Os economistas de mercado e a técnica de criar pessimismo
Por André Araújo
JOGO BRUTO - OS ECONOMISTAS DE MERCADO - No começo do Século XIX, os banqueiros londrinos especulavam com as batalhas napoleônicas. Se o general francês perdia, os títulos do Tesouro inglês subiam porque significava que o Império Britânico estava sólido, se Napoleão ganhava subia o ouro porque os ingleses poderiam ter que fugir da Europa e aí era preciso ter ouro para começar a vida em outro lugar. Mas se o especulador "exagerasse" a vitória de Napoleão os títulos britânicos cairiam mais ainda, e se as derrotas de Napoleão fossem magnificadas o ouro explodiria de preço, a técnica de criar pessimismo nas crises nasceu aí, criar um "clima" ruim derruba as cotações, que bom.
Nasceu dessa simples constatação a ideia de que pode-se "aumentar" as crises insuflando o lado ruim e escondendo o lado bom. Há uma categoria de economistas no Brasil, amplamente majoritária, que se especializou em "detonar" o Brasil sempre que uma crise aparece na tela. Os chamados "economistas de mercado" são os que estudaram aqui e depois no exterior dentro de "modelos" fechados onde as variáveis sempre precisam estar no lugar definido para elas porque senão será o caos, a tragédia, o fim dos tempos para um País. É uma visão que hoje se depara na grande imprensa através da voz exclusiva nos cadernos de economia dos "economistas de mercado" e seus divulgadores.
A crise brasileira, basicamente política e de governança, é muito séria. Decisões erradas manejadas erraticamente, diagnósticos falhos, operadores bisonhos. Tudo é verdade. Mas há um exagero proposital no pessimismo criado a partir de realidades. O Brasil é como aquele bilionário que fez um mau negócio ou arranjou uma amante gastadora, coisa que acontece com frequência. Tudo é verdade, o mau negócio e a amante "rainha de loja". Mas o bilionário não ficou pobre por isso, continua riquíssimo, apesar dos maus passos. O Brasil fez maus negócios mas continua riquíssimo.
O Brasil é um dos maiores países emergentes em recursos naturais, humanos, industriais, agrícolas, minerais e esses ativos continuam no mesmo lugar, não foram destruídos como foi a Alemanha na Segunda Guerra.
O exagero no pessimismo joga holofote sobre o lado "nacional" da economia - governo, Petrobras, crise hídrica - e coloca no quarto escuro para ninguém ver o "mundo financeiro internacionalizado", a começar por uma conta de 500 bilhões de reais de juros espetados no Tesouro; aí não interessa chamar a atenção, os "de mercado" não dão entrevista sobre isso: fanáticos dos juros altos, que consideram remédio para tudo, o grande corretivo, eles veneram juros altos.
Hoje visitei um amigo que está vendendo uma participação minoritária em duas pequenas centrais hidroelétricas, o majoritário é um grupo estrangeiro. Fecharam um preço com uma taxa de desconto sobre retorno de 16%, razoável no setor elétrico; dias depois o estrangeiro piorou a oferta: agora quero um desconto de 18% porque as condições do País pioraram muito; isso na semana passada; hoje, de novo, baixaram a oferta para 22% de desconto; entre a primeira e a terceira oferta o preço caiu para menos da metade; a alegação foi "mas o Brasil está em ruínas, o País está se desfazendo". O pessimismo dos economistas de mercado ajuda a baratear o Brasil, como faziam os banqueiros londrinos nos tempos de Napoleão. Os estrangeiros se baseiam nos nossos "economistas de mercado" que na TV, jornais, rádios aparecem todo dia vaticinando desgraças do fim do mundo, apoiados pelos jornalistas do descarrego.
Tenho minha versão que essa crise foi artificialmente fabricada por esse grupo, que é o mesmo que desde 1995 controla o arcabouço básico do Ministério da Fazenda-Banco Central; não são as mesmas pessoas mas são o mesmo grupo ideológico de formação monetarista ultra neoliberal americanizados até nos trajes e trejeitos.
Os erros que todos conhecemos existem sim, não se os pode negar. Mas a velocidade da crise, o rebaixamento do rating, a manutenção da política de juros altos, é o resultado do manejo desse grupo sobre a economia internacionalizada pela via do mercado financeiro. A recessão foi induzida pelo BC, o objetivo paranoico de mirar uma meta de inflação de 4,5% para o próximo ano, como se isso fosse mais importante do que sair da recessão e voltar a crescer, não é obra do acaso, é construção deliberada do grupo de "economistas de mercado". Hoje é raro encontrar um economista de indústria, de agricultura, do comércio. Temos o excelente Antonio Correa de Lacerda, o Marcel Solimeo, o José Luis Fiori, se contam nos dedos de uma mão; os "de mercado" suplantam por larga margem.
Foi emocionante ver a alegria desse grupo quando a Standard & Poor's rebaixou a nota do Brasil. "Está vendo? Não disse? E olha que as outras agências vão baixar amanhã ou depois", falavam com alegria no bar da Trattoria Fasano da Faria Lima, comemorando a rebaixa do rating.
Para o mercado financeiro a recessão brutal é ótima, a liquidez passa a valer muito mais, as empresas no Brasil estão de graça, dá para fazer ótimos negócios, imóveis despencaram de preço, as elétricas podem ser compradas a preço de baciada de banana na feira, as indústrias então imploram por um fundo estrangeiro caçador de pechinchas.
O pior é que a atual liderança no Ministério da Fazenda joga no time dos "de mercado", não tem um fiapo de ideia fora do modelito, até o lencinho branco no paletó é o que se usa em Chicago, universidade de onde saíram 9 Prêmios Nobel de Economia, NENHUM dos quais interessado na economia da produção: todos criaram modelos voltados para a finança; o máximo foi a dupla Myron Scholes e Robert Merton, que ganharam juntos o Prêmio e foram os pais intelectuais da mega crise financeira de 2008, assim como o fundador do monetarismo, Irving Fisher, foi o pai intelectual da crise de 1929. Quem estudou economia na Universidade de Chicago tem uma tatuagem no cérebro que não sai mais, a escola fundada por John Rockefeller e celebrizada por Milton Friedman é o Vaticano da economia financeirizada, que já liquidou tantos países, o último dos quais a Grécia. Pois daí tiramos nosso atual Ministro da Fazenda, que já encontrou a cama da recessão pronta no Banco Central por burocratas da mesma linha que estão contentes com o desemprego, pois assim se atinge a meta de inflação mais cedo, o desempregado não pode comprar no supermercado, que ótimo, assim os preços tem que baixar e ajudar a meta. Para se ter uma ideia da internacionalização do BC, o célebre Luis Awazu, há décadas no circuito MF-BC, sai da Diretoria Internacional diretamente para o BIS-Banco da Basileia há poucos meses, e entra no seu lugar o Tony Volpon, morando há décadas no exterior.
Ao contrário do que dizem os "economistas de mercado" HÁ UMA ENORME LIBERDADE DE AÇÃO para um País grande e de moldura geopolítica especial, um País-chave para o sistema ocidental de economia, os outros BRIC são asiáticos e não são parceiros do sistema ocidental. O Brasil tem um IMENSO CAPITAL GEOPOLÍTICO: maior exportador de alimentos do planeta, passou os EUA, pode dar as cartas e não precisa se submeter à absurda "financeirização da economia" vendida pelos economistas da PUC-Rio em 1994 e que até hoje nos domina. Somos muito maiores do que essa crise fabricada aqui dentro pelos "de mercado" aves agourentas que acham que o Brasil é uma m.... de País e que não tem salvação fora da receita deles. Getúlio Vargas e Juscelino jamais aceitaram essa tutela que sempre quiseram nos impor; agora são mais descarados, mas a tentativa sempre existiu. Quando o Brasil tinha uma dívida impagável em bônus, Oswaldo Aranha, Ministro da Fazenda, bolou o "Plano Aranha" e reduziu a dívida em dois terços, tudo isso em poucos meses. Tudo pode ser renegociado MAS não dá para renegociar nada quando o agente do estrangeiro está aqui dentro operando contra o Brasil.
A crise existe mas ela é perfeitamente manejável com quem trabalha para o Brasil, hoje a crise é matéria prima na mão dos "economistas de mercado" e é para dominar e extorquir o Brasil, como o sócio do meu amigo está fazendo.
A propósito, desculpem a imodéstia, mas eu previ exatamente que isso iria acontecer em meu livro A ESCOLA DO RIO sobre o que iriam fazer com o Brasil os economistas da PUC-Rio na sequência do Plano Real, isso há vinte anos atrás; infelizmente estão fazendo o que eu disse que fariam porque é da lógica do modelo.
Acima a biografia de William Rhodes, banqueiro do Citibank da velha geração pré-Real, nada a ver com os economistas de mercado, era um banqueiro de verdade: não importava a crise, procurava salvar o cliente e fazê-lo prosperar novamente, fazia qualquer negócio com dívidas impagáveis, ao contrário dos de hoje, não trabalhava para aumentar a crise mas sim para resolvê-la o mais rapidamente possível. Resolveu as grandes quebras da década de 90, Rússia, Coreia do Sul, Tailândia, México e Brasil, sem perder o otimismo, faltam banqueiros dessa estirpe hoje. (Fonte: aqui).
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