quinta-feira, 22 de outubro de 2015

UMA ESTRELA E SUAS SINGULARIDADES


KIC 8462852, uma estrela que desafia a imaginação

Por Helio Rocha-Pinto

Às vezes uma observação astronômica rende algo mais interessante e inesperado do que o objetivo inicial que a motivou. A lista de importantes descobertas acidentais é longa e data de, pelo menos, o século XVII, quando Galileu descortinou o sistema de satélites de Júpiter, as fases de Vênus, as montanhas da Lua e as manchas solares.
Uma descoberta anunciada nesta semana candidata-se a ser a mais recente adição a essa notável lista: uma estrela que teria, em sua órbita, objetos diversos cuja natureza ainda não foi possível precisar. E justamente por isso deu azo a diversas hipóteses que incluem até mesmoesferas de Dyson, uma espécie de artefato coletor de luz que se especula ser factível de construção por civilizações que dominem tecnologia extremamente superior à nossa.
A estrela em questão se chama KIC 8462852 e é uma das 150 mil estrelas monitoradas pelo telescópio espacial Kepler ao longo dos últimos 4 anos.
O telescópio Kepler foi lançado com equipamentos desenvolvidos para medir pequenas variações de brilho na luz das estrelas. A maioria dessas variações se deve a fenômenos físicos internos das estrelas, como os chamados estelemotos, os sismos estelares, análogos aos sismos terrestres. Outras variações se devem à presença de manchas estelares, fruto da atividade magnética da estrela, tais como as manchas solares. Contudo, as variações de brilho estelar mais empolgantes, tanto para cientistas, quanto para o público leigo, são aquelas produzidas pelos trânsitos planetários, quando um corpo em órbita da estrela bloqueia a luz de parte desta. Em termos mais populares, um trânsito é um eclipse -- com a diferença de que apenas parte muito pequena da luz estelar é bloqueada, devido á diferença de tamanho entre estrela e corpo orbitante.
Pelo monitoramento da luz da estrela, é possível identificar a origem da variação da luz. Esses fenômenos provocam perdas de luz que podem ser bem caracterizadas e estudadas. Tanto assim que Kepler já permitiu a descoberta de 1000 planetas extrassolares e de 3601 outros candidatos a planetas extrassolares que precisam ser confirmados com observações adicionais.
Eis que KIC 8462852 estava no meio dos dados. Ela  chamou a atenção dos pesquisadores porque sua luz variou por até 20% de intensidade nos últimos 4 anos, durante períodos que duraram de 5 a até 80 dias. Algumas dessas variações de luz mantiveram periodo regular de cerca 20 dias até desaparecerem.
Os cientistas que estudaram os dados cogitaram que as medidas deviam estar erradas, talvez por falha mecânica no telescópio Kepler. Todavia, nenhum erro de medida foi encontrado.

O padrão de luz sugere que há uma grande quantidade de matéria que circunda a estrela, bem próximo de sua superfície. Isso seria esperado se a estrela fosse jovem, pois estrelas recém-nascidas têm esse disco de material que sobra da formação estelar. Porém a estrela não é jovem, mas sim de dona de uns poucos bihões de anos de vida.

A situação é muito confusa. Se a natureza tivesse depositado cegamente esta confusão de destroços em torno da estrela, tal deveria ter sido feito recentemente, do contrário, a gravidade já teria agido para dispersar o material. Seguindo essa ideia, os cientistas da Universidade de Yale publicaram recentemente um paper em que descrevem esse bizarro padrão de luz. As hipóteses propostas exploram uma série de cenários que incluem os estilhaços de um "engavetamento" no cinturão de asteróides, sobras duma recente colisão entre planetas e uma esquadrilha de cometas que poderia ter sido ativada por alguma passagem estelar próxima.
Mesmo estes fenômenos seriam uma extraordinária coincidência, pois teriam de ter acontecido no curto espaço de tempo em que desenvolvemos a técnica de enviar telescópios ao espaço e fomos capazes de observar o acontecimento. Em termos cósmicos, é uma faixa de tempo desprezivelmente curta.
No entanto, seja qual for a explicação, há de ser rara, pois apenas essa estrela mostrou tal variação de luz, em meio a outras 150 mil monitoradas.

http://hypescience.com/wp-content/uploads/2010/02/encontrar-vida-alienigena-4.jpg
Hipotética esfera de Dyson em torno de uma estrela.
A raridade do fenômeno instigou outro grupo de pesquisadores a hipotetizar que os objetos em órbita possam ser artefatos construídos por civilizações inteligentes e extremamente evoluídas. Seriam, talvez, artefatos como as esferas de Dyson, construções de tamanho descomunal que englobariam a estrela, coletando grande parte de sua luz para convertê-la em fonte de energia. Há muito que se especula que civilizações extremamente avançadas poderiam ser capazes de desenvolver essas estruturas e que elas, se existissem, poderiam ser constatadas por variações de luz estelar.
Essa hipótese é cativante, mas talvez seja a mais improvável de todas. Contudo, não pode ser descartada de antemão. Justamente por isso, os cientistas de Yale e da Universidade Estadual da Pensilvânia preparam uma proposta de observação com radiotelescópios, para tentar captar eventuais transmissões em ondas rádio que provenham dessa estrela. Isso poderia refutar a hipótese das esferas de Dyson ou, quem sabe, alimentá-la com novos dados cuja explicação requeira o uso de especulações adicionais.
A ver e esperar. (Fonte: aqui).

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"O UNIVERSO NÃO É APENAS MAIS ESTRANHO DO QUE IMAGINAMOS; ELE É MAIS ESTRANHO DO QUE PODEMOS IMAGINAR".

(John Burdon Sanderson Haldane - Geneticista e biólogo indiano; 1892/1964. A reflexão de Haldane foi citada por Arthur C. Clark, inventor e ficcionista inglês, 1917-2008, autor, entre várias obras, do conto "A sentinela", que deu origem ao filme 2001: Uma Odisseia no Espaço). 
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Nota: Outro post sobre o assunto pode ser lido aqui.

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