quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

SOBRE A GUERRA DA VENEZUELA


"A história não se repete, tampouco é cíclica. O determinismo histórico e o fatalismo religioso podem até reconfortar os ideólogos e os fiéis, mas não devem ser considerados critérios relevantes para observar o passado e/ou julgar o que ocorre no presente. Imaginar o que vai acontecer no futuro é sempre perigoso e/ou inútil, pois até mesmo os planos militares mais detalhados e bem concebidos são apenas relações de coisas que podem não acontecer.
Na guerra, detalhes minúsculos e aparentemente triviais podem determinar o sucesso ou o fracasso. Quando se espalha pelos soldados, o medo é um sentimento capaz de provocar a derrota de um exército mais numeroso e bem equipado. A selva é um inimigo terrível, intratável e misterioso para aqueles que nela não habitam. O “general inverno” ajudou os russos a derrotar Napoleão e Hitler. 
É possível traçar paralelos entre o passado e o presente, bem como extrair das nossas observações algumas considerações interessantes. Desde que os pressupostos sejam verdadeiros as conclusões lógicas podem ser consideradas válidas.
A elite norte-americana acredita que comanda um império global tão irresistível quanto o Império Romano. Existem algumas semelhanças entre ambos.
“Sob a República, os romanos haviam lutado contra os reinos helenísticos e contra Cartago. Entretanto, a conquista da Gália por César e a da Dalmácia por Otávio quando triúnviro haviam inaugurado um novo período: exércitos bem equipados e um Estado forte achavam diante de si tribos bárbaras desorganizadas e dispersas, e, no entanto, a tarefa nem por isso foi mais fácil. Às batalhas em campo aberto, cujo sucesso tornava a campanha vitoriosa, sucediam as guerrilhas incessantes; a monarcas facilmente desencorajados com os quais podiam-se concluir tratados, sucediam vários chefes astutos que ignoravam regras diplomáticas de temperamento às vezes indomáveis. As regiões ainda por percorrer se faziam cada vez mais vastas e continentais, mais ricas em pântanos e florestas propícias à emboscada do que em belas planícies favoráveis ao ‘Kriegspiel’, e as vias de comunicação, cada vez mais prolongadas, anulavam as qualidades logísticas dos generais. Enfim, era mais difícil subjugar povos atrasados do que populações habituadas ao jugo e alguns reis enervados pelo helenismo: se no tempo de Flamínio houve a pretensão de ‘libertar’ a Grécia, não se cogitava de ‘libertar’ estes bárbaros germanos, dácios e sármatas, a quem o exemplo gaulês ensinara que os progressos materiais trazidos pelos conquistadores se pagavam com a perda da independência e com uma exploração fiscal. Todas as conquistas operadas sob o Império foram longas e difíceis, entremeadas de graves revoltas. Apenas os reinos cederam sem resistência ou remorsos como a Nórica, os Alpes de Cótio, a Trácia, a Galácia e a Capadócia.” (A Paz Romana, Paul Petit, Edusp, São Paulo, 1989, p. 85/86)
O sucesso dos EUA nas guerras convencionais interestatais (II Guerra Mundial, Guerra do Iraque I, Guerra do Iraque II) é um fato inquestionável. Todavia, a guerra interestatal se tornou impensável no momento em que os adversários dos norte-americanos adquiriram capacidade de devastar as cidades dos EUA utilizando armamentos nucleares.
Quando foram obrigados enfrentar uma nação mais pobre e menos organizada que optou pela guerra de guerrilha, os norte-americanos amargaram uma derrota (Vietnã). Ocupações permanentes de países atrasados como o Afeganistão são capazes de desgastar e corromper exércitos modernos e podem se tornar economicamente desastrosas (URSS nos anos 1980 e EUA a partir de 2001).
Paul Petit afirma que os romanos conseguiram derrotar seus inimigos com maior ou menor dificuldade dependendo do grau de sua organização política. Entretanto, Roma nunca conseguiu submeter totalmente a Partia https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerras_romano-partas.
Os problemas que os romanos enfrentaram na Partia nunca foram semelhantes àqueles que os norte-americanos enfrentam na Síria ou enfrentarão na Venezuela. Afinal, os partos nunca chegaram a ameaçar Roma na Europa ou na Península Itálica, mas os aliados da Venezuela podem causar estragos no território dos EUA.
Apesar de toda a propaganda que tem sido produzida e distribuída pelos norte-americanos para consolidar os EUA como potência hegemônica global irresistível, as guerras assimétricas interestatais estão subordinadas às limitações impostas pelas outras potências nucleares (Rússia e China). As fragilidades dos EUA foram expostas pelos russos na Síria, minúsculo país do Oriente Médio que resiste ao imperialismo norte-americano desde 2011.
Em algum momento durante o conflito da Síria as frotas navais dos EUA e da Rússia ficaram frente a frente. Os norte-americanos recuaram assim que os russos destruíram os mísseis Tomahawk que eles haviam disparados contra Bashar al-Assad. Em momento algum os caças norte-americanos desafiaram as baterias de mísseis que a Rússia instalou na Síria. Os caças e bombardeiros russos atacaram posições inimigas sem sofrer qualquer tipo de retaliação dos EUA. Um deles foi abatido pela Turquia, mas esse incidente isolado não pode ser considerado relevante para aferir a verdadeira natureza das relações entre norte-americanos e russos.
Todos sabem que a Venezuela é muito mais frágil militarmente do que os EUA. Ao lado da China e da Rússia, o país de Nicolás Maduro pode resistir até mesmo a um ataque norte-americano e colombiano. O Brasil mantém relações comerciais importantes com a China. As relações diplomáticas do nosso país com a Rússia são amistosas. Os brasileiros nada tem a ganhar agindo como se fossem cães de guarda dos interesses norte-americanos na América do Sul.
A diplomacia brasileira precisa reconhecer três fatos inexoráveis: os EUA do século XXI não é o Império Romano do século I dC; a hegemonia norte-americana está em declínio e o poder dos EUA continuará sendo limitado pelas potências nucleares rivais; se quiser ser respeitado, o Brasil não pode e não deve se rebaixar à condição vil de Estado vassalo do império norte-americano."


(De Fábio de Oliveira Ribeiro, post intitulado "Especulações sobre a guerra da Venezuela", publicado no GGN - Aqui.
A questão é que o 'caso' Venezuela apresenta notáveis peculiaridades geoeconômicas e, consequentemente, políticas: os EUA, 'acossados' por grandes potências em seu 'próprio quintal', não se conformam com a situação. Carentes de petróleo, como ficam ao verem a campeã mundial em reservas provadas trocando figurinhas com potências adversárias? Já essas, por seu turno, sabem que, se apropriando do petróleo venezuelano, os americanos poderiam controlar as cotações internacionais, submetendo-as a seus caprichos e manobras. Todos os poderosos sabem: Tudo se resume em Volúpia de Poder. O impasse está lançado). 

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