Relativamente a temas cruciais, é importante saber, notadamente quando se estiver a cuidar de escândalos, como tudo começou, reconstituir certos episódios marcantes, esmiuçar o papel de autoridades e pessoas diversas na origem e desenvolvimento do processo, proceder à 'leitura' de perfis de protagonistas, de autoria de admiradores devotados, e à revisita a fatos antigos para a detecção de detalhes que até então haviam passado despercebidos e que agora se revelam em toda a sua inteireza, etc., etc. Enfim, é importante inserir-se no contexto. Razão por que, antes de ler o interessante artigo abaixo, seria recomendável conferir vídeo do Diário do Centro do Mundo em que Joaquim de Carvalho e Kiko Nogueira discutem desdobramentos do Dossiê Intercept: "O 'hacker' da Lava Jato pode ser a maior fake news da história da Globo" - AQUI.
(Nota: Convindo sugerir a leitura dos comentários oferecidos por leitores diversos).
(Nota: Convindo sugerir a leitura dos comentários oferecidos por leitores diversos).
Esperando Gleen Greenwald: um réquiem para o jornalismo brasileiro
Por Wilson Ferreira (No Cinegnose)
O terremoto provocado pelo vazamento de conversas comprometedoras entre o então juiz Sérgio Moro e autoridades da Lava Jato e Polícia Federal está cercado de ironias. O site “Intercept Brasil”, do premiado jornalista Glenn Greenwald, revelou relações promíscuas de Moro ironicamente dias depois do caso do jornalista esportivo Mauro Naves no caso Neymar, outro caso de relações perigosas. Mas Greenwald não revelou apenas a parcialidade da Justiça. Expôs internacionalmente o provincianismo e paralisia do jornalismo brasileiro – foi necessário um “gringo” para abalar a paz de cemitério mantida por jornalistas sabujos com rédeas e antolhos mantidos pelas “famiglias” de proprietários midiáticos. Agora, Greenwald tornou-se o “Senhor do Tempo”, com os prometidos vazamentos em conta-gotas, trazendo pânico para empresários, políticos e, porque não, para os promíscuos jornalistas que se lambuzaram por anos com os vazamentos das fontes na Justiça e Polícia Federal.
Num modorrento final de domingo (como de costume), depois de uma entediante goleada do Brasil sobre o time de Honduras num amistoso, eis que a paz de cemitério brasileira é interrompida por um terremoto: o site Intercept Brasilcolocou no ar as primeiras reportagens com base em enorme quantidade de arquivos provenientes de uma fonte anônima – uma série de dados vazados do Telegram apresentando conversas comprometedoras do então juiz Sérgio Moro com as autoridades da força tarefa da Lava Jato.
Comprometedoras, porque os chats revelam colaboração proibida de Moro com Deltan Dallagnol. Conversas privadas inéditas que revelam que o juiz fez muito mais do que julgar casos da Lava Jato – sugeriu que trocassem as fases da Lava Jato, cobrou agilidade nas operações, deu conselhos estratégicos, pistas informais de investigação, antecipou uma decisão sua aos procuradores, além de dar broncas como fosse um superior hierárquico dos procuradores e da Polícia Federal.
Segundo o premiado jornalista Glenn Greenwald, um dos fundadores do Intercept Brasil, o que foi publicado é apenas uma ínfima parte de um conjunto de arquivos (chats, áudio, vídeos etc.) ainda mais extenso do que o do caso Snowden. E certamente a sua declaração, de que a família Marinho é “sócia, agente e aliada de Moro e Lava Jato”, deve ter conhecimento de causa, tendo em vista a dimensão do que ainda vai ser revelado.
O jornalista Glenn Greenwald e o ministro Sérgio Moro |
Crime cibernético?
E a Globo sentiu o golpe. Primeiro, no domingo, jogou a notícia do vazamento para o final do programa Fantástico, dando todo destaque ao escândalo Neymar.
E, no dia seguinte, elevou ao noticiário de rede nacional o caso do assassinato do ator Rafael Miguel e seus pais em São Paulo e o acidente de um ônibus de turismo na serra da Mantiqueira. Ocuparam em primeiro lugar nas escaladas dos telejornais, jogando o vazamento do Intercept para o final como apenas um caso de crime cibernético contra juiz e procuradores.
Foi, no mínimo, curioso e constrangedor ver o analista de política Gerson Camarotti na Globo News tecendo comentários sobre o assassinato do ator pelo pai possessivo da namorada...
Em todo esse terremoto político há diversas ironias. Primeiro, acontecer dias depois da suspensão do repórter esportivo Mauro Naves por promiscuidade com a fonte no caso Neymar. A carta aberta dos ex-advogados da modelo que denunciou agressão e estupro do jogador, revelou involuntariamente um modus operandi que não é um caso isolado – faz parte da promiscuidade estrutural do próprio jornalismo da emissora – clique aqui.
Segundo, de imediato a Globo reagiu com a narrativa do “crime informático” (em comunicado oficial do Telegram, a empresa ressalta que “não há nenhuma evidência de invasão hacker na ferramenta, clique aqui), acusando a maneira “ilegal” do vazamento. Como se a Globo, e o próprio então juiz Sérgio Moro, não tivessem usado e abusado dos mesmos dispositivos, seja no grampo das conversas entre Lula e a presidenta Dilma ou nos vazamentos ilegais diários das operações da Lava Jato no telejornalismo global. Ora, se o conteúdo é comprometedor, pouco importa a forma. Afinal, diziam, o País vivia um “momento excepcional”...
Sabujos empedernidos
Mas a terceira ironia é a mais série e preocupante, dessa vez para o próprio jornalismo brasileiro: toda a crise política começou, há mais de uma década, pela ação do Departamento de Estado dos EUA ao treinar quadros de juízes e procuradores brasileiros no combate à lavagem de dinheiro que, supostamente, alimentaria o terrorismo. Álibi para iniciar uma guerra híbrida que criou, entre outras coisas, manifestações de rua igualmente híbridas. Chegando ao ápice no impeachment de 2016.
E, agora, foi necessária outra “ação gringa” para iniciar algum movimento de transformação política em um cenário de verdadeira paz de cemitério – um jornalista norte-americano (premiado com o Prêmio Pulitzer pela reportagem sobre o programa de espionagem da NSA dos Estados Unidos em território brasileiro, em parceria com Edward Snowden) revela com provas toda estratégia para levar à prisão o líder das últimas eleições e mantê-lo em silêncio, deixando livre o caminho para Bolsonaro.
Greenwald revelou muito mais do que vazamentos que desmontam a farsa da suposta imparcialidade da Justiça. Revelou o provincianismo e imobilismo da imprensa brasileira, mantida sobre rédeas e antolhos colocados pelas tradicionais famílias de proprietários dos meios de comunicação como os Marinho, Civita ou Mesquita.
Jornalistas empedernidos (sabujos que se levam mais à sério do que seus próprios patrões) que, na forma, copiam todos os modismos, tendências e cacoetes da imprensa norte-americana (promovendo congressos de jornalismo investigativo, agências de “fact-checking”, teorizações sobre fake news, transparência etc.), mas sem nenhum conteúdo – presos aos seus terminais de computadores, celulares e redes sociais nada mais são do que “jornalistas sentados” nas redações transformadas em baias, sem mais faro para sair a campo e assumir riscos.
Jornalistas que confundem checagem com investigação.
Todos esses jornalistas investigativos não desconfiaram de nada? |
Senhor do Tempo
Nesse tipo de jornalismo “hipster”, “furos” ou “investigação” se tornam grifes de uma espécie de autoparódia na qual simulam “informar”, quando na verdade se tornam porta-vozes, relações públicas ou simplesmente correia de transmissão das supostas “fontes” – nos últimos anos, polícia federal, procuradores e juízes.
É sintomático que em um dos últimos Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, promovido pela Associação de Jornalismo Investigativo - sic (sempre com apoio patronal da Globo, Folha, Itaú, Nexo etc.), a principal atração tenha sido o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot – clique aqui.
O fato é que Glenn Greenwald tornou-se o Senhor do Tempo: promete liberar tudo o que tem em conta-gotas, espalhando o pânico entre políticos, empresários e, por que não, jornalistas.
Principalmente globais, dada a promiscuidade estrutural com que os sabujos colunistas, analistas e apresentadores fizeram por anos a tabelinha com a Lava Jato, procuradores, juízes e Polícia Federal – a cada condução coercitiva com policiais nas suas toucas ninjas e armas negras brilhantes, lá chegava antes a Globo, para ficar pronta, com um link ao vivo.
É claro que Greenwald encontrou o seu “Garganta Profunda” (como ficou conhecida a fonte dos jornalistas do Washington Post que, em 1974, vazou informações que levariam ao impeachment do presidente Nixon) e, como aquele do passado, sempre tem algum interesse para vazar qualquer informação potencialmente explosiva.
E motivos não faltam: a Lava Jato se tornou uma ameaça ao próprio STF, ainda mais com Moro como Ministro da Justiça e chefe da Polícia Federal – ameaça que se consolidou com o vazamento das informações da Receita Federal contra Gilmar Mendes e Dia Toffoli. Informações vazadas à imprensa por um fiscal ligado à Lava Jato.
Mas há uma diferença em relação à provinciana e paralisada imprensa brasileira: Greenwald aceita os riscos de ir contra o movimento de uma manada poderosa e perigosa.
E, como ensinou o mestre Nelson Rodrigues, “toda unanimidade é burra. Quem pensa com unanimidade não precisa pensar”.
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