"Repercute negativamente a carta endereçada às escolas brasileiras, pelo Ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez. Diversos especialistas e profissionais da Educação denunciam, entre outros, um certo viés de “doutrinação ideológica” do governo, ao fazer referência a slogan de campanha de Jair Bolsonaro na carta sugerida a ser lida nas escolas.
Demais perfis de crítica também estão sendo mobilizados, sobretudo aqueles que se relacionam à incapacidade do governo federal em levar em conta problemas renitentes, de notório conhecimento público, que envolvem a educação: baixos investimentos e sucateamento de escolas públicas, desvalorização e desrespeito com os professores etc.
Segundo alegação do ministro Vélez Rodríguez, as suas sugestões de execução do Hino Nacional nas escolas e de gravação de vídeos a circularem com alunos perfilados, teriam como motivação maior estimular a valorização dos símbolos nacionais, promover o patriotismo.
Ora, convenhamos. Se tem uma palavra já gasta e muito mal utilizada por adeptos e autoridades do governo Bolsonaro é “patriotismo”. Trata-se de uma operação simbólica e política correspondente à “Novilíngua” do clássico romance 1984, de George Orwell. Um dos principais aspectos do ficcional idioma era a inversão de sentidos das palavras, de sorte a possibilitar ao autoritário governo da narrativa melhor controlar o pensamento dos cidadãos.
Nesse sentido, vejamos alguns traços do “patriotismo” da “Novilíngua” do governo Bolsonaro.
O governo brasileiro atua como um servil cachorrinho dos Estados Unidos, almejando, docilmente, colaborar no eventual roubo e na entrega do petróleo venezuelano para os gringos, potencialmente tornando soldados brasileiros carne de canhão do imperialismo.
Em passado recente, o então candidato Jair Bolsonaro alegava que a Amazônia deveria ser submetida à exploração de recursos minerais em associação com os EUA, relativizando, pois, a nossa soberania, suscetível a um circunstancial compartilhamento internacional. O mesmo candidato que bateu continência para a bandeira dos EUA.
O governo Bolsonaro defende, via privatizações, a desnacionalização brutal dos bens naturais, empresas e demais riquezas e ativos da Pátria: petróleo, gás, água, energia elétrica etc. A ideia subjacente é que o brasileiro não é dotado de capacidade intelectual e moral para assegurar a manutenção e o aperfeiçoamento dos serviços públicos associados a esses bens naturais e ativos econômicos. Um viralatismo colonizado sustenta tal percepção sobre a nossa gente. Sermos colônia é o nosso “destino manifesto”, na visão de Bolsonaro.
O ministro da Educação, gratuita e grosseiramente, chamou os brasileiros de “canibais”, desqualificando abertamente ao nosso Povo. Revelou uma prática típica de quem visa desmoralizar e retirar atributos sociais civilizados do Povo Brasileiro, minimamente congruentes com usos e padrões da civilização contemporânea. Reduzir-nos a uma condição semianimalesca é um procedimento simbólico que nos rudimentariza e desapossa de humanidade, permitindo ao governo, mais facilmente, fazer o que quiser com o Povo.
Cumpre observar que sem autoestima, sem a valorização de aspectos autóctones de criação e experiência cultural, histórica, comportamental, de um Povo, o mesmo tende a tornar-se incapaz de se enxergar como agrupamento humano dotado de passado comum, vontade, desejo, voz e capacidade de iniciativa. Sem a identidade valorizada, sem os jeitos próprios de ser respeitados, somente a atomização prevalece, inviabilizando a emergência e a sustentação de qualquer sentimento patriótico. Inviabilizando a Pátria.
Ademais, o presidente Bolsonaro mantém a política de Temer do teto constitucional dos gastos sociais, congelando investimentos em saúde e educação pública por 20 anos, preservando o seu nefasto e reacionário posicionamento a esse respeito, como deputado federal ainda no governo a que sucedeu. Uma medida que retira e muito qualidade de vida e horizonte de oportunidades de formação e emprego para o Povo Brasileiro.
O presidente tem apresentado propostas que buscam acabar com os direitos trabalhistas e previdenciários dos brasileiros. Medidas que, se aprovadas, criarão uma horda maior ainda de trabalhadores subempregados, desempregados, famintos e doentes, assim como aposentados mergulhados na mendicância, na miséria absoluta. Tudo isso para satisfazer aos interesses de uma minoria rentista doméstica, aos bancos, aos fazendeirões, ao capital internacional.
Tendencialmente, acabar com o mercado consumidor interno. Sem a pujança e a articulação de um mercado consumidor e produtor nacional, é a própria integração territorial que fica amaçada. A Pátria se esboroa.
No sistema gramatical e classificatório hodierno, distante das significações vazias e anedóticas adotadas pelo bolsonarismo, distante da sua “Novilíngua”, o patriotismo corresponde a um sentimento que só pode surgir e frutificar em ambiente social, político, cultural e econômico, em que se valorizem as experiências e os modos de ser cotidiano das gentes, em que se promova a capilaridade de laços de solidariedade e comunhão entre as pessoas, os diferentes grupos sociais. Em que se proporcione a responsabilidade pública com os destinos dos seus cidadãos.
O patriotismo emerge e se enraíza na prática política da defesa das riquezas e dos interesses nacionais, incentivando as autoridades do País a cooperarem com nações amigas, mas sem se submeter, de modo algum, a anseios e desejos agressivos de potências imperialistas, assim como contraditórios às aspirações nacionais.
Dessa forma, o governo mais lesa pátria, entreguista, nocivo ao Pais e à preservação, cultural, política, econômica, tecnológica, até mesmo física, do Povo Brasileiro, o governo que mais demonstra incômodo e contradição em face de múltiplos aspectos que formam a identidade cultural do Povo Brasileiro e a identidade política do País nas relações internacionais – adepta da paz e do diálogo –, identidade projetada anos a fio em sua política externa, precisamente esse governo quer fazer pretensos apelos patrióticos. Trata-se de uma infâmia.
Uma agressão à inteligência e à dignidade nacional, em função de tentativas emocionais vazias, destituídas de qualquer relação com práticas e perspectivas realmente patrióticas, com intuitos publicitários que tentam demonstrar iniciativa e produzir notícias – meros ruídos, desapossados de conteúdos –, sem buscar, de maneira alguma, a resolução efetiva dos reais problemas da Pátria. Inclusive, na educação brasileira.
Pregar que se toque o Hino Nacional nos pátios colegiais, sem dinheiro na escola, é discurso vazio que “não põe mesa”. E ainda vira desnecessário e infrutífero motivo de chacota."
(De Roberto Bitencourt da Silva, post intitulado "A 'novilíngua' do governo Bolsonaro, o Hino e o 'patriotismo' de boca", publicado no Jornal GGN.
Bitencourt é historiador e cientista político.
Sugestão de leitura: "Repercussão negativa faz MEC voltar atrás sobre execução de Hino seguido de slogan de campanha" - aqui).
Sugestão de leitura: "Repercussão negativa faz MEC voltar atrás sobre execução de Hino seguido de slogan de campanha" - aqui).
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