quinta-feira, 3 de setembro de 2015

OS EUA E OS ECOS DE SUA LEI ANTICORRUPÇÃO


A lei anticorrupção americana e seu alcance geopolítico

Por André Araújo

Em 19 de dezembro de 1977, foi editada a Foreing Corrupt Practices Act, conhecida como FCPA, a lei anti-corrupção americana voltada para o exterior, que sofreu duas emendas, em 1988 e 1998. Essa lei, bem no estilo imperial de Washington, pretende ter jurisdição não só sobre empresas e cidadãos dos EUA, mas também se estende sobre companhias estrangeiras com ações negociadas nos EUA ou com negócios em território americano. A lei foi uma reação ao chamado CASO LOCKHEED, a fabricante de aviões civis e militares Lockheed Martin, que pagou subornos de US$300 milhões nas décadas de 60 e 70, culminando com propinas na Europa, que foram as menores, para o Ministro da Defesa da Alemanha Franz Joseph Strauss e para o Príncipe Bernard, marido da Rainha da Holanda.
A Lei FCPA abrange todas as subsidiárias das firmas americanas no exterior e exige mega relatórios trimestrais dos executivos de cada subsidiária, um imenso custo, trabalho e perda de tempo.
O problema com leis anticorrupção não é o seu objetivo. Todos são a favor do combate à corrupção, exceto os corruptos, e ninguém é a favor da corrupção, como todos são pelo combate ao câncer, é uma unanimidade. O problema é o custo do remédio.  Esses custos são imensos em termos de, na tentativa de evitar o risco que a lei pretende combater,  exigir um custo muito maior para o conjunto da economia do que os eventuais desvios da corrupção.
O público alvo da Lei reage pelo temor e este, para evitar o risco 1, cria proteção até o risco 10; para impedir que a empresa pague 5 mil de suborno gasta-se 5 milhões em controles complicados, para os quais se criam grandes departamentos, que em algumas empresas são o maior setor da empresa, a cargo de um Vice President-Compliance.
A FCPA enfraqueceu as empresas americanas frente a seus concorrentes europeus, que continuaram pagando propinas na África e na Ásia. O Governo americano então pressionou a OECD para editar lei similar, o que foi feito em 1988, com a Anti-Bribery Law europeia. Mas agora existem grandes empreiteiras asiáticas que não seguem leis anti-corrupção e ganham muitas obras e fornecimentos na África e Oriente Médio.
Passa o Governo americano a  pressionar todos os países para impor leis similares ao FCPA, visando com isso impedir concorrência às suas grandes empreiteiras e fabricantes de equipamentos.
Conta para isso com a vigorosa e entusiasmada adesão de Ministérios Públicos e Judiciários, que são convidados a visitas e cursos nos EUA, visando abraçar a causa americana e criar ambiente em seus países para leis que geralmente são cópias da lei americana. A aplicação de leis similares atende portanto ao interesse das empresas americanas, que nivelam a concorrência, abrindo mais espaço para suas empreiteiras e fornecedoras.
A projeção territorial de leis americanas visa a dar jurisdição internacional a suas leis, ultrapassando soberanias.
O problema de sempre com esse tipo de lei é o custo do "compliance", o custo de zelar pela lei, que é centenas de vezes maior que a corrupção evitada. Empresas criam seus próprios códigos internos que chegam a limites ridículos.
No ano passado, um amigo advogado deu uma cachaça de Minas, que comprou em Tiradentes, ao executivo chefe de uma multinacional, sua cliente. Dez dias depois um portador levou de volta a cachaça. A secretaria do executivo levou dois dias pesquisando o preço da bebida, marca difícil de achar em SP, finalmente verificou que custava 90 Reais e o código de conduta da multinacional proibia a seus executivos receber presentes de valor superior a 50 Reais.
Esse mico acontece regularmente: as leis "ônibus", onde todo o mundo é a favor, são um teatro de entrada muito cara, mas os americanos conseguiram impor a seus quintais, América Latina e Europa; na Ásia é bem mais difícil; na América Latina tem alunos bem aplicados e que adoram elogios dos mestres.
Há porém um buraco nessa muralha. Empresas americanas são as maiores fornecedoras de tudo no Oriente Médio, um mercado quase cativo dos EUA. No Oriente Médio não se vende um alfinete sem pagar propina; como fazem as empresas americanas? Elas usam intermediários locais que compram um produto por 1000 dólares e revendem por 3000 dólares. No Oriente a corrupção é parte da cultura, é socialmente aceita e nada se faz sem "Bashish", a tradicional propina, que lá é sempre alta. Portanto há muito de teatro nessa cultura calvinista americana; são todos santos mas às vezes nem tanto. O nível de corrupção e roubalheira no Iraque PÓS INVASÃO é monumental, só do Ministério do Petróleo do Iraque sumiram 11 bilhões de dólares no primeiro ano da ocupação e tinha americanos no meio. A Halliburton tem um monopólio de fornecimentos no Iraque que vai da água potável às brocas de petróleo; a empresa é do Texas, um Estado americano que tem uma antiga cultura de corrupção política, vide a biografia do Presidente Lyndon Johnson por Robert Caro. Johnson teve por 50 anos profunda ligação com a empreiteira Brown & Root, uma das maiores dos EUA, que sustentou todas as campanhas de Johnson e a fortuna de Lady Bird, sua esposa, que tinha uma grande rede de estações de rádio, tudo obtido com a politica.
É um erro de ingênuos importar certas cartilhas moralistas americanas, há muito de ficção nelas, os EUA foram construídos como nação e império por grandes ciclos de corrupção gigantesca, mas sempre gostaram de dar lição de moral para o mundo, no que fazem muito bem: sempre há crentes para pagar o dízimo ao pastor. (Fonte: aqui).
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a) Clique AQUI para ler "Delações na Lava Jato: Vícios Legais e Políticos", com destaque para aula ministrada por Jacinto de Miranda Coutinho, Professor Titular da UFPR e advogado com atuação na Operação Lava Jato. Ele expõe a motivação política internacional para a Colaboração Premiada instituída pela Lei 12.850/13, trata dos vícios constitucionais do instituto e de sua equivocada aplicação na citada Operação.
Palestra Proferida no II Seminário Internacional de Direito Penal, em 14/08/2015, na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro.

b) O combate à corrupção é extremamente salutar, mas o respeito aos dispositivos da Constituição Federal deve ser invariavelmente observado. A prisão preventiva perpétua, arma utilizada pelos condutores dos processos atinentes à Lava Jato como forma de alcançar delações premiadas, é exemplo de prática lesiva às diretrizes constitucionais. O tema, aliás, foi objeto de recente debate travado entre o juiz Sergio Moro e o professor de Direito Constitucional Lenio Streck, conforme se descreve aqui.

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