quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

DE COMO O BRASIL SE DISPÔS A EXPOR SUA PARCERIA COMERCIAL COM O IRÃ

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Por que o Brasil se posicionaria a favor da execução sumária de um general militar de um país soberano que representou, somente em 2019, por exemplo, o quinto maior comprador dos produtos agrícolas brasileiros, principalmente trigo e cereais, importando o equivalente a US$ 2,38 bilhões e vendendo pouco mais de US$ 39 milhões: superávit de US$ 2,2 bilhões para a balança comercial do Brasil?


O vespeiro EUA vs. Irã e o maior erro da política externa bolsonarista 
Por Cesar Calejon 
O assassinato do líder militar iraniano Qasem Soleimani por um drone estadunidense na semana passada colocou a sociedade internacional em alerta. Apenas alguns dias depois, bases dos EUA sofreram retaliações no Oriente Médio, mais de trinta pessoas morreram pisoteadas durante o funeral de Soleimani e um avião comercial ucraniano foi abatido por mísseis balísticos iranianos “por engano”, segundo comunicado do próprio país. O conflito está escalando e novos capítulos deverão acontecer nos próximos dias e semanas.   
Seguindo a sua estratégia de alinhamento automático com Washington, a política externa bolsonarista divulgou uma nota, via Itamaraty, no dia 10 de janeiro, endossando o assassinato do militar iraniano pelos Estados Unidos. “Ao tomar conhecimento das ações conduzidas pelos EUA nos últimos dias no Iraque, o governo brasileiro manifesta seu apoio à luta contra o flagelo do terrorismo e reitera que essa luta requer a cooperação de toda a comunidade internacional sem que se busque qualquer justificativa ou relativização para o terrorismo”, afirmou o Governo do Brasil por meio do comunicado intitulado “Acontecimentos no Iraque e luta contra o terrorismo”.
Após a péssima reação de algumas nações com as quais o Brasil mantém parcerias comerciais, o País optou por não se manifestar mais sobre o conflito de forma pública. A representante brasileira em Teerã foi convocada para dar explicações sobre o caso, o que significa que o Irã está de fato atento ao posicionamento da administração Bolsonaro e pronto para retaliar. 
Repetidamente, o Brasil vem cometendo o maior erro possível frente à sociedade internacional: danificar o processo histórico de construção de credibilidade devido ao não comprometimento com a soberania dos países, o multilateralismo e acordos que foram historicamente negociados no âmbito global. 
Questões como o multilateralismo e a soberania das nações devem transcender os objetivos pontuais da administração atual de qualquer estado. Além disso, explorar questões bélicas, religiosas e seculares, com as quais o Brasil jamais possuiu nenhum tipo de relação institucional direta, para conquistar alguma visibilidade no cenário internacional e agradar parte do eleitorado doméstico, representa outro grande problema para a atual gestão federal brasileira. Todos estes temas, quando avaliados friamente, oferecem riscos que superam os eventuais benefícios em ampla medida.  
Por que o Brasil se posicionaria a favor da execução sumária de um general militar de um país soberano que representou, somente em 2019, por exemplo, o quinto maior comprador dos produtos agrícolas brasileiros, principalmente trigo e cereais, importando o equivalente a US$ 2,38 bilhões e vendendo pouco mais de US$ 39 milhões: superávit de US$ 2,2 bilhões para a balança comercial do Brasil?
Por que o Brasil deveria mudar a sua Embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém, aliando-se à posição de Israel em um dos conflitos mais complicados do mundo, e contrariando todo o mercado árabe, com o qual o País sustenta um comércio de mais de US$20 bilhões por ano?
Por que o Brasil compraria qualquer tipo de briga com a China, maior parceiro comercial do País, em nome de uma postura anticomunista arcaica do século XX?
O alinhamento automático com qualquer nação do planeta e a promoção do populismo de um presidente em determinada época certamente não oferecem recompensas suficientemente atrativas para responder a estas questões. A política externa bolsonarista precisa entender o tamanho do vespeiro que este conflito entre EUA e Irã representa e agir de forma cirúrgica, extremamente cuidadosa e comedida, aplicando certa equidistância pragmática de ambas as partes para defender os interesses brasileiros.  -  (Fonte: Aqui).
(Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas e escritor, autor do livro A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI).

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