sábado, 1 de setembro de 2018

ELEIÇÕES 2018: SOBRE O JULGAMENTO DE ONTEM NO TSE (E A RETÓRICA REVERSA)


Da longa sessão do TSE (onze horas)  concluída na madrugada de hoje, 01, que julgou registros de candidaturas às eleições 2018 para presidente da República, devo dizer que só vimos partes, razão pela qual tratamos, nesta data, de conferir outros trechos, para só então emitir opinião a respeito do indeferimento do registro da candidatura do ex-presidente Lula.

O que ressalta: A 'persistência' da linha comportamental da ministra-presidente Rosa Weber relativamente a seus votos, marcada por argumentações 'movediças' desde a AP 470, conhecida como Mensalão (à época, argumentou que, a despeito da inexistência de provas, poderia condenar José Dirceu 'porque a literatura jurídica permitia'), passando pela 'revisão' do voto sobre condenação de réus em segunda instância (mudou o voto sob a alegação de que optara por 'acompanhar a colegialidade'). Ontem, num momento ressaltava tal aspecto como relevante para a defesa do interessado para, no instante seguinte ou mais adiante, minimizá-lo, e até a demonstrar desconhecimento de certas particularidades sobre tratados internacionais - o que não passou despercebido por observadores como o jornalista Fernando Brito, titular do Tijolaço - aqui

O ministro Edson Fachin fundamentou seu solitário voto divergente, em sintonia, aliás, com o que declarara em palestra recentemente proferida na Escola de Magistratura do Paraná, quando discorreu acerca de acordos internacionais sobre direitos humanos, enfatizando a imprescindibilidade do cumprimento, pelo Brasil, de determinações emanadas de conselhos (ONU e outros) como o atinente ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que embasou a emissão, pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, de liminar assegurando os direitos político-eleitorais do ex-presidente Lula. O ministro, como já dito, procedeu coerentemente, porém com a ressalva abaixo apontada. Ademais, houve quem visse no voto divergente algo como um 'ato de legitimação do placar' (Aqui). O precedente, contudo parece-nos merecer consideração.

Quanto ao ministro-relator Luis Roberto Barroso, para pouparmo-nos de maiores dissabores, julgamos de bom tom fazer nossas as palavras de Patricia Faermann, do GGN, sob o título 

"A retórica de Barroso para fazer do caso Lula uma exceção" (AQUI) :

Para cassar a candidatura do ex-presidente Lula, o ministro Luís Roberto Barroso abusou de uma sequência de estratégias características da retórica sofista, na arte de persuadir o público por sua tese antilógica. Ao escancaradamente saltar diversos direitos de defesa inquestionáveis para se julgar uma candidatura, Barroso teve que se empenhar para que a última impressão não parecesse o que era. 
"Não houve, como pretendo demonstrar, nem apelo nem tratamento desigual", foi uma das frases introduzidas pelo ministro, com cautela, na noite de ontem. A fala tentava tapar um buraco deixado pelo relator, após ter saltado todos os prazos legais garantidos à defesa em processo como este.
Tratam-se de fases importantes para a instrução do processo e que, por mais que exista brecha legal para se omitir ou não as seguir, ao longo deste mês diversos especialistas em direito eleitoral foram consultados apresentando o unânime consenso de que um caso como este, envolvendo um candidato à Presidência, Lula, preso desde o início de abril em um processo recheado de polêmicas, deveria, pelo menos, ter seu rito rigidamente seguido no TSE.
Pelo protocolo regimental, este caminho inclui, a partir da apresentação da defesa de Lula, um prazo de 5 dias para o Tribunal ouvir testemunhas indicadas por todas as partes - do candidato e dos acusadores. Paralelamente, os advogados também podem solicitar a coleta de provas, neste prazo de 5 dias. No caso dos 16 questionamentos apresentados por diversos partidos, políticos, advogados e candidatos à Justiça Eleitoral, muitos deles incluíam pedidos de coleta de provas e de testemunhas. Mas em seu voto, Barroso disse entender que não eram necessários.  
Justificou que os fatos eram de conhecimento "público e notório" e se valeu do contraditório argumento de que a "insegurança jurídica" ao se demorar para julgar este caso seria um risco maior do que ferir os próprios direitos da defesa: "Esta é uma etapa importante, quando não decisiva, do processo eleitoral. Os fatos são notórios, todos os argumentos dos impugnantes e do impugnado são de conhecimento geral, não há qualquer razão para o Tribunal Superior Eleitoral contribuir para a indefinição e para a insegurança jurídica no país."
Ainda pelo caminho protocolar, em seguida, um prazo adicional de 5 dias é concedido para as alegações finais. Elas não servem para repetir o que já foi defendido na primeira manifestação das partes. Mas para que a partir da exposição da defesa do processado, Lula, ou dos acusadores, os ministros e a Procuradoria Eleitoral pudessem estudar os argumentos e possivelmente modificá-los.
A defesa de Lula, que diversas vezes foi acusada de tentar prolongar o resultado da cassação, não pediu testemunhas, nem provas, como o fizeram os partidos acusadores. Solicitou somente este tempo para que os juízes pudessem considerar e avaliar as sustentações da defesa. Mas o prazo legal de 5 dias não só não foi concedido por Barroso, como também essa "análise" foi feita em um tempo recorde. 
O relator usou menos de 24 horas para ler a defesa de Lula, desde que foi entregue. E os demais ministros apenas alguns minutos, ao vivo, durante a sessão, e com seus votos já escritos no papel.
Para abafar esse encurtamento no direito de defesa, Luis Roberto Barroso usou duas táticas. A primeira delas foi ocupar boa parte da apresentação introdutória do processo, nos primeiros minutos da sessão, para expor um resumo da defesa entregue pelo candidato do PT a ele, 24h atrás. E para que não houvesse dúvidas ao público, chegou a interromper a leitura de pontos da defesa para ressaltar a sua boa vontade em dedicar este tempo maior.
A segunda técnica foi apresentar-se a si como vítima do caso: logo nos primeiros minutos, Barroso mencionou que se pudesse escolher, não gostaria de estar nesta situação. Posteriormente, sustentou que o prazo de menos de um dia desde a apresentação da defesa também foi prejudicial a ele, como se não tivesse outra escolha, dizendo com expressões de fadiga que "a noite foi longa para mim e para a minha equipe".
Somados a isso, da tese casuísta de que Barroso fazia o que estava a seu alcance e que também fora prejudicado pelo reduzido tempo, expressões chave durante todo este processo foram evidenciadas e repetidas pelo ministro para convencer de que possíveis erros se valiam por um bem maior.
Reverteu o conceito de "insegurança jurídica" que vislumbrava a própria defesa de Lula, ao ver o Tribunal fazer do caso Lula uma exceção, para sustentar que a insegurança nas instituições seria que um candidato pudesse ser impugnado após ter iniciado o horário de propaganda eleitoral. "Busco assegurar os direitos do impugnado e da sociedade brasileira, com os candidatos definidos, e não gerar ao meio do caminho, talvez, se precisasse fazer, uma substituição", disse. 
Por isso, mesmo com o raciocínio lógico da defesa de Lula, que no palanque do Tribunal solicitava o prazo de considerações finais, foram estes pontos que fizeram que os demais ministros encerrassem na madrugada deste sábado a decisão. Apesar de Fachin ter votado contra a cassação, mostrou-se convencido pelos argumentos da pressa. A própria presidente da Corte, Rosa Weber, admitiu que preferia a rigidez dos ritos processuais do que a pressa defendida por Barroso, mas que estava com a maioria.
Assim, todos os ministros foram convencidos de saltar os prazos legais a que Lula tinha direito. 
E se para o julgamento ser concluído na noite passada, Barroso abusou da retórica reversa, também assim o fez no argumento principal de contrariar a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que obrigou o Brasil a possibilitar que Lula participe das eleições. Dizendo que a Lei da Ficha limpa "não foi um golpe", ironizou, fazendo referência a um dos principais argumentos de defensores de Lula para a sua prisão e perseguição política.
Na mesma linha sustentada, em contradição, pela Procuradora-Geral da República Raquel Dodge minutos antes, Barroso tentou levar à conclusão de que o pedido da ONU confrontava a Lei da Ficha Limpa e que a defesa dos direitos humanos estava sendo adotada pelo Judiciário brasileiro, ao fazer prevalecer a lei, reconhecida por sua característica democrática de ter saído das ruas.
"A Lei da Ficha limpa não foi um golpe. E não foi uma decisão de gabinete. Foi fruto de uma grande mobilização popular, em torno do aumento da moralidade e da probidade na política. Estamos falando de ampla liberdade democrática", disse o ministro, levando à reversão do raciocínio de defesa e direitos humanos, e ignorando que a decisão da ONU não representava uma afronta à legislação brasileira.  
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(De fato, o ministro Barroso providencialmente 'esqueceu' a particularidade de que os acordos internacionais versando sobre direitos humanos aos quais o Brasil aderir têm CARÁTER SUPRA LEGAL, suplantando, assim, a lei da ficha limpa).
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Adendo em 02.09: 
Clique AQUI para conferir "Lula venceu no TSE - graças a Fachin", por Eduardo Guimarães.

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