Por Carlos Alberto Mattos
A Netflix mantém em cartaz o documentário Winter on Fire: Ukraine’s Fight For Freedom, de Evgeny Afineevsky, indicado ao Oscar em 2016. A chamada Revolução EuroMaidan (2013-2014) é mostrada com fervor cívico, enfatizando o desejo dos ucranianos de serem europeus e a truculência da Berkut, a polícia antidistúrbios, linchando e massacrando manifestantes. O filme é graficamente forte, fruto do trabalho de um grupo de cinegrafistas corajosos que arriscaram suas vidas para registrar as refregas.
Vendo aquilo, é difícil não simpatizar com a causa dos revolucionários e compreender a derrubada do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovitch, que traiu o compromisso de entrar para a União Europeia. Mas essa produção Netflix, prestigiada nos canais ocidentais, não conta a história completa. É preciso assistir no Youtube a dois outros filmes: Ucrânia: Máscaras da Revolução, de Paul Moreira, e Ukraine on Fire, de Igor Lopatonok, produzido por Oliver Stone. (Nota deste Blog: Para conferir "Máscaras da Revolução: Movimentos Neofascistas Que a Ucrânia Quer Esconder", clique Aqui).
Realizados em 2016, esses dossiês levantam o que Winter on Fire deixou debaixo dos panos: a participação da extrema-direita na revolução e como ela assumiu um poder paralelo nos anos que se seguiram. Tudo sob a égide dos Estados Unidos em sua cruzada subreptícia para expandir a OTAN e vulnerabilizar a Rússia.
Em Ucrânia: Máscaras da Revolução, as legendas são péssimas, mas é possível acompanhar as revelações sobre os três grupos de inspiração neonazista que, a exemplo do que aconteceu no Brasil em 2013, ganharam espaço e guarida no novo governo, que passava a adular os EUA. A reportagem colhe declarações explícitas de intolerância, xenofobia e ultranacionalismo dos líderes milicianos, que serviam abertamente ao poder já em 2015.
Como exemplo de barbárie no lado oposto, vemos o assalto das milícias a um prédio sindical em Odessa onde manifestantes pró-Rússia se refugiavam. O edifício foi incendiado com coquetéis molotov, causando dezenas de mortes. Depois de se atirarem das janelas para escapar ao fogo, as pessoas eram “finalizadas” a bordoadas no chão.
Esse filme e Winter on Fire mostram as faces obscuras de cada lado. Quem admira os brados de “Glória à Ucrânia! Glória aos heróis!” no primeiro passa a ouvi-los com outros ouvidos no segundo. O fato é que não há heróis naquelas batalhas, mas só interesses e brutalidade desumana. No meio de tudo, um povo encontra seu destino trágico.
Cabe aqui lembrar recente reportagem de O Globo que mostrou o Brasil como o país onde mais cresceu a presença da extrema-direita nos últimos anos. A porta se abriu justamente numa onda de protestos cheios de boas intenções, as Jornadas de Junho de 2013.
Ukraine on Fire pretende ser um apanhado completo da situação geopolítica da região através desse tempo tumultuado. A narração incessante remonta ao século XVII para historiar a perícia da Ucrânia em sucessivamente mudar de lado a fim de sobreviver. Foi o que a levou, por exemplo, a colaborar com o nazismo no extermínio de judeus durante a II Guerra Mundial.
A presença de uma extrema-direita influente na vida nacional mediu forças com o império soviético, mas saiu do armário mais claramente depois de 1989. Na revolução de 2013-2014, foi protagonista clandestina através da ação de provocadores. Ao mesmo tempo, criava-se uma narrativa na qual o presidente pró-Rússia era o vilão absoluto e o outro lado era só composto por mártires.
Trechos de entrevistas de Oliver Stone com Putin e com Yanukovitch compõem essa contra-narrativa cujo vilão são os EUA com sua rede de prepostos na direita ucraniana e proteção a ultranacionalistas radicais. Ukraine on Fire é exaustivo na sua cornucópia de informações, mas complementa bem esse tabuleiro de xadrez. Além de antecipar os temores que estamos vendo desabrochar agora com a perspectiva de uma guerra nuclear.
Dos três filmes o que retemos, afinal, é que a Ucrânia não é para principiantes. - (Fonte: Carmattos - Aqui).
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