Nos últimos 'reinados supremos' verificados, considerava-se impossível a superveniência de uma conjuntura mais conturbada, tamanhos os despropósitos, omissões, absurdos e decisões teratológicas verificados ao longo de cada um dos períodos. Mas a realidade se encarregava de mostrar que isso era, sim, possível. Entretanto, o reinado da ministra Cármen Lúcia, como nenhum outro, se revelava imbatível. Pois bem, considerando o mais recente acontecimento (patrocinado pelo ministro Fux), e se drásticas correções deixarem de ser tomadas -e logo no início da gestão, enquanto é tempo!-, o ministro Dias Toffoli corre o risco de superar o feito da ministra Cármen. Tudo isso a uma semana do aniversário de 30 anos da promulgação da Constituição da República, seguidamente apequenada por 'guardiões' inebriados pela fogueira das vaidades...
(Ilustração: ago/2018).
Toffoli pode impedir conflito que barrou entrevistas de Lula
Por Fábio de Oliveira Ribeiro
Atendendo a um pedido da Folha de São Paulo, o Ministro Lewandowski permitiu que Lula desse uma entrevista na prisão. Algumas horas depois, Luiz Fux concedeu liminar num processo iniciado pelo Partido Novo.
Essa segunda decisão não tem qualquer valor jurídico. A legislação processual civil em vigor prescreve uma série de regras para evitar o conflito entre decisões proferidas por juízes distintos sobre uma mesma questão.
Quando o processo é distribuído para um juiz, ele se torna prevento para processar e julgar outras ações ou requerimentos cuja causa de pedir ou pedido sejam semelhantes àquele processo inicial. O juiz que despacha a liminar se torna o relator do processo principal ou de qualquer outro processo promovido por terceiro cuja decisão possa influenciar a decisão final da causa. Portanto, o Ministro do STF que autorizou Lula a dar entrevista seria competente para, em tese, apreciar o pedido de revogação de sua decisão.
O fato de o autor do pedido ser um (a Folha) e o requerimento da revogação da liminar ter sido feito outro (o Partido Novo) é irrelevante. A matéria em discussão é a mesma: o direito de Lula de dar ou não entrevistas. Portanto, ao despachar o pedido da Folha, o Ministro Lewandowski se tornou prevento e Luiz Fux não poderia proferir nova decisão em favor de um terceiro cassando a liminar que foi dada em benefício do jornal.
Ao receber o processo do Partido Novo, Fux somente poderia ter feito uma coisa: encaminhar o caso ao gabinete do colega reconhecendo a prevenção. As duas ações devem necessariamente ser processadas em conjunto, pois repugna ao Direito a possibilidade de conflito entre decisões proferidas por juízes distintas sobre uma mesma matéria. Fux é um juiz experiente, ele sabe que não deve desautorizar e afrontar a decisão singular de outro Ministro do STF. Somente o colegiado do Tribunal poderia revogar a decisão de Lewandovski.
A legislação garante, em alguns casos, o direito do presidente do Tribunal de suspender os efeitos jurídicos da liminar concedida por um de seus membros. Essa regra não incide no caso para validar a decisão contra Lula em benefício do Partido Novo. Fux não é presidente do STF, a decisão que ele proferiu somente teria valor jurídico se tivesse sido proferida pelo Ministro Dias Toffoli.
Para evitar a controvérsia, a Folha pode pedir a Dias Toffoli que repare o dano irreparável que lhe foi provocado por Luiz Fux. A liminar concedida por ele ao Partido Novo deve ser suspensa pelo presidente do STF. Ao apreciar o pedido da Folha, Dias Toffoli somente pode reconhecer a prevenção de Lewandowski e, por via de consequência, a incompetência de Luiz Fux para julgar questão que incide no caso distribuído previamente ao outro Ministro do STF.
O fragmento da decisão de Fux em que ele desautorizou a prolação de qualquer outra decisão antes da apreciação da questão pelo plenário do STF é absolutamente irrelevante. Ele não pode revogar o direito subjetivo da Folha de São Paulo de requerer a suspensão de sua decisão pelo presidente do STF. Fux também não tem o poder de cassar, limitar, cercear ou revogar o poder/dever outorgado ao presidente do Tribunal para restaurar a harmonia jurídica revogando uma decisão inválida proferida por Ministro incompetente para apreciar questão já decidida por outro.
A excepcionalidade da decisão de Fux não encontra fundamento nem na doutrina, nem na jurisprudência, nem na legislação. Ao cassa-la, Dias Toffoli dará um pequeno passo em direção à normalização da aplicação do Direito no Brasil. A cassação da decisão teratológica em favor do Partido Novo representará um grande salto em favor do restabelecimento da previsibilidade jurídica, da preservação da liberdade de imprensa prescrita na CF/88 e da restauração da autoridade da presidência do STF. - (Aqui).
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