Reproduzo trechos do meu artigo, A Tirania Togada, no livro Comentários A Uma Sentença Anunciada – O Processo Lula, publicado em julho de 2017.
Carrego marcas do combate à ditadura de 64, resistir ao terror dos milicos foi uma tarefa árdua. Perseguições políticas, sequestros, torturas, desaparecimentos e mortes foram produtos daquele regime. Agora me vejo no combate às arbitrariedades do golpe de 2016. Grampos telefônicos e conduções coercitivas ilegais, espionagens, extorsões, prisões como meio de tortura, delações e condenações ao arrepio da lei, são frutos de um Estado policial que se caracteriza por um regime de exceção, no qual os aparelhos estatais controlam a sociedade, enquanto no Estado democrático a sociedade controla o Estado.
Como em todo regime de exceção, o direito é sempre a primeira vítima, ao subverter o direito, desmorona a democracia.
Como na Inquisição, na qual as bárbaras torturas terminavam na fogueira, que ardia lentamente o corpo do condenado, a fogueira da Lava Jato arde e dilacera a dignidade do acusado. Com método intermitente, mas constante, de humilhação, constrangimento físico e psicológico, assumindo sadicamente o risco de causar enfermidade e até a morte, como a da esposa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, D. Marisa Letícia.
Como um ilusionista obrigado a apresentar constantes surpresas para manter os olhos da plateia fixos nele, o juiz-inquisidor, Sérgio Moro, e seus
asseclas realizam todo dia um novo golpe ao direito e à democracia, atingindo os trabalhadores e a pátria.
A sentença de condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva proferida pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, é uma peça que ficará marcada na história pelo antiexemplo da técnica jurídica. No futuro poderá ensejar peças teatrais de comédia, drama e terror. Assim, como no curso do processo, o juiz se portou como um inquisidor capcioso, o desfecho é eivado de arbitrariedades, justificadas apenas pela vontade de brilhar à luz dos holofotes, como o caçador expondo a sua caça à espera do troféu…
Na análise do objeto da ação penal o juiz revelou a sua parcialidade. Não há provas de que o acusado teria ou já teve a posse ou a propriedade do “triplex” que lhe é atribuído pelo Ministério Público Federal e acolhido pelo juiz. Ele chega ao ponto de criar conceitos extremamente exógenos à doutrina e à lei, como o da “titularidade formal”, contrariando os conceitos legais de propriedade e posse. Se tais invencionices prosperarem, o que será do estudante de hoje e de amanhã que está aprendendo os conceitos corretos? As provas e os fatos darão lugar às suposições e às ilações?
A peça sentencial considera delações como prova, e não como meros indicativos e caminhos para prospectar provas. Além dessa gravíssima metamorfose há que se considerar a questão da delação. A delação premiada é a troca da traição por um prêmio; não é um arrependimento, não é uma colaboração, mas uma permuta, um escambo, um mercantilismo moral. Arrependidos sem arrependimentos, colaboradores sem colaboração.
Culturalmente a delação é um contravalor. Não deve ser cultivada. Não é exemplo para a educação das novas gerações. Não queremos crianças dedurando coleguinhas, adolescentes entregando seus parceiros, jovens profissionais apontando companheiros, porque ninguém quer uma sociedade de delatores.
O juiz-inquisidor, bem como o Ministério Público Federal, não conseguem, e não conseguem porque não existem, mostrar e comprovar os produtos dos supostos crimes imputados ao ex-presidente Lula.
Há indícios de que o Juiz Moro está a serviço dos interesses dos EUA, mas, quando for julgado, em qualquer momento da história, terá que haver provas. Os cursos, treinamentos e constantes idas àquele país, assim como suas correspondências com agentes norte-americanos, são indicativos suficientes na política para acusação de estar cooptado e em mister dos objetivos geopolíticos daquele país, contudo, do ponto de vista do direito, não é suficiente para condená-lo, a não ser que aplicados os mesmos critérios e parâmetros inventados pelo juiz Sérgio Moro e os procuradores, aliados nessa cruzada de desmonte do Estado de direito.
Por fim, o juiz Sérgio Moro, após a descabida sentença de condenação, profere nova decisão, provocada pelo Ministério Público Federal em outubro de 2016 e que tramitava em segredo de justiça, bloqueando as contas e confiscando os bens do ex-presidente Lula, compondo a teia da perseguição paranoica ….
Na ditadura de 64 a Justiça Militar era menos despudorada do que vem sendo o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, criador de um modelo de Juízo de exceção.
Tudo invertido: as razões do impeachment que não o justificavam, as articulações com Supremo e tudo em conluio golpista à Constituição e as leis; um governo que se diz patriótico e está a serviço de interesses alienígenas; as Forças Armadas antipatrióticas e submissas as de outro país (EUA); o STF acovardado na defesa da Constituição; uma força tarefa – Lava Jato – promíscua e corrupta, enquanto seu auto marketing, publicitado pela mídia do poder dominante, colocava seus membros como paladinos do combate à corrupção.
O presidente, em evento recente na FIESP, 11 de julho, assume que o governo tem que estar a serviço dos empresários, que são eles que devem dar o rumo, o norte, o destino da nação, e que cabe ao governo não atrapalhar, não impor regras, e que o governo sem empresários sucumbirá. Essa confissão, muito aplaudida pelos presentes no evento, é a mais descarada afirmação de um governo a serviço de uma classe, a dos capitalistas.
O capitalismo se move na busca incessante do lucro, que, por sua vez, se alimenta da mais valia, a parte não paga ao trabalhador.
Ao Estado democrático de direito, consoante à Constituição, cabe a mediação entre capital e trabalho, através do governo, eleito não por empresários (quantidade ínfima da população) mas pela maioria eleitoral do povo, majoritariamente de trabalhadores.
Estando o governo a serviço dos capitalistas, como atenderá as demandas de bem-estar da classe trabalhadora? Certamente, no que depender desse governo, não atenderá.
As revelações do The Intercept não traz novidade para nós, mas com fartura de detalhes comprova o que denunciamos há dois anos.
Um criminoso de alta periculosidade ao Estado democrático de direito e a soberania do país está solto, e um inocente de elevada estatura democrática e patriótica preso.
Não desejamos a guilhotina para Moro e seus capachos, desejamos a aplicação do devido processo legal. Cuja aplicação e resultado venha a servir de exemplo às novas gerações de brasileiros.
A inversão de valores, promovida ideologicamente por uma camarilha, não pode prosperar, não deve ir mais longe no desmonte da democracia e na sucumbência da soberania do Brasil.
É dever de todo brasileiro lutar para colocar o Brasil de pé com a dignidade de um país soberano."
(De Francisco Celso Calmon, crônica intitulada "Um país de pernas pro ar", publicado no GGN.
Francisco Calmon é advogado, administrador, Coordenador do Fórum Memória, Verdade e Justiça do ES; autor do livro Combates pela Democracia (2012) e autor de artigos nos livros A Resistência ao Golpe de 2016 (2016) e Comentários a uma Sentença Anunciada: O Processo Lula [2017]).
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