sexta-feira, 28 de junho de 2019

SOBRE AS 'TESTEMUNHAS' SUPOSTAMENTE INDICADAS POR MORO A DALLAGNOL


"Das muitas mensagens trocadas entre o então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dalla­gnol, o chefe da força-tarefa da Lava-Jato, a mais comprometedora até o momento é a que mostra Moro passando ao procurador a dica de duas testemunhas que teriam informações relevantes sobre negócios envolvendo a família do ex-presidente Lula. Para a maioria dos especialistas, essa parceria investigativa teria beneficiado uma das partes envolvidas no processo — no caso, os acusadores, o que seria ilegal. Seguindo a orientação do juiz, Dalla­gnol procurou as pessoas citadas, mas elas teriam se recusado a colaborar. Em resposta a Moro, o procurador chegou a sugerir que se forjasse uma denúncia anônima para justificar a expedição de uma intimação que obrigasse as testemunhas a depor no Ministério Público.

O diálogo entre Moro e Dalla­gnol foi publicado pelo site The Intercept Brasil há três semanas, mas o nome das testemunhas não havia sido divulgado. VEJA localizou os dois personagens ocultos da história. O primeiro deles é o técnico em contabilidade Nilton Aparecido Alves, de 57 anos. Na mensagem, o então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba relata ao procurador ter recebido a informação de que uma pessoa fora instada “a lavrar escrituras de transferências de propriedade de um dos filhos do ex-­presidente”. “Seriam dezenas de imóveis”, segundo Moro. Durante o governo do petista, pipocaram na internet inúmeros boatos sobre supostos negócios imobiliários envolvendo o clã presidencial. Pela primeira vez, havia uma testemunha com nome, sobrenome e telefone. Vinte e quatro minutos depois da mensagem, Dalla­gnol escreve que tentou fazer contato com o técnico em contabilidade, mas a testemunha “arriou”, “disse que não tem nada a falar” e, “quando dei uma pressionada”, relata o procurador, “desligou na minha cara”.

Nilton Aparecido tem um escritório no centro de Campo Grande (MS). Ele é conhecido no estado por fazer negócios, nem sempre lícitos, relacionados a terras. Em agosto do ano passado, agentes do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) em Mato Grosso do Sul fizeram uma operação de busca e apreensão na casa de Nilton e recolheram escrituras, agendas, extratos bancários e pen drives. Mas essa investigação não tem relação com a da Procuradoria da República no Paraná. O técnico em contabilidade é acusado de corrupção por negociar pagamento de propina com uma organização criminosa especializada em fraudar impostos que desfalcou o Estado em 44 milhões de reais entre 2015 e 2018. Abordado pela reportagem de VEJA na tarde de quarta-feira, Nilton foi evasivo. “Não sei por que meu nome está nessa história. Alguém deve ter falado alguma coisa errada”, disse. Indagado sobre se teria informações referentes aos filhos de Lula e se havia prestado depoimento aos procuradores da Lava-Jato com relação ao tema, ele encerrou a conversa dizendo que não iria declarar mais nada.

Na mensagem publicada pelo The Intercept Brasil, logo depois de tentar, sem sucesso, falar com Nilton, Deltan Dalla­­gnol diz a Sergio Moro que estava pensando em intimar o técnico em contabilidade, se necessário, “até com base em notícia apócrifa”. Moro concorda em formalizar a intimação, mas não fica claro se ele avalizou a ideia de forjar a origem da denúncia. O juiz sugere a Dalla­­gnol que procure o homem que ouviu a história do técnico em contabilidade, e, de novo, passa as coordenadas — o segundo personagem oculto da história, também localizado por VEJA. Trata-se do empresário Mário César Neves, dono de um posto de gasolina também em Campo Grande. Ele confirmou que, na época, em dezembro de 2015, um representante do Ministério Público Federal entrara em contato para pedir-lhe informações sobre o técnico em contabilidade Nilton Aparecido. “O pessoal do Ministério Público me ligou, não sei mais o nome da pessoa, mas ela queria saber quem era o Nilton, que serviços ele prestava e como poderia encontrá-­lo”, contou o empresário. Questionado sobre se ouvira do técnico em contabilidade algo referente a negócios do filho do ex-presidente, o empresário também arriou. Disse que desconhecia o assunto. Ele, porém, confirma que repassou ao Ministério Público o endereço e o telefone de Nilton. “Eu soube que o Nilton foi chamado para prestar depoimento logo depois dessa ligação para mim”, diz Mário. O empresário acrescenta que soube disso por meio de funcionários do escritório de Nilton, que trabalha para ele há mais de quinze anos. 

Se for verdade, a situação de Moro complica-se ainda mais do ponto de vista jurídico. A comprovação de que o Ministério Público, de fato, não apenas ouvia, mas seguia suas orientações, reforça a tese de que, quando magistrado, Moro abandonou a posição de imparcialidade para instruir um dos lados da ação, algo considerado ilegal pelo Código de Processo Penal. (...)".




(Da revista Veja, edição que acaba de chegar às bancas, matéria intitulada "As 'testemunhas' que puseram em xeque a imparcialidade de Sérgio Moro", reproduzida pelo site Conversa Afiada - Aqui.

Observa-se que a nova parceira do The Intercept Brasil entra em campo de forma contundente, dedicando-se a esmiuçar assunto que já havia sido contemplado na primeira revelação bombástica apresentada por Greenwald. Forma contundente e, frise-se, que reclama a adoção das medidas cabíveis por parte das autoridades envolvidas.

Desde logo, porém, é lícito concluir que foi precipitadíssima, para dizer o mínimo, a decisão do Corregedor Nacional do Ministério Público, Orlando Rochanel Moreira, no sentido de mandar arquivar representação que pedia a abertura de uma sindicância contra o procurador Deltan Dallagnol e outros integrantes da força-tarefa da Lava Jato - "CNMP arquiva representação contra procuradores da Lava Jato por mensagens", notícia de 27.06.19, Conjur, Aqui -, por ao menos duas razões:

[a] o texto acima publicado;

[b] o fato de que, segundo o próprio The Intercept Brasil, grande parte do acervo disponível - incluindo áudios e vídeos, além de textos - ainda se encontra inédita.

De qualquer modo, aguardemos o desenrolar dos acontecimentos).

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