jato. De sua parte, o governo mergulha no compra-e-vende da corrupção política. O desemprego cresceu mais, o tal PIB desfalece. A Presidência deslanchou o esbanjamento de dinheiro público com publicidade de Bolsonaro. O cinismo se impõe, portanto, para que tudo fique menos confuso. E mais repulsivo.
Discreto como convém, o Conselho Nacional do Ministério Público arquivou a representação pelo necessário exame da conduta do procurador Dallagnol revelada pelo site The Intercept Brasil. Na argumentação engavetadora, o corregedor Orlando Rochadel Moreira sustenta que a veracidade das gravações não pode ser comprovada, e Moro e Dallagnol “não reconhecem os diálogos utilizados”.
Só se feitas e (resultarem) infrutíferas as tentativas de verificar a autenticidade caberia dizê-la impossível. O apressado arquivamento é contra a tentativa devida. Há outra via, porém. Cinco dias depois da primeira exposição de combinações entre juiz e procurador, Moro ainda dizia sobre sua indicação, a Dallagnol, de mais acusadores de Lula: “Eu recebi aquela informação e aí foi até um descuido meu, apenas passei pelo aplicativo”. É o reconhecimento inequívoco, e a um só tempo, da autenticidade da gravação, das frases registradas e, ainda, da participação ilegal do juiz nas investigações contra um réu.
Desde sua primeira entrevista sobre as gravações, no dia seguinte à divulgação pelo Intercept, Moro as autentica: “Quanto ao conteúdo, eu não vi nada de mais”. Nenhum reparo, nenhuma suspeita. Era aquilo mesmo: “nada de mais”, nem no que disse nem no material jornalístico.
A “normalidade” da participação e do “conteúdo” se sustentaria em dois artigos da Lei de Ação Civil. Citados por Moro, autorizam o juiz a “comunicar ao Ministério Público” o “conhecimento de fatos que podem constituir crime ou improbidade administrativa”. Pois sim.
Foi mais uma saída de má-fé a juntar-se ao histórico de Moro nesse gênero. Ele omite que essa comunicação, por exigência da mesma lei, seja feita formalmente nos autos. Assim o juiz agirá às claras, para conhecimento da acusação e da defesa, preservada a imparcialidade judicial. A prática de Moro, ao contrário, é a do subterfúgio, da conspiração, da perseguição sub-reptícia ao réu.
Ao desconsiderar essas evidências, além de muitas outras da trama de juiz e procurador, o corregedor Rochadel também não saiu da normalidade. O lugar dado a Moro e à Lava Jato é acima da lei, dos tribunais, dos conselhos, da ética, de nós outros. Continuaram lá. / ... (...). - (Fonte: Folha de S.Paulo, edição desta data; texto reproduzido pelo site Conversa Afiada).
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Notas deste Blog:
(a) A Coluna Painel (Folha, edição desta data) dá conta de que "Integrantes do CNMP devem recorrer de decisão que arquivou investigação contra Dallagnol";
(b) O que este Blog observou em 28.06.19 sobre o arquivamento do pedido de investigação contra o procurador Deltan Dallagnol:
"...Desde logo, porém, é lícito concluir que foi precipitadíssima, para dizer o mínimo, a decisão do Corregedor Nacional do Ministério Público, Orlando Rochanel Moreira, no sentido de mandar arquivar representação que pedia a abertura de uma sindicância contra o procurador Deltan Dallagnol e outros integrantes da força-tarefa da Lava Jato - 'CNMP arquiva representação contra procuradores da Lava Jato por mensagens', notícia de 27.06.19, Conjur, Aqui -, por ao menos duas razões:
[a] o texto acima publicado;
[b] o fato de que, segundo o próprio The Intercept Brasil, grande parte do acervo disponível - incluindo áudios e vídeos, além de textos - ainda se encontra inédita.
De qualquer modo, aguardemos o desenrolar dos acontecimentos". - ("Sobre as 'testemunhas' supostamente indicadas por Moro a Dallagnol" - Aqui).
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