Punição ou férias?
Por Bernardo Mello Franco
O caso chocou o país no fim de 2007. Aos 15 anos, uma adolescente foi jogada numa cela lotada de homens em
Abaetetuba, interior do Pará. Durante 26 dias, ela apanhou, teve a pele
queimada com cigarros e foi estuprada. A jovem havia sido presa sem
julgamento, sob a acusação de tentar furtar um celular.
Quando a história veio à tona, o chefe
da polícia paraense foi chamado a se explicar no Senado. Num plenário
cheio de parlamentares e jornalistas, afirmou que a jovem deveria ter
"alguma debilidade mental". Era a resposta oficial à barbárie: culpar a
vítima pela violência que sofreu sob a custódia do Estado.
Pouco depois, descobriu-se que o
delegado não era a única autoridade a lavar as mãos no episódio. A juíza
Clarice Maria de Andrade havia recebido um ofício "em caráter de
urgência" pedindo a transferência da jovem. O documento dizia que ela
corria "risco de sofrer todo e qualquer tipo de violência" na cadeia.
Apesar disso, a magistrada demorou 13 dias para tomar providências.
Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça
puniu a juíza com a aposentadoria compulsória. Ela recorreu ao Supremo
Tribunal Federal, que anulou a decisão e determinou que o CNJ voltasse a
examinar o caso.
Passados nove anos, o conselho decidiu nesta terça (11) que a omissão da juíza contribuiu para os abusos.
O relator Arnaldo Hossepian concluiu que ficou "evidente a falta de
compromisso da magistrada com suas obrigações funcionais". A defesa
alegou que ela desconhecia as condições da prisão.
A doutora foi afastada do cargo, mas
continuará a receber o salário em dia. Vai passar os próximos dois anos
em casa, com despesas pagas pelo contribuinte paraense. Manterá o
direito de ser chamada de "excelência" e poderá voltar ao serviço depois
da temporada de meditação doméstica. Na Lei Orgânica da Magistratura,
isso é descrito como pena de "disponibilidade". Em outras profissões,
seria chamado de férias.
(Fonte: Folha de São Paulo; texto reproduzido pelo Jornal GGN - aqui).
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