Ontem, dia primeiro, este blog reproduziu análise de autoria de Luis Nassif, sob o título "BC atribui queda da inflação a pequeno milagre da oferta e procura" - AQUI -, artigo que suscitou comentário de nossa lavra (que palavra!), com destaque para:
",,, Aguardemos o alarde eufórico que será feito nos próximos meses pelos porta vozes dos novos ocupantes do planalto, isso se eles efetivamente lá estiverem, ou seja, se, p. ex., o STF, caso consultado, vier a lavar as mãos ante à NÃO OBSERVÂNCIA do direito ao devido processo legal e presunção da inocência, irregularidade configurada em face do não julgamento, pelo Tribunal de Contas da União - e muito menos pelo Senado -, das contas governamentais relativas ao ano de 2015, onde residiriam os 'crimes de responsabilidade' apontados como embasadores do pedido de impedimento da presidente, acompanhados dos pareceres técnicos elaborados pelas áreas técnicas do governo atestando, conforme se alega, a justeza das providências contábeis adotadas.
A propósito, senadora integrante da Comissão Especial do Impeachment apresentou QUESTÃO DE ORDEM à direção da referida Comissão, arguindo a irregularidade mencionada - aqui-. É de supor-se que, dependendo da resposta à questão suscitada, os prejudicados recorram ao STF, detentor do epíteto de Guardião da Constituição. (...)."
A realidade acima exposta não parece despertar interesse, porém insistimos: poderá revelar-se imperiosa a necessidade de o STF dizer, caso obviamente venha a ser formalmente consultado/acionado, se estão ou não sendo respeitados os direitos previstos na Constituição consistentes em presunção de inocência e devido processo legal, e outros, eventualmente. (Ora, a Constituição preceitua: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" - Nem a lei do impeachment teria força para excluir, dizemos nós).
Abstraída, pois, a questão (que, nada obstante, para mim se mantém relevantíssima), passemos à antevisão de sombria conjuntura nacional que se avizinha, vislumbrada pela refinada argúcia do já citado Luis Nassif:
Xadrez de um período obscurantista que se espera breve
Por Luis Nassif
Tem-se o seguinte jogo na mesa:
Peça 1 - Um presidente interino, prestes a assumir o poder, com escassa legitimidade, dentro de um caso clássico de golpe parlamentar.
Peça 2 - uma guerra política prévia que dividiu o país ao meio espalhando o ódio.
Peça 3 - um aglomerado de forças dispersas, divididas entre vários núcleos de micro poder, prestes a tomar a cidadela adversária, sem obedecer a um comando central.
Peça 4 - Os últimos episódios parlamentares, tanto a votação da Câmara quanto o contraste chocante no Senado, entre propositores do impeachment e seus críticos, entre os argumentos de Janaína Paschoal e José Eduardo Cardozo. Para qualquer pessoa dotada do mínimo de discernimento, não há mais dúvidas quanto à natureza do golpe, deslegitimando ainda mais o novo bloco de poder.
Juntando as quatro peças não se tenha dúvida de que nos primeiros tempos do novo governo haverá uma verdadeira Noite de São Bartolomeu política.
Será um período de intensa repressão, de ajuste de contas, até que haja uma relativa unificação do poder de Estado e uma reação das vozes democráticas contra os abusos. Não será uma repressão centralizada, de Estado, mas uma vendetta generalizada em todos os setores onde houve disputa política e resistência ao golpe.
Será um período rico para análises de caráteres e de condutas. Os mais velhos verão muitos pontos similares com o período militar, com delações, acertos de contas, tentativas de expurgo, ações políticas contra os recalcitrantes. Muitos estranharão o comportamento de conhecidos, endossando arbitrariedades, expelindo ódio pelas ventas, contribuindo com delações, insuflando a vingança. Faz parte desses momentos excepcionais, em que a barbárie toma conta de um país e engolfa as instituições, trazendo à tona o que de pior existe na sociedade.
Nos últimos dias houve um pequeno ensaio do jogo.
· O indiciamento do advogado Augusto Botelho, acusado de conspirar contra a Lava Jato, por ter divulgado postagens no Facebook de delegados da Lava Jato em campanha pro-Aécio. Segundo a denúncia, ele teria “conspirado” contra o Superintendente da Polícia Federal em Curitiba.
· A juíza de Belo Horizonte que proibiu reunião do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) para manifestar discordância do processo de impeachment.
· As sucessivas ameaças de senadores a quem pronunciasse a palavra “golpe” na reunião da comissão do impeachment.
Os próximos capítulos já estão delineados.
No Judiciário, representações contra juízes que ousaram sair em defesa da democracia. Já existem pelo menos quatro casos no Rio de Janeiro.
No Ministério Público, representações contra procuradores que se posicionaram a favor da democracia. Vários casos em Brasília.
A Lava Jato prepara duas operações simultâneas: uma contra advogados das partes; outra contra jornalistas e blogueiros críticos.
E aí, o quadro político ficará exposto a um paradoxo curioso.
As arbitrariedades generalizadas são frutos da falência ampla do regramento político e jurídico, dos instrumentos institucionais e das regras sociais que regem as sociedades civilizadas, incluindo as normas que garantem direitos individuais.
É como se o golpe rompesse os fios que unem a Presidência da República, o STF (Supremo Tribunal Federal), os tribunais superiores, ao cidadão comum, toda a edificação que garante a convivência civilizada de pensamentos opostos.
O país está, de fato, ingressando no mais virulento faroeste, regredindo aos idos dos anos 60.
Em circunstâncias normais, caberia ao provável novo presidente Michel Temer organizar o estatuto da gafieira em que se converterá o país após o golpe. Mas, como, com a parca legitimidade e as ameaças que pairam sobre ele?
Sabe-se como os golpes começam; não se sabe como terminam.
E aí Temer terá um de seus grandes dilemas. Se estimular a guerra, ou mesmo se não conseguir evitá-la, terminará na fogueira, com o país envolto em uma pré-guerra civil.
Sua única saída será propor alguma forma de pacto. Mas como ser bem-sucedido se assume o poder de forma ilegítima? E quem serão os interlocutores, com a Procuradoria Geral da República buscando a todo custo a criminalização de Lula e Dilma, além de manter em suspenso os indiciamentos de Temer e Renan?
Os próximos meses exigirão um enorme exercício de boa-vontade – que, por sinal, é a matéria prima mais escassa no mercado da opinião pública. Será um período obscurantista, mas passageiro, a não ser que se aposte na volta do país à República Velha. Enquanto durar, doerá.
(Fonte: Jornal GGN - aqui).
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