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Nossas vidas não estão em suas mãos
"'Nossas vidas não estão em suas mãos.' De uma maneira ou de outra, esse tem sido o grito de guerra de argentinos, peruanos e chilenos que se rebelam contra o neoliberalismo. Esse também deveria ser o grito de guerra dos norte-americanos empurrados para a miséria dentro dos EUA desde o colapso econômico de 2008. Todavia, mesmo passando frio, fome e morando em túneis, minas abandonadas e favelas de barracas, os norte-americanos abandonados à própria sorte pela Casa Branca permanecem fiéis ao seu país https://jornalggn.com.br/literatura/a-vida-nos-tuneis-nos-eua-da-ficcao-para-realidade/. Nos EUA as vítimas do neoliberalismo colocam suas vidas nas mãos do país (ou de Deus) e aceitam ser abandonadas à própria sorte pelo Tio Sam."
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E quanto ao Brasil? Fábio de Oliveira Ribeiro responde:
Por Fábio de Oliveira Ribeiro
É possível conhecer a natureza de um regime político levando em conta a forma como o governante trata a mais delicada das questões: o que fazer com as vidas dos cidadãos?
Nas tiranias as vidas dos cidadãos estão sempre em risco, pois o tirano pode dispor delas como bem entender. Governar pelo terror, entretanto, não aumenta a segurança do tirano, pois o medo quase sempre cede espaço ao ódio. Quando algumas pessoas passam a odiar junto, a queda violenta do governante é quase certa.
Nas repúblicas, cada cidadão tem direito à sua própria vida e o Estado não pode tirá-la. Essa regra comporta algumas exceções. Existem repúblicas em que a pena de morte é uma triste realidade. Em quase todas, os cidadãos podem ser convocados a matar e morrer nas guerras declaradas pelo governo ou contra seu Estado.
As repúblicas podem ser democráticas ou não. Nas primeiras, salvo as exceções mencionadas acima, o Estado pune qualquer homicídio. Essa é uma das maneiras do Estado garantir o direito a vida. A outra é a concessão de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários aos cidadãos para impedir que eles morram de fome ou em virtude do abandono material.
Nas repúblicas autoritárias controladas por uma parcela da população, apenas as pessoas economicamente privilegiadas podem dizer que têm direito a vida. No Brasil pós golpe de 2016, por exemplo, o Estado abandonou uma parcela da população à própria sorte revogando direitos sociais, trabalhistas e previdenciários.
O novo Sistema de (in)Justiça brasileiro tolera o assassinato de índios, negros, sem terras, sindicalistas, militantes de esquerda, gays e pobres. As vidas deles não têm qualquer valor, pois os promotores e juízes somente se esforçam para reprimir os homicídios cometidos contra os cidadãos privilegiados que acreditam ser (e que em grande medida são) os donos do país.
Nos casos mais extremos, o extermínio de contingentes populacionais indesejados (Solução Final nazista, genocídio de Tutsis em Ruanda, aumento da mortalidade infantil e diminuição da expectativa de vida no Chile, Peru e a Argentina por causa do neoliberalismo) é transformado em política pública do Estado totalitário e/ou neoliberal. Nesses casos, aqueles que foram marcados para morrer (na câmara de gás, por falta de assistência médica ou de inanição) somente têm o direito de entregar suas vidas ao Estado. Qualquer resistência é interpretada como uma violação do direito do governo de matar os indesejados. Essa transgressão é geralmente punida com a morte. As execuções extrajudiciais são realizadas nas ruas pelos policiais e/ou soldados do exército.
O neoliberalismo, porém, difere do totalitarismo num aspecto fundamental. Os regimes totalitários promulgam legislações autorizando a segregação, reunião, transporte, confinamento e extermínio dos seres humanos considerados indesejados. Governos neoliberais preferem realizar genocídios silenciosos e dispersos que não podem ser ou que não serão notados pela imprensa (palestinos, chilenos, peruanos e argentinos miseráveis, índios e favelados no Brasil após golpe de 2016).
Um líder totalitário geralmente anuncia ao mundo de maneira grotesca “as vidas dessas pessoas me pertencem e eu vou tirá-las delas”. O governante neoliberal eleito com os votos de suas vítimas quase sempre luta para impor as reformas legais e/ou constitucionais que dirão de maneira sorrateira “suas vidas pertencem a vocês, mas elas não poderão ser desfrutadas em virtude de vocês terem sido abandonados pelo Estado”.
Ao promulgar a Declaração Universal dos Direitos do Homem https://www.un.org/en/universal-declaration-human-rights/ a ONU tinha um propósito essencial: impedir a realização de novos genocídios. Mas os próprios norte-americanos não levaram essa ideia muito a sério. Liderando uma coalizão de países, nos anos 1950 os EUA bombardearam tudo que se movia na Coréia do Norte https://www.bbc.com/portuguese/internacional-41180920. Na década seguinte, os norte-americanos causariam a morte de aproximadamente 3 milhões de pessoas no Vietnã https://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/guerra-vietna.htm. A invasão do Iraque com base em mentiras repetidas à exaustão pela imprensa causou a morte de aproximadamente 1/2 milhão de pessoas https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/12/111215_eua_iraque_numeros_fn.
“Nossas vidas não estão em suas mãos.” De uma maneira ou de outra, esse tem sido o grito de guerra de argentinos, peruanos e chilenos que se rebelam contra o neoliberalismo. Esse também deveria ser o grito de guerra dos norte-americanos empurrados para a miséria dentro dos EUA desde o colapso econômico de 2008. Todavia, mesmo passando frio, fome e morando em túneis, minas abandonadas e favelas de barracas os norte-americanos abandonados à própria sorte pela Casa Branca permanecem fiéis ao seu país https://jornalggn.com.br/literatura/a-vida-nos-tuneis-nos-eua-da-ficcao-para-realidade/. Nos EUA as vítimas do neoliberalismo colocam suas vidas nas mãos do país (ou de deus) e aceitam ser abandonadas à própria sorte pelo Tio Sam.
No Brasil algo semelhante está ocorrendo. No ano passado, sem fazer muito esforço e sem enfrentar qualquer resistência nas ruas, o desgoverno Bolsonaro aprovou várias reformas que empurraram milhões de brasileiros para a miséria. Muitos mais se tornarão miseráveis em 2020. Apesar das comemorações jornalísticas e das mentiras divulgadas pela imprensa, a economia não reagiu. Tudo indica que ela não reagirá. Cada ajuste que for aprovado para reequilibrar as contas públicas por baixo irá reforçar a expectativa geral negativa dos empresários de que eles não conseguirão vender seus produtos/serviços se aumentarem os investimentos.
“‘O fato de os trabalhadores estarem dispostos a trabalhar por uma miséria significa que, mesmo que arranjarem emprego, não terão dinheiro para gastar e, portanto, não poderei vender-lhes meus produtos.’ (Conversando sobre economia com a minha filha, Yanis Varoufakis, editora Planeta São Paulo 2015, p. 136). Esse tipo de raciocínio, perfeitamente lógico, pode levar os empresários a reagir com pessimismo quando os salários estão em queda livre. É exatamente isso o que está ocorrendo no Brasil. A Reforma Trabalhista rebaixou os salários, mas a prometida retomada dos investimentos não ocorreu. Ninguém quer correr o risco de produzir bens e serviços que não poderão ser vendidos por falta de consumidores.”
https://jornalggn.com.br/debate/conversando-sobre-economia-com-a-minha-filha/
https://jornalggn.com.br/debate/conversando-sobre-economia-com-a-minha-filha/
A fome volta a rondar nosso país. Os saques aos supermercados e às cargas de alimentos já começaram. Açougues e caminhões frigoríficos são os alvos preferenciais da população faminta. Tudo indica que os saques irão aumentar à medida que a população começar a perceber que só pode escolher entre morrer de inanição ou fazer. Qualquer coisa que seja feita terá sempre o mesmo significado: “Nossas vidas não estão em suas mãos.” Será preciso transformar esse mantra num programa político coerente capaz de expulsar o neoliberalismo de uma vez por todas do país.
Caso contrário, os neoliberais continuarão matando as pessoas que eles consideram indesejáveis e dividindo os lucros sem indenizar as vítimas. Não foi exatamente isso o que ocorreu no caso da Vale do Rio Doce? https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2019/12/vale-anuncia-que-vai-distribuir-r-72-bi-a-acionistas-atingidos-por-brumadinho-protestam/?fbclid=IwAR0TK7CSMzzEh9xZPsoGZIur–9d9iF5T-j7hQs8_dtPaaQC0cVv5AzI2Q4 Seria interessante saber quais foram os políticos que essa empresa assassina ajudou a eleger e quanto ela gastou para poder exercer um privilégio cruel outrora outorgado apenas aos tiranos. - (Fonte: GGN - Aqui).
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