segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O DESMONTE DO IMPÉRIO DO COMPADRIO


"A PF começou na manhã de sexta-feira (14) a prender executivos de construtoras. Nas edições de sábado e domingo dos três principais jornais do país, não apareceu sequer um texto mostrando, ainda que por alto, como as empreiteiras enriqueceram no Brasil nas últimas décadas. Todos sabemos que foi financiando políticos e campanhas eleitorais em troca de favores, mas até ontem não havia na grande imprensa uma frase sobre como esse modus operandi nasceu e se consolidou.

Acordos do regime militar com o bando de Saddam Hussein permitiram à Mendes Júnior realizar vultosas obras no Iraque. A OAS tinha relações de sangue com Antônio Carlos Magalhães, homem forte da ditadura e dos governos Sarney, Collor e FH. Nenhum destes três presidentes coibiu a ação corruptora das empreiteiras. Muito pelo contrário.

Se o PT sempre combateu essa promiscuidade e, uma vez no poder, não só a manteve como pode tê-la ampliado, precisa ser carbonizado. Como já escrito aqui no dia seguinte à reeleição de Dilma, o partido emporcalhou a própria história e tem de pagar por isso.

Mas para nós, jornalistas, o último fim de semana suscita uma reflexão: por que passamos a achar que nos cabe apenas noticiar os acontecimentos mais recentes, sonegando ao leitor informações que ampliariam sua capacidade de julgamento?

O poeta e pensador francês Paul Valéry (1871-1945) escreveu já em 1926 que “a era da barbárie é a era dos fatos”, sem lugar para as “coisas vagas” –a filosofia, a arte, as ideias políticas, a história, o pensamento.

Pelo que nos foi dado a ler, depreende-se que o país era um paraíso de lisura até 2003, quando bandidos assaltaram o poder, chantagearam impolutos empreiteiros e implantaram um sistema corrupto alheio à índole brasileira. Não temos passado ou futuro, apenas presente."





(De Luiz Fernando Vianna, no jornal Folha de São Paulo, artigo intitulado "O país do futuro" - aqui.

Cumpre notar que no dia 14 o Ministério Público Federal, em pedido de bloqueio de contas/bens de construtoras enquadradas na Operação Lava Jato, conforme O Globo - aqui -, declarou: 

"Muito embora não seja possível dimensionar o valor total do dano, é possível afirmar que o esquema criminoso atuava há pelo menos 15 anos na Petrobras, pelo que a medida proposta e ora intentada não se mostra excessiva".

Portanto, segundo o MPF, o esquema de corrupção ora desbaratado já perpetrava atos ilícitos três anos antes do final do governo Fernando Henrique. 

O fato é que o que está sendo desmontado é o império do compadrio, em que o cartel de empreiteiras - note-se que falo em 'o cartel', e não 'um cartel' - se apropria do erário em troca de doações para campanhas políticas, prática que se alastrou e se consagrou. Quem não aderia, estava fora do clube da locupletação: de um lado, não vencia ou compartilhava licitações, de outro, não conseguia eleger-se. Salvo, claro, singularíssimas exceções, como, diz-se, o Psol.

Eis que finalmente se tenta chegar às últimas consequências: adeus, engavetamentos-gerais da República, adeus, manipulação sobre a ação da PF - mediante transferência arbitrária de delegados, p. ex. 

Mas convém ter em mente o caso metrô SP, com os arquivamentos-em-série no âmbito do MP, bem como os equívocos providenciais do MPF, a exemplo do  'esquecimento' de carta-denúncia em face de seu "arquivamento em pasta indevida".

No mais, é torcer para que o ministro Gilmar Mendes se disponha a proferir seu voto no processo relativo à ADI sobre financiamento empresarial de campanhas, formulada pela OAB, de que o ministro pediu vistas no longínquo mês de abril, quando o financiamento empresarial já havia sido derrubado por seis - a maioria, pois - dos ministros do STF. Sim, por mais ilógico que possa parecer, um pedido monocrático - a redundância é proposital - pode ainda ser feito e prevalecer sobre uma decisão já 'consolidada', fruto de seis votos já proferidos, situação que, ao arbítrio do dono das vistas, pode se arrastar ad infinitum!).

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