segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

DA SÉRIE AS PALAVRAS E O SOM DAS PALAVRAS

Saí em busca de uma palavra no mestre Google e dei de cara com outra, que me remeteu ao texto abaixo, publicado tempos atrás no blog NovaAlexandria (aqui). Excelente. 


Brincando com a língua - Quando a palavra sugere a coisa

Por Therezinha Hernandes

Recentemente, surgiu no Brasil a palavra chicungunha, aportuguesamento de chikungunya, nome da doença que pode ser descrita como uma versão muito pior da dengue. O termo vem da língua maconde, um dos idiomas oficiais da Tanzânia, onde foi documentada a primeira epidemia da doença em 1953, e provém da raiz do verbo kungunyala, “tornar-se dobrado ou contorcido”, devido à aparência curvada dos pacientes, causada pelas fortes dores articulares e musculares. Em Angola, é conhecida como catolotolo, do quimbundo katolotolu, derivado do verbo kutolojoka, “ficar alquebrado”.

Não que eu queira falar de doenças – seria muito mórbido. Sério, sem trocadilho. Apenas fico intrigada com as palavras e sua sonoridade. Aliás, mórbido vem do latim morbos (estado patológico, doença), que originou morbidus (enfermo, doente, doentio). Não entendo como essa mesma palavra, em italiano, pode significar “macio”, “suave”, “delicado”.

De uma língua para outra, palavras que aparentemente pertencem à mesma família podem ter significados completamente diferentes – os falsos cognatos.

Mas existem palavras cujo som representa muito bem as coisas a que dão nome.

Já falei, aqui, sobre línguas puras, conceito praticamente impossível de existir. O nosso bom português do Brasil não é uma delas, para nossa sorte e alegria. Assim, assimilamos vocábulos de várias origens, até mesmo de línguas longínquas no espaço e no tempo, como o sânscrito e o persa: o pagode, tão popular como ritmo musical, veio do sânscrito e passou pelos significados de “templo hindu”, “ídolo indiano” e “festa barulhenta” – não preciso adicionar nada a este último quesito. Paraíso vem do persa, e designava um recinto circular. Depois passou a significar “pomar” (hebraico), “jardim ou parque dos nobres” (grego), até chegar a paradisus, “paraíso terrestre ou celeste” (latim).

Mas confesso que os sons das palavras de origem indígena e africana, no português do Brasil, são mais melodiosos. E, muitas vezes, já dão uma pista do seu significado.

Pipoca, por exemplo, já tem o “POC” para sugerir o som do estouro do milho, não é? Pois vem do tupi pi’poka, em que pira é pele, e pok, estourada – literalmente, a pele estourada do milho.

Pororoca, fenômeno natural produzido pelo encontro de águas fluviais com as oceânicas, é muito mais elucidativo do que seu sinônimo macaréu. Do tupi poro’roka, gerúndio do verbo poro’rog (“estrondar”), significa isso mesmo: estrondo.

O verbo tupi pererek, por sua vez, significa “pular”, “andar aos saltos”, e daí vem o nome do conhecido anfíbio – a perereca, que vive aos pulinhos. Explica também a analogia com o órgão genital feminino. Sem mais comentários.

Mingau tem uma sonoridade que por si mesma sugere algo mole, pastoso, e é isso mesmo. A palavra tupi minga’u quer dizer “papa”, “empapado”.

O verbo tupi nhe’enga quer dizer “falar”, e por isso a expressão “pare com esse nhen-nhen-nhen” significa “pare de falar tanto”, “chega de falar sem parar”.

Velha coroca é uma ofensa infelizmente comum. O verbo tupi kuruk quer dizer “resmugar”, e por isso “velha coroca” significa “velha resmungona”.

Quem nunca esteve na pindaíba? Isso também é comum. A palavra pertence à língua africana quimbundo, e se origina da junção de mbinda (“miséria”) com uaíba (“feia”), resultando em mbindaíba, cujo significado muita gente conhece.

Também do quimbundo vem a palavra moleque (mu’leke, “menino”).

Banguela deriva do nome de uma localidade angolana, Benguela, cujos habitantes, no passado, especialmente os homens, costumavam serrar os dentes incisivos.

Mas uma das palavras de origem africana mais utilizadas no nosso país é bunda, que também é originária do quimbundo, designando a mesma coisa.

Outra palavra africana de muito sucesso no Brasil é samba. Vem do quimbundo semba, que significa “umbigada”. Isso se deve ao fato de que, em Luanda, onde se originou a dança, num dado momento os pares trocavam umbigadas. Já no umbundo, outra língua de origem banta falada em Angola, principalmente na região de Luanda, a palavra significa “estar animado”. Isso parece ter mais relação com o samba brasileiro.

Bem, existem outras palavras cuja sonoridade parece sugerir significados totalmente diferentes dos que lhes são atribuídos – como falácia, que para Luís Fernando Veríssimo lembra algo vagamente vegetal. Mas isso fica para uma outra vez.

Por hoje, vou deixar de nhen-nhen-nhen, para não bancar a velha coroca.


Axê, e até a próxima.

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