Xadrez do eixo Bolsonaro-Lava Jato
Por Luis Nassif, no GGN
A derrota de Renan Calheiros nas eleições para a presidência do Senado é mais um passo na escalada da violência e na desestabilização do que resta de democracia no país.
Peça 1 – os paradigmas da transparência e da fisiologia
A eleição do inacreditável Davi Alcolumbre (DEM-AP) para presidente do Senado expôs duas hipocrisias que, por força das redes sociais, se tornaram verdades.
O paradigma da transparência
Por que o voto secreto foi considerado um avanço nas modernas democracias?
Primeiro, por impedir a pressão dos mais fortes sobre os mais fracos. Dois exemplos simples:
a pressão das milícias sobre os eleitores dos territórios conquistados;
a pressão do Executivo sobre o parlamento, em todas as suas instâncias.
Segundo, por reduzir as barganhas. Na votação em aberto, as barganhas são extremamente facilitadas, porque o alvo da pressão é obrigado a comprovar que entregou o combinado.
Houve uma intensa e maliciosa campanha pelo Twitter contra a votação secreta. Tendo sido
instituída para impedir as barganhas e as pressões espúrias, nesse circo-hospício brasileiro, se transformou em atentado à transparência.
Renan saiu da disputa quando o PSDB exigiu que seus senadores abrissem voto. Entre os
tucanos, havia dois votos favoráveis a Renan. Com o voto em aberto, recuaram. E por que
recuaram? Para não se expor a represálias do Executivo (através do braço armado da Lava
Jato), é óbvio.
O paradigma da fisiologia
Há duas formas de apoiar o poderoso, visando benefícios:
1. Defendendo o poderoso contra ataques de terceiros.
2. Atacando os terceiros, sem explicitar o apoio ao poderoso.
Peça 2 – o partido da Lava Jato
E aí se entra no ativismo político e nas relações que se consolidam entre Lava Jato e o governo Bolsonaro.
Há duas formas de apoio:
1. O apoio explícito, que consiste em defender o governo.
2. O apoio envergonhado, que consiste em atacar os adversários do governo e se calar
ante seus erros.
A Lava Jato se encaixa como uma luva na segunda forma de apoio. Além do articulador político do governo, Onix Lorenzoni – “absolvido” por Sérgio Moro após um pedido de desculpas por financiamento ilícito de campanha – a Lava Jato caiu de cabeça na campanha pró-Alcolumbre. Seu papel consistiu em atacar Renan e defender o voto em aberto.
E, assim como Sérgio Moro, não se pronunciar sobre as rumorosas ligações de Flávio
Bolsonaro com as milícias, nem sobre o risco de se ter as milícias com linha direta com o
sistema de poder.
Além da Lava Jato, Alcolumbre teve o apoio de senadores da Rede, como Randolphe
Rodrigues, mostrando que, assim como Aldo Rebelo, assimilou perfeitamente as janelas de
oportunidade da política. A demagogia correu solta no Twitter.
Finalmente, o papel do PSDB, obrigando seus senadores a votar compulsoriamente em
Alcolumbre, mesmo sabendo que sua eleição cria um fator adicional de instabilidade no país. Mais uma vez, o fígado se sobrepõe à lógica, mesmo sabendo que o caminho mais correto para reformas negociadas seria Renan.
Com sua atitude, o PSDB fortalece a mistura de fundamentalismo religioso com milícias, que caracteriza o governo Bolsonaro, abre caminho para o populismo de direita, e para o mais desbragado fundamentalismo religioso, conforme o Twitter do pecador convertido Onix
Lorenzoni.
Peça 3 – o papel do Senado e o jogo democrático
O Senado é o primeiro filtro para conter inconstitucionalidades do Executivo. É o algodão entre cristais, para evitar embates maiores com o STF (Supremo Tribunal Federal). O presidente do Senado tem o papel de interlocução não apenas com o STF, mas com o governo. É função que exige experiência, conhecimento e capacidade de negociar.
Cabe ao Senado aparar os exageros de projetos de lei draconianos, impedir o avanço de
propostas inconstitucionais, fazer a interlocução com os demais poderes. Daí a importância do cargo de presidente do Senado.
Pelo comportamento nas prévias, o senador eleito, Davi Alcolumbre (DEM-AP) parece do nível de Severino Cavalcanti. Já foi denunciado por incorrer em deslizes do baixo clero, como falsificar notas fiscais com gastos de combustíveis, e por frequentar escritórios de doleiros.
Com o esquema Bolsonaro conquistando a cidadela do Senado, o próximo passo será a
conquista da Procuradoria Geral da República e do Supremo. Essa função será assumida pela Lava Jato, que definitivamente escancarou seu ativismo político.
Com a retaguarda de Sérgio Moro, a Lava Jato lançou as primeiras escaramuças contra a
Procuradoria Geral da República e alimentou Lorenzoni com denúncias conta Renan no dia das eleições. E conta, no STF (Supremo Tribunal Federal), com o apoio de Luís Roberto Barroso, o homem que previu a “refundação” que jogou o país de volta à idade das trevas.
Em um quadro ideal (para o Bolsonarismo) o desenho final é o de Sérgio Moro avançando na repressão política, tendo na Lava Jato e na Polícia Federal seu braço armado.
Faltou apenas combinar com os russos. E, por isso mesmo, tem a pedra das milícias no meio do caminho.
Nas próximas semanas, o jogo ficará mais pesado. E ficará cada vez mais difícil à Lava Jato o álibi de que apenas combate a corrupção, sem nenhum viés político.
Nota: Na sexta-feira passada, segundo os Jornalistas Livres, foi nomeado como Secretário
Especial para a Câmara dos Deputados, representando a Casa Civil, o médico Carlos
Humberto Manato, que fez parte da Scuderie le Coq, precursora das milícias e dos
escritórios da morte. A nomeação foi assinada por Jair Bolsonaro e Onix Lorenzoni.
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