A lei anticorrupção americana e sua aplicação seletiva
Por André Araújo
Os Estados Unidos tiveram momentos escatológicos de corrupção em sua história política de 239 anos. A Prefeitura de Nova York e o governo do Estado de Nova York foram símbolos da mais escandalosa corrupção politica, que virou palavra de dicionário - Tammany Hall -, sinônimo de corrupção.
Há um filme de Deanna Durbin, da década de 40, antológico, onde a atriz chega em Nova York como imigrante com seu pai irlandês analfabeto, é recepcionada no próprio navio por agentes de Tweed, o chefe político de Nova York, é dia de eleição e fazem o pai analfabeto votar 17 vezes, depois arranjam um emprego para ele como superintendente do Central Park, porque sendo analfabeto iria deixar passar toda a roubalheira que eles planejavam fazer no parque.
O Estado de Louisiana e o Estado do Texas viveram sob o manto da mais profunda corrupção política; o Presidente Lyndon Johnson tem uma biografia das mais pujantes em matéria de corrupção que se liga a ele desde o primeiro dia de sua vitoriosa carreira política. A Prefeitura de Chicago, há quatro gerações nas mãos da mesma família Dailey, é outro sinônimo de corrupção política nos EUA: (...) ajudou decisivamente Kennedy a se eleger com votos comprados, sendo a mesma máquina política de votos de cabresto patrocinadora da eleição de Barack Obama, político de Illinois, onde os Dailey reinam há quase um século. A máquina política mafiosa de Tom Prendergast dominava Kansas City, no Missouri, e coube a ele escolher um desconhecido vendedor de camisas para compor a última chapa presidencial liderada por Franklin Roosevelt. Prendergast indicou um certo e desconhecido Harry Truman, que virou presidente pela morte de Roosevelt e depois reeleito. Naquela época os EUA eram dominados, especialmente no Partido Democrata, por máfias políticas regionais que vendiam votos em bloco a troco de futuras vantagens. Hoje diminuiu muito, mas (...) o mundo politico e eleitoral americano não é nada limpo.
A Lei Anticorrupção FCPA de 1973 foi um marco na luta anticorrupção empresarial nos EUA. Mas os americanos são práticos. Nem sempre ela se aplica; há circunstâncias e conveniências. O programa OIL FOR FOOD, um conjunto de sanções aplicadas ao Iraque de Saddam Hussein pela ONU, permitiu um gigantesco esquema de corrupção onde o total de propinas alcançou US$10 bilhões de dólares, e o envolvimento de empresas americanas foi significativo. A trading de petróleo GLENCORE, anteriormente Marc Rich & Co., de Zug, na Suíça, no papel uma empresa suíça (mas na verdade todos os seus sócios eram americanos), foi a Rainha do programa Oil for Food: mereceu uma condenação de mais de US$400 milhões e altas penas de prisão promovidas pelo Departamento de Justiça, mas no fim tudo foi perdoado pelo Presidente Clinton porque Denise Rich foi uma das maiores contribuintes das campanhas Clinton.
Ver no link o relatório sobre a corrupção desse programa OIL FOR FOOD, produzido pelo respeitado COUNCIL ON FOREING RELATIONS, de Nova York, com os números da corrupção. O professor Marco Antonio Villa se engana quando diz que o petrolão é o maior caso de corrupção da história da humanidade; não fica nem entre os vinte maiores.
O mesmo Iraque volta à cena na segunda invasão, a de 2003, quando a indústria do petróleo foi literalmente saqueada por iraquianos aliados a funcionários americanos, tendo sumido do Ministério do Petróleo e da Companhia Nacional Iraquiana de Petróleo cerca de US$30 bilhões em dez anos via esquemas de trading girados na Jordânia e transações triangulares com bancos de Beirute, um dos quais desviou US$3 bilhões em um só dia.
Hoje os EUA tem excelentes relações com a SONANGOL, estatal de petróleo de Angola, empresa que vende toda a sua produção para os EUA e é operada basicamente por empresas americanas através de contratos de prestação de serviços. A corrupção da família presidencial de Angola, começando pela bonita Isabel dos Santos - no ranking da FORBES com 3,7 bilhões de dólares -, que vive entre Londres, Lisboa e Rio, nunca despertou a atenção do Departamento de Justiça sobre essa empresa, que é uma universidade de corrupção em nível astrofísico.
Há, portanto, uma seletividade na aplicação da FCPA: depende do alvo, do caso, do País e das circunstâncias.
E aqui temos certos bem pensantes que se extasiam com a pureza e o rigor dessas leis de pretensão extraterritorial.
O despacho da Reuters de agosto deste ano, que já publiquei aqui, dá notícia de que o Departamento de Justiça, abastecido por provas que vêm do Brasil, tem a pretensão de punir com altas multas empresas brasileiras que estão na lista do "petrolão" mesmo que não tenham qualquer negócio ou transação com os EUA: a Divisão Criminal chefiada por Leslie Caldwell e sua auxiliar Magdalena Boyton (chefe da seção América do Sul; participou em 2012 de Congressos do Ministério Público no Brasil) pretendem punir empresas puramente brasileiras que só operam no Brasil (com base) na lei americana FCPA, sem sequer ter dúvidas de que sua jurisdição se projeta para fora das fronteiras americanas.
Provavelmente tem sua dose de razão: a reação aqui é tão passiva que vale a pena tentar cobrar multa no Brasil por atos praticados no Brasil por brasileiros contra uma empresa estatal brasileira. Provavelmente terão brasileiros para ajudar na cobrança. (Fonte: aqui).
Nenhum comentário:
Postar um comentário