Os escritores e o pessimismo de butique
Por Mônica Montoni
Dia desses li, de uma sentada só, o livro de um escritor tão triste, mas tão triste, que para não morrer de tristeza e solidão materializou a rejeição: casou-se com ela. E desse enlace nasceram dois filhotes, a soberba e o ódio.
A rejeição é sem dúvida a melhor companhia para quem não acredita em si, ou acredita em demasia.
Os colóquios com essa dama são sempre muito ricos e têm o poder de ressuscitar fantasmas (característica, esta, que os solitários amam).
Tudo é possível para quem se sente rejeitado: inclusive - e principalmente – sentir-se injustiçado, traído, desmerecido, humilhado.
Seu livro, por supuesto, é dedicado aos dois filhos: um capítulo para a soberba, menininha loirinha, dentuça, de pernas finas, mas que sabe andar de salto alto como ninguém desde os onze anos de idade; que vomita nomes de escritores russos e filósofos franceses para mostrar que sabe das coisas e que leu bons livros.
Outro, para o ódio, menino roliço que gosta de macarrão instantâneo, videogame, punheta e se diverte matando tudo o que se move: formiga, barata, mosquito, besouro, passarinho, gente que pensa diferente e não gosta nem de videogame, nem de macarrão instantâneo.
O autor, quando fala de amor, deixa toda a sua ferida narcísica aberta: nunca se sentiu amado – percepção, esta, que dispensa qualquer tipo de erudição. Como poderia, então, amar ou crer nessa entidade misteriosa que feito uma flor roxa nasce no coração dos trouxas?
Um menino-autor assustado, talvez. Um menino-autor que pede desesperadamente por amor, mas ninguém escuta, porque seus gritos são estridentes demais.
Em algumas passagens senti vontade de deitar sua cabeça em meu colo e dizer “acalma-te, vai passar, o bicho papão não virá te pegar”...
Enquanto avançava na leitura, lembrei-me de alguns pares que o têm em alta consideração.
Seria pela linguagem? Não! Não há nada de novo, comovente ou poético na sua narrativa coloquial de frequentador de botecos pés-sujos de unha limpa.
Seria pelo tom visceral, confessional, a la Kerouac? Talvez...
Ou, para o meu total desespero, por pura identificação, espelhamento emocional?
Se o “x” fora assinalado na última opção, peço licença, então, para dar um trago no meu uísque imaginário e fazer como Vinicius de Moraes fazia, quando alta noite já se ia: chorar pela humanidade.
Se o que faz com que certos leitores se prendam, se comovam, enfim, se dediquem a tal leitura com gozo é porque, realmente não existe mais amor em SP; nem em Lisboa, Rio, Portugal, Barcelona, Passo Fundo. Não existe amor (ou melhor, disposição para amar) em canto algum.
Recuso-me a acreditar nesse pessimismo de butique! Tão frágil e fake quanto a alegria “selfie” das redes sociais, da geração “ame, cuide, adote, recicle”.
Tanto uns quanto outros padecem do mesmo mal: necessidade de aceitação. A diferença está na maneira como cada um encena a sua dor.
Li o livro até o final, tinha pouco mais de 150 páginas. O que me prendeu à leitura e me fez prosseguir até o último paragrafo?
A esperança - frustrada! – de que o gênio incompreendido e injustiçado tivesse feito o Caminho de Santiago (sem nunca ter pisado na Espanha) e confessasse ter degustado a maior iguaria de todos os tempos: o amor-próprio. Não foi dessa vez. Não nesse livro.
Como não pretendo ler mais nada do autor em questão - e não cito o nome simplesmente porque não me apetece denegrir ninguém, tampouco gosto de indicar algo que não faça eco ao meu modo de sentir a vida – resta-me apenas torcer para que um dia, quem sabe, o ser humano por trás da máscara de escritor encontre acolhimento, porque no final das contas isso é o que todos nós queremos: acolhimento.
Falando nisso
O professor e crítico literário João Cezar de Castro Rocha, disserta sobre a "melancolia chique" no artigo Et in Arcádia ego - por uma crítica da melancolia chique: "A melancolia chique é um lugar-comum — e não deixa de ser divertido o desejo de originalidade que estimula seus adeptos". Vale a leitura.
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(Fonte: Obvious - aqui).
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