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O Ouvido da Família
Filmes europeus refeitos nos EUA são um nicho de mercado razoavelmente consagrado, mas com resultados em geral desapontadores. A reciclagem do amável A Família Bélier, intitulada CODA (sigla de Children of Deaf Adults, ou filhos de adultos surdos) e aqui No Ritmo do Coração, foge pouco à regra. A não ser por dois momentos tocantes no último ato e pelas anedotas escatológicas e sexuais atribuídas aos pais de Ruby, o filme da diretora Sian Heder limita-se a seguir um figurino de filme-família.
O original francês, de Eric Lartigau, também era um filme-família, mas se destacava da média pela graça e equilíbrio com que explorava as angústias da adolescência e os dilemas dos deficientes auditivos, sobretudo quando eles não se amofinam diante de suas limitações. Quando fui assisti-lo, em 2015, tinha expectativas muito baixas, que foram amplamente superadas. A Família Bélier não deixava ninguém ir pra casa sem um sorriso na alma e uma lágrima se armando em cada olho.
A refilmagem norte-americana pretende o mesmo, mas patina em lugares-comuns da descoberta do amor, do talento e da autossuficiência comercial, sem falar do bullying como tema onipresente hoje em dia. Ruby (a inglesinha Emilia Jones) é a única ouvinte e falante na família Rossi, que depende dela para vender seu peixe – literalmente, pois são pescadores. Mas Ruby também canta e encanta o professor de música da escola (Eugenio Derbez em performance burlesca). A ida para a faculdade de Música de Berkeley significaria deixar os Rossi sem intérprete. De certa forma, Ruby é uma escrava da família, e este é o ponto mais sensível do argumento.
No filme francês havia as canções anacrônicas de Michel Sardou, que ajudavam a contar a história e davam um charme especial, fora do tempo. Agora temos Joni Mitchel numa interpretação que enfatiza o lado doce de seu sabor doce-amargo.
Claramente superestimado desde a quádrupla premiação em Sundance, No Ritmo do Coração chega ao Oscar com indicações a melhor filme, roteiro adaptado e ator coadjuvante. Este, sim, me parece o único merecedor, pois Troy Kotsur, veterano ator surdo de nascença, está impagável como o pai desbocado em linguagem de sinais. O trio de atores surdos se completa com Marlee Matlin (premiada com o Oscar por Filhos do Silêncio em 1986) no papel da mãe e Daniel Durant como o irmão.
(No Ritmo do Coração está na Amazon, Google Play, AppleTV e Looke).
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Super-Latinos
Embora já tivesse lido algumas opiniões pouco estimulantes, eu esperava encontrar em ENCANTO um pouco do que me agradou tanto em “Coco”. Do México para a Colômbia, quem sabe as referências latinas mantivessem a mesma graça e inspiração. Só que não. De colombiano só tem ali o nome do país e o idioma espanhol em uma das canções. Nem um cafezinho, sequer.
Os tais dons possuídos pela família Madrigal parecem mais super-poderes de super-heróis do que pendores relacionados a alguma magia latino-americana. A história está centrada numa espécie de patinho feio, a menina Maribel, vítima de bullying familiar por não ser dotada de nada especial. O roteiro cria soluções atravancadas para levar Maribel à superação e acaba por deixar sérios buracos na compreensão da trama. As canções de Lin-Manuel Miranda são medíocres como sempre (à exceção de Hamilton).
Dito isso, não deixo de recomendar o filme pela excelência da animação. Vale a pena relevar todas as deficiências para apreciar a exuberância das cores, a perfeição nos movimentos de dança, roupas, cabelos e expressões. Isso faz com que, isolados, os ingredientes e os bons momentos compensem um pouco a insipidez do conjunto. Está mesmo na técnica o encanto de ENCANTO.
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