terça-feira, 22 de setembro de 2015

O BRASIL E A OPÇÃO MONETARISTA


Os falsos monetaristas de Brasília

Por André Araújo

O "monetarismo",  doutrina econômica que deriva dos estudos sobre a teoria quantitativa da moeda nasceu nos Estados Unidos com o economista Irving Fisher (1867-1947), o primeiro economista-celebridade daquele País, a quem Joseph Schumpeter chamava "o maior economista americano".
Fisher ganhou grande notoriedade até que a perdeu em uma semana, juntamente com a maior parte de sua fortuna. Fisher, uma semana antes do "crash" de 1929 disse que o mercado estava sólido e que os preços das ações iriam subir ainda mais. A grande queda de 29 de outubro levou junto a reputação de Fisher e a do monetarismo. Ainda teve a imprudência de dizer meses depois que a recessão seria passageira e logo tudo voltaria ao normal, o que levou 15 anos.
Coube a Milton Friedman, três décadas depois, fazer renascer o monetarismo como tese operacional de economia: Friedman, juntamente com Anne Schartz, que morreu recentemente com mais de 100 anos, escreveram a monumental HISTÓRIA MONETÁRIA DOS ESTADOS UNIDOS - 1867-1960, o que credenciou intelectualmente Friedman.
Friedman lecionava na Universidade de Chicago, era um acadêmico muito ativo e sabia ter protagonismo; não se escondia, muito ao contrário, era um falador, escreveu muitos livros de popularização da economia.
Escrevia muito e, coisa rara entre economistas, escrevia para o grande público e não para outros acadêmicos. Sabia escrever bem, com o grande auxílio da esposa Rose, co-autora de muitos de seus livros, e da colega Anne Schartz.
Mas o que difundiu o monetarismo foi outro instrumento. Friedman escrevia para a prestigiosa revista mensal do Citibank, então uma instituição símbolo de poder, prestígio e sabedoria, o mais internacional dos bancos americanos.
E nesse grande banco passaram a admirar suas idéias. Então o Citi preparou e bancou uma série de conferências de Friedman por todos os Estados Unidos, uma verdadeira pregação do monetarismo. Com o poder do banco por trás, Friedman pôde divulgar e consolidar seu credo em meio aos economistas de todo o pais.
Em meu último livro traço em mais de 50 páginas o histórico do monetarismo de Friedman e do papel do Citibank na implantação da doutrina.
Friedman foi conselheiro de Reagan e de Thatcher, ganhou imenso prestigio por não ser um acadêmico puro. Era um "ativista" da economia, criou uma "escola", o MONETARISMO DE CHICAGO e passou a ter discípulos pelo mundo.
Mas Friedman, americano filho de judeus húngaros, era mentalmente muito flexível. Atraiu, todavia, discípulos nada flexíveis, que tomaram algumas de suas lições ao pé da letra, sem contextualizá-las, tais como Domingos Cavallo, na Argentina, Sergio de Castro, no Chile, os pais do Real, no Brasil, e a maioria dos diretores do BC até hoje.
Friedman não era um fanático da moeda, ele considerava a moeda um instrumento e não um totem.
Por exemplo, sua interpretação da crise de 1929 atribuiu ao Federal Reserve, instituição da qual ele sempre foi um grande crítico, a maior culpa pela depressão de 29. Dizia que o FED enxugou a liquidez de tal forma (mais de um terço do meio circulante), que transformou a recessão em depressão, o que quer dizer que ele recomendaria uma EXPANSÃO monetária e não um encolhimento da moeda em circulação. Dizia que "a crise de 29 foi um grande fracasso de um Governo e não do capitalismo", porque foi o Governo quem transformou uma bolha de bolsa numa Grande Depressão.
Sobre a  crise de 2008, Edward Nelson, porta voz do FED (Federal Reserve, o Bacen dos EUA) disse que foram as idéias de Friedman que embasaram as ações que reverteram rapidamente a crise; referia-se à colocação de uma linha de crédito de 750 bilhões de dólares, pelo Tesouro, à disposição de bancos e corporações industriais, linha que foi oferecida imediatamente após detonada a crise, foi sacada e dois anos depois devolvida integralmente. 
Foi essa mega liquidez que resolveu a crise rapidamente, uma reação completamente oposta à de 1929, quando o Governo Hoover aprofundou a crise travando o crédito.
Friedman, do outro lado do espectro de Keynes, tinha, todavia, a mesma flexibilidade mental. É o que explica sua defesa de idéias arrojadas e até progressistas socialmente, como o imposto de renda negativo, nada mais que a RENDA MÍNIMA do Senador Suplicy, a descriminalização das drogas, tese que pela qual foi extremamente criticado nos EUA.
Friedman era menos a favor da desregulamentação do sistema financeiro do que Greenspan, seu adversário doutrinário. Nunca se deram bem no campo das idéias, embora fossem amigos pessoais, se frequentassem.
Alguns de seus discípulos, assim como ele, ganharam o Nobel de Economia, como Gary Becker, Jacob Viener (grande amigo do Brasil e de Roberto Campos), Henry Simons e Frank Knight. Teve também discípulos no Brasil, especialmente na PUC Rio, mas muitos captaram apenas um resumo de suas idéias e o transformaram em "cartilha".
Friedman jamais apoiaria uma estupidez como a de subir excessivamente os juros para combater uma inflação dentro da recessão. Parece uma ideia burra, e Friedman podia ser tudo, menos burro. Disse uma vez que um País com grande divida pública será beneficiado pela inflação, uma vez que essa "diminui" a divida pública, enquanto a deflação a aumenta.
Infelizmente a cultura brasileira tem o viés de, ao captar uma doutrina estrangeira, absorver apenas uma parte dela e não seu todo, e a parte que os brasileiros mais gostam é a "parte ruim", esquecendo da boa.
Nosso monetarismo é uma cópia pirata mal feita do monetarismo de Chicago, o mesmo que hoje faz a economia americana crescer com uma taxa de juros básica de 0,25% ao ano sem inflação e com pleno emprego. (Fonte: aqui).

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Há a ideia de que uma coisa é o estruturalismo de Estado, sendo o seu oposto o Livre Mercado, o habitat do monetarismo. O Estado, segundo esses, tem de ser Mínimo, e tudo será resolvido pelo onipotente Mercado, mas, a exemplo do que se viu quando os grandes bancos americanos quebraram, em 2008, o velho Estado teve que bancar os rombos e, literalmente, salvar a pátria. 
Porém, quando esse Estado, mesmo momentaneamente, entra em dificuldades financeiras, como ora se observa no Brasil, a contrapartida do Mercado está liminarmente descartada (vide a ação da Fiesp, Fierj e que tais relativamente à CPMF, por exemplo...).

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