segunda-feira, 30 de maio de 2016

AINDA A PROPÓSITO DE JUCÁ


"Não foi porque o senador Romero Jucá propôs uma mudança nos acordos de leniência para empresas apanhadas na Lava Jato, ou para preservar o princípio jurídico de não prender condenados  antes de julgamento em última instância, ou ainda de não permitir a delação premiada de encarcerados que discordo dele. Não sou senador, não estou indiciado na Lava Jato, não tenho nada que me incrimine em qualquer instância judicial. Sou um simples cidadão. E na condição de cidadão acho que o Senador, nesses pontos, tem razão.
Devo acrescentar que também nada ganho por eventualmente defender, em princípio, acusados da Lava Jato, sobretudo quando se trata de violação dos Direitos Humanos, a exemplo da negativa sistemática de habeas corpus, da presunção de inocência e do devido processo legal. Claro que as motivações do Senador não são exatamente as minhas. Entretanto, no campo objetivo, estamos do mesmo lado. É o lado também de um dos mais respeitados e competentes parlamentares dessa legislatura, o deputado Wadih Damous.
Ao mudar a Constituição por conta própria no caso da prisão de condenado na segunda instância, o Supremo indiscutivelmente invadiu competência do Legislativo. Mas isso foi acolhido pela grande mídia como fato tão natural que a iniciativa de Damous, ex-presidente da OAB-Rio, foi fulminada pelo juiz Sérgio Moro como um ataque às investigações da Lava Jato e à segurança das investigações. É inacreditável que um juiz que tenha tanto poder nas mãos, exercido por ele de forma ditatorial, queira  manipular também o Legislativo.
Costumo dizer que o cidadão brasileiro, que em qualquer sistema liberal seria investido constitucionalmente de defesas jurídicas contra as arbitrariedades do Estado, se veja numa circunstância única de pagar por instituições que lhe impõem condições até mesmo de tortura psicológica, não muito piores que a tortura física. De fato, contra o acusado, sozinho com seu advogado, se erguem as fortalezas institucionais da Polícia Federal, do Ministério Público, do Juízo de instrução e, por último, e ainda mais importante, a grande mídia.
Vivemos uma situação trágica do ponto de vista econômico e sócio-político.  As instituições estão derretendo, e a causa imediata disso foi a forma de condução da Lava Jato. Amigos meus me perguntam: “Mas o que você quer? É contra o combate à corrupção?” Isso é uma pergunta fundamentalmente tola. A Lava Jato não é propriamente uma investigação policial, é uma investigação-espetáculo. Hoje Inês é morta, mas se no seu início fosse conduzida discretamente, com responsabilidade pública, o desastre não teria acontecido.
Investigação-espetáculo é um recurso de polícia de quarto mundo. A crise de 2008 nos Estados Unidos gerou muitas investigações, poucas prisões pessoais e grande número de indenizações, mas não impediu o restabelecimento da economia. As instituições do primeiro mundo não são loucas de permitir isso porque as grandes vítimas são a sociedade e o povo em geral. Atacar a corrupção como efeito apenas de ação pessoal, e não sistêmica, é produto de ignorância das relações sociais. A Lava Jato, seguindo o curso atual, liquidará com o Brasil.
Por essas razões apoio as declarações de Jucá acima mencionadas. Por outro lado, ele se revela um ignorante em economia que merece ficar longe do timão do Estado. Dirigindo-se a outros caciques partidários, inclusive ao Aécio, argumentou com real sinceridade que é indispensável para a governabilidade fazer uma reforma previdenciária. Esse foi o homem que Temer colocou no Planejamento. Não lhe disseram que a Previdência privada, mesmo com a crise fiscal, está equilibrada. E a Previdência pública, pela Constituição, é obrigação do Estado.
O fato é que Jucá não passa de uma peça circunstancialmente colocada na máquina de aprofundamento do  projeto neoliberal que levou o nome de Ponte para o Futuro. É uma ponte para a sublevação social. E o que me espanta não é propriamente os objetivos ideológicos desse projeto, mas o despreparo de seus implementadores. Jucá não sabe absolutamente nada de economia. E, no entanto, estava-lhe destinado o principal ministério de formulação do governo Temer. O que devemos esperar para mais adiante?"



(De José Carlos de Assis, economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ, post intitulado "Lava Jato derruba o senador Jucá e sem querer salva a previdência", publicado no Jornal GGN - aqui.

"Ao mudar a Constituição por conta própria no caso da prisão de condenado na segunda instância, o Supremo indiscutivelmente invadiu competência do Legislativo. Mas isso foi acolhido pela grande mídia como fato tão natural que a iniciativa de Damous, ex-presidente da OAB-Rio, foi fulminada pelo juiz Sérgio Moro como um ataque às investigações da Lava Jato e à segurança das investigações. É inacreditável que um juiz que tenha tanto poder nas mãos, exercido por ele de forma ditatorial, queira  manipular também o Legislativo."

a - Ao mudar a Constituição por conta própria o que o Guardião da Constituição fez foi violentar a Carta Magna, simples assim;  b - Depois das palavras do juiz Moro sobre os dois PLs apresentados por Wadih Damous, parlamentar que agiu segundo direito assegurado pela Constituição, a conclusão a que se chega é de que o juiz Moro se considera superior à própria Constituição, com o que, aliás, a grande imprensa e demais formadores de opinião concordam e estão preparados para reagir contra inadvertidos discordantes). 

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