quinta-feira, 26 de maio de 2016

GOVERNO INTERINO DÁ AULA SOBRE COMO DEGRADAR MAIS AINDA A DEGRADAÇÃO AGRAVADA POR SEU BOICOTE


S. O. S.

Por Jânio de Freitas

Um país com suas continhas orçamentárias bem ajustadas, dívida em extinção –e, pior do que estagnado, de volta aos níveis imorais de miséria, pobreza, desordem, ensino em retrocesso constante, saúde pública em coma terminal, indústria nacional desmantelada, desemprego e violência urbana. É o que se pode vislumbrar para os anos vindouros, se efetivadas as medidas que Henrique Meirelles e Michel Temer apresentaram –com o devido cuidado da imprensa para maquiar umas e encobrir outras– como pacote primordial da aventura que iniciam.
A medida central, que consiste em estabelecer um teto permanente para os gastos do governo, só aumentado na proporção da inflação anual anterior, traz para o país uma perspectiva fácil de se presumir.
Mesmo Dilma Rousseff reconhece, entrevistada para a revista "Carta Capital", o desastre econômico que foi 2015. Tudo no Brasil se deteriorou com intensidade assombrosa. A desgraceira que cresce, a ponto de atingir o olimpo das empresas financeiras, é apenas a continuidade de 2015 (por favor, nada de dizer "o ano que não acabou"). Os serviços públicos estão em pandarecos, os investimentos desabaram, as universidades desmilinguem, tudo é assim. Apesar disso, o gasto contabilizado do governo no ano passado foi de R$ 1,16 trilhão.
A esse montante, um exercício de Gustavo Patu, na Folha desta quarta-feira (25), aplicou as medidas propostas por Meirelles sob o olhar um tanto vago de Temer. Constatação: o 2015 de Meirelles teria os seus gastos limitados a R$ 600,7 bilhões. Metade, pode-se dizer, do gasto realizado. Por mais que tenha havido desperdício de dinheiro público naquele trilhão, não há como evitar a conclusão de que a brutalidade do corte proposto para a nova política econômica só pode trazer ao país a degradação da degradação. Se com um trilhão o país está em estado deplorável, com gastos pela metade pode-se imaginar como estará.
Ou melhor, nem estará. O crescimento econômico depende do investimento estatal que o inicie e o estimule. A iniciativa privada no Brasil (e não somente no Brasil) é privada mas não iniciativa. Meirelles não se ocupou dos investimentos, na apresentação inicial do plano, porque nem era necessário: o teto do Orçamento, corrigido só pela inflação, já indica a exiguidade de investimento em proporções mobilizadoras e de interesse por tê-lo.
Por falar nisso, Michel Temer comparou-se de raspão a Juscelino. Mas quem Temer faz lembrar é Collor com a combinação de loucuras e violência que aplicou como plano econômico. Não é inovadora, portanto, a complacência quase envergonhada com que a imprensa se faz colaboradora de Temer, como preço –autêntica liquidação de outono –de não ter o PT no governo nem o risco de Lula em 2018. Depois, lava-se a história, com ou sem jato. Mas o malabarismo praticado por muitos comentaristas oferece um lado cômico nessa história de salvar o salvador perdido.
Do cômico ao trágico: o corte proposto contra a educação é também contra os jovens de hoje e as próximas gerações de estudantes; o corte proposto contra a saúde é também contra as gestantes, as crianças e todos os carentes. Ambos são agressões ao espírito da Constituição e suas intenções de reparação social da nossa história de injustiças e perversidades.
A educação tem hoje, por garantia constitucional, ao menos 18% do arrecadado com impostos. A saúde tem garantia semelhante, em menor percentual. O plano Meirelles retira da educação e da saúde essa garantia de um mínimo que leve a ampliar e estender a educação, como se deu nas últimas décadas, e atenuar os problemas persistentes na saúde pública. Os valores ficarão congelados, com futuros acréscimos correspondentes apenas à fictícia correção pela inflação. Note-se que o ponto de partida, nesse congelamento, é o percentual deste ano de baixa arrecadação. Logo, educação e saúde já começam com perda substanciosa.
Contas certinhas (no diminutivo, sim, porque serão cada vez menores), que beleza. Para um futuro condenado sobre um presente caótico. (Fonte: Folha; transcrito no Jornal GGN - aqui).
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Educação e Saúde são os maiores investimentos que uma Nação de respeito pode realizar, e não podem sofrer quaisquer danos. Nem que para tanto se imponham, por exemplo, a taxação de grandes fortunas e a moralização radical do contido no artigo 37 da Constituição sobre teto de remuneração do servidor público.
[Por falar em SUPERSALÁRIOS, convém lembrar que Projeto de Lei apresentado pelo governo Dilma em março permanece solenemente engavetado na Câmara dos Deputados, desde que para lá foi mandado por Eduardo Cunha. O assunto, aliás, está, pelo visto, irremediavelmente condenado ao desprezo, com a conivência da grande imprensa: Quantas vezes o leitor viu algum repórter dirigir perguntas sobre ele nas coletivas? Quantos editoriais nos jornalões?].  
Portanto, tudo é cortável, inclusive Educação e Saúde, mas, ao lado do Serviço da Dívida Pública e dos mimos aos rentistas, têm trânsito garantido as benesses, penduricalhos e mordomias gentilmente oferecidas a privilegiados servidores - que, claro, antes mesmo de servidores são mesmo é formadores de opinião cujo apoio é primordial para a sustentação do status quo. (E olha que o auxílio-moradia, "benefício" pago a todos eles, por ser classificado como verba indenizatória - criatividade singular do STF! - está livre da limitação do teto remuneratório e também do imposto de renda, e mais: é pago, todo mês, "no ato", independentemente de o felizardo ter de cumprir qualquer requisito, como o de pagar aluguel, ser proprietário do imóvel, essas coisas).
O S. O. S. é pertinente, sem dúvida. 
Ao que se vê, para o governo interino o importante é que se alcance a paz, mas a paz do pântano: na superfície, águas suaves; no leito, arraias, traíras e jacarés.

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