segunda-feira, 28 de setembro de 2015

REVISITANDO A DELAÇÃO


A teoria do delator

Por André Araújo

Alguém preso contar sobre crimes de outros e assim tornar-se um colaborador do carcereiro é coisa tão antiga quanto a História, mas fiquemos nos registros a partir do século XX.
Os serviços de espionagem russos (NKVD) e britânico (MI6), desde o começo dos anos 30, operaram largamente com agentes duplos, espiões capturados e que para salvar a pele aceitavam delatar colegas do outro lado. O fenômeno já tinha ocorrido antes, na Primeira Guerra, tornando-se uma especialidade do MI6, serviço secreto britânico fundado em 1909 por Sir Mansfield Cumming, capitão de marinha, assim como pelos serviços de inteligência alemão e francês. A agente dupla mais importante desse período foi Mathilde Carré  "La Chatte" - e Eddie Chapmann no lado inglês.
No entre guerras Kim Philby, espião inglês que chegou a ser o chefe da contra espionagem do MI6, operava desde 1935 para a NKVD, assim como outros ingleses, George B Blake, Donald MacLean e Guy Burgess.  Eles delatavam para os russos colegas que operavam na Rússia e, com isso, os levavam à morte.
No Tribunal de Nuremberg, que julgou em 1946 os crimes de guerra nazistas, poucos foram os delatores, mas houve alguns importantes personagens sentados no banco dos réus e com larga folha de crimes cometidos, tais como Rudolf Hess e Albert Speer, que delataram os colegas e salvaram seus pescoços da forca.
Na Guerra Fria, Oleg Pencovsky,  espião russo, entregou à CIA o nome de dezenas de espiões soviéticos nos EUA, levando todos à prisão e execução, incluindo aí o famoso grupo de espiões do programa nuclear americano.
O DELATOR tem como objetivo ao delatar diminuir sua punição à custa da entrega de comparsas. É uma pratica complicada. Ao contrário do pensar comum, não existem apenas duas hipóteses na delação, qual seja falar a verdade ou mentir. Há mais duas: falar parte verdade e parte mentira ou, outra, falar aquilo que o interrogador o induz a falar.
Neste ultimo caso, para exemplificar, o delator conhece três comparsas, mas o interrogador só tem interesse em um deles e induz o delator a se aprofundar na delação em relação a este que ele quer incriminar, não lhe interessando os outros. Muitas vezes o delator conhece fatos que estão em terreno cinzento, não tem ele próprio certeza, mas como o interrogador tem muito interesse na incriminação dessa pessoa, pressiona-o para aumentar o grau de certeza ou até afirmar categoricamente aquilo que o delator já indicou que é duvidoso.
Todo o terreno da delação é pantanoso, muito mais ainda quando foge do campo do crime comum para entrar na área da política. A delação é uma ferramenta auxiliar em um processo criminal, não pode ser o instrumento central, porque o ser humano é falho de caráter, de memória e de convicções.
Surge então a grave questão da interpretação da delação, que pode ser levada para vários caminhos, considerando que, ao contrário da prova material, a delação se presta à interpretação tanto do delator como do interrogador. Por exemplo, "levei uma mala de dinheiro em uma casa que acho que era do governador...". Vazada a delação, já produz efeitos políticos, transferindo para o incriminado o ônus da contraprova.
É um método perigoso, que deve ser usado em situações especialíssimas, como em caso de guerras. Não pode ser banalizado, porque pode causar danos irreparáveis na ânsia de empurrar um processo que se quer fechar.
Nos famosos processos de Moscou de 1938, os interrogadores da CHEKA, policia política soviética, induziam os detidos a delatar supostos conspiradores contra Stalin, mesmo que as alegações fossem inventadas. Uma vez assinadas, tornavam-se elementos de verdade para que o Procurador Geral Vishinsky desse como provada a conspiração e mandasse o delatado para a execução. Milhares foram mortos assim e, ao fim, se executava também o delator.
Os chamados "Processos de Moscou" eram rigorosamente formais e tecnicamente impecáveis, todos os documentos estavam lá - o problema era a falsidade ideológica de delações trabalhadas visando a um fim.
Abstraindo do lado finalístico processual, na questão humana o delator sai da delação como um homem psicologicamente destruído; ao final, não importa de qual crime se trate, a delação é um ato de trair a confiança.
O homem construiu sua estrutura psicológica desde tempos imemoriais na presunção de que a vida é impossível sem um grau mínimo de confiança um no outro, e a quebra desse código é, em parte, uma quebra da condição humana. (Fonte: aqui).
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Em tese, a delação se revela de grande valia para a elucidação de golpes corruptos, conhecimento da verdade e aplicação das leis. As distorções apontadas pelo articulista ressaltam, porém, as cautelas com que dita colaboração deve ser encarada. No cenário brasileiro, a delação (ou colaboração) premiada é novidade, visto que instituída mediante lei de 2013, sendo que a sua 'eclosão' ocorreu a partir da Operação Lava Jato. Nossa expectativa é de que a Justiça esteja atenta à sua aplicabilidade - especialmente, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, diante de 'esquisitices' detectadas na primeira instância, as quais acarretam ou podem vir a acarretar graves prejuízos a interesses nacionais, merecendo citação, como exemplo, o caso Eletronuclear. Nesse contexto, a leitura dos comentários que o texto suscitou (clique no 'aqui', acima) permite notar que o assunto rende muito pano pra manga...

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