sábado, 24 de outubro de 2015
A TV MANIPULADA NO CHILE DE PINOCHET
TV chilena exuma suas imagens e expõe mentiras e farsas pró-Pinochet
Por Mário Magalhães
Nunca é tarde para contar a história como a história aconteceu. E para incomodar os acomodados, também além fronteiras. Quarenta e dois anos depois do golpe de Estado contra o presidente constitucional Salvador Allende, a Televisión Nacional de Chile (TVN) exibiu no mês passado um programa sobre como a própria emissora pública manipulou informações a favor da ditadura que vigorou no país de 1973 a 1990.
Nos arquivos do canal, o repórter Raúl Gamboni Silva e uma equipe de jornalistas garimparam antigas imagens. Encontraram reportagens mentirosas. Mais precioso ainda, descobriram vídeos originais e os compararam com os que foram ao ar, dissecando em minúcias as fraudes da propaganda pincelada com o verniz de “jornalismo''.
Há muito tempo, no Cone Sul, é possível investigar as falsificações históricas cometidas por jornais e revistas impressos, em boa parte simpáticos e coniventes com os ditadores que infestaram a região nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Basta consultar os sites das publicações que dão acesso às edições de outrora ou visitar bibliotecas (no Brasil, a Hemeroteca Digital, da Biblioteca Nacional, é mão na roda). Mas é raro canais de TV, constrangidos pelo que aprontaram anteontem, permitirem a pesquisadores passear por seus acervos.
O que Gamboni exumou não foi somente o chaleirismo despudorado que os brasileiros que viveram a “nossa'' ditadura (1964-1985) conhecem bem. Incluindo, na Copa de 78, a bajulação a açougueiros genocidas como o general argentino Jorge Rafael Videla (sim, meninos, eu vi, e não esqueço).
Num episódio criminoso de armação, agentes do regime do ditador Augusto Pinochet assassinaram guerrilheiros numa área rural. A TVN difundiu matéria informando (sic), como queriam os repressores, que os oposicionistas haviam sido alvejados em confronto. O áudio que foi ao ar chancelava a versão oficial, com uma barulheira infernal de tiros.
Nas prateleiras da emissora, estava não somente a reportagem exibida, mas também o filme com som original. Nele, só se ouve o barulho de pessoas caminhando. Os tiros foram incluídos mais tarde, para enganar os espectadores e esconder o massacre.
Noutra oportunidade, um repórter de fancaria catou no chão cartuchos que provariam que militantes de esquerda dispararam contra policiais e militares. Na verdade, uma família inteira não havia trocado tiro algum, mas sido presa e torturada até a morte (um padre testemunhou, após ver os cadáveres: uma mulher teve os dois olhos arrancados; noutra, grávida, o feto apareceu entre as pernas).
Se a ditadura inventava um tal “Plano Z'', projeto de “terroristas'' para matar autoridades, a TV trombeteava. O plano nunca existiu.
Numa cadeia, em Pisagua, cenas e declarações de presos foram regravadas para disfarçar o ambiente de horror e extermínio. Os takes em que apareciam guardas armados até os dentes foram suprimidos da edição.
A TV pública transmitia “entrevistas'' de militantes encarcerados dizendo que eram bem tratados e avacalhando as organizações às quais pertenciam. Os alegados jornalistas apenas reproduziam o que as Forças Armadas determinavam. Mesmo quando estava claro que houvera tortura e outras chantagens.
Em suma, “jornalistas'' operando meios de comunicação para controlar a opinião pública. Obedeciam aos manuais de “preparação psicológica'' elaborados pela ditadura, ensinando a cascatear para influenciar mentes.
O programa “Informe Especial'' da TVN contou em 51 minutos, com o título “As montagens da ditadura'', histórias que não honram o jornalismo ou a propaganda travestida de jornalismo.
Para mostrar que nem todos os gatos são pardos, o programa foi oferecido à memória de Máximo Gegga Ortiz, jornalista da TVN assassinado por órgãos de segurança aos 26 anos, em 1974. Até hoje é um “desaparecido político''.
Quando, no Brasil, as emissoras de TV abrirão os seus baús?
P.S. 1: para assistir ao programa da TVN, em castelhano e sem legendas, basta clicar (...) neste link.
P.S. 2: para saber mais sobre o exercício de transparência da emissora, há uma boa reportagem aqui, em espanhol.
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(Fontes: aqui e aqui).
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No Brasil, prosperou nos anos de chumbo o princípio "aos amigos, tudo; aos inimigos a lei de segurança nacional e a conivência dos amigos". Sobre a conivência dos amigos, traduzida em distorções/omissões jornalísticas as mais vexatórias sobre episódios marcantes, a exemplo do martírio de Vladimir Herzog, do atentado do Riocentro e dos comícios das Diretas-Já, além de fatos corriqueiros do universo cultural, o semanário O Pasquim cunhou um chavão que perdurou por um bom tempo em prosas e charges e que enfatizava a 'desculpa' apresentada por empresários midiáticos, editorialistas, colunistas diversos e demais parceiros: "Eu preciso sobreviver, entende?"
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