sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

FUKUSHIMA, CHINA E AS RESTRIÇÕES À INFORMAÇÃO


O sigilo sobre Fukushima

Por Ralph Nader

Lei de segredos de Estado provoca críticas de cientistas e académicos que consideram a nova legislação uma ameaça "aos princípios pacifistas e direitos humanos fundamentais estabelecidos na constituição", que deveria ser rejeitada imediatamente."


No mês passado, os partidos de coligação japoneses tramitaram no Parlamento uma Lei de segredos de Estado. É melhor que tomemos conhecimento disso.

De acordo com as suas disposições, somente o governo decide o que é considerado segredo de Estado e qualquer civil que divulgue algum segredo pode ser preso por até 10 anos. Jornalistas que tornarem o assunto público podem ser presos por até cinco anos.

Membros do governo têm-se sentido prejudicados pela constante revelação da sua negligência, tanto antes quanto depois do desastre nuclear de Fukushima em 2011, operado pela Companhia Elétrica de Tóquio (TEPCO).

Semana após semana, surgiram artigos na imprensa a apontar para a seriedade da contaminação do fluxo hídrico, a inacessibilidade do material radioativo presente nos reatores e a necessidade de conter as fugas radioativas que contaminam, cada vez mais, a terra, as plantações e o oceano.

Técnicos estimam que pode levar até 40 anos para limpar e desativar os reatores.

Há outros fatores que alimentam a certeza de um recuo democrático no país. O militarismo está a motivar o seu projeto de "democracia ameaçada", originada pelo atrito com a China pelo Mar do Sul. Militares dos EUA estão a pressionar para que aumente o orçamento militar japonês.
A China é a mais recente justificação de segurança nacional para a "articulação para o Leste asiático", provocada, em parte, pelo complexo industrial-militar norte-americano.

O sigilo rigoroso no governo e o apressar de projetos nas casas legislativas são maus presságios para a liberdade da imprensa japonesa e para o direito de discordância da população. Liberdade de informação e fortes debates – tendo o último sido cortado pelo Parlamento em dezembro de 2013 - são os aspetos chave da democracia.

O New York Times continua, surpreendentemente, a cobrir as condições deterioradas na área evacuada de Fukushima, porém com uma boa razão. Os EUA licenciaram diversos reatores com o mesmo design e com muitos dos padrões de segurança e inspeção inadequados. Alguns reatores estão próximos de áreas propícias para terremotos e de povoados que não poderão ser evacuados com segurança em caso de danos na parte elétrica do local. Os dois reatores envelhecidos da estação Indian Point situados a 30km de Nova York são um exemplo.

Quanto menos soubermos sobre as condições passadas e presentes de Fukushima, menos vamos aprender sobre reatores atómicos dos EUA.

Felizmente, muitos cientistas japoneses famosos, incluindo os ganhadores do Nobel, Toshihide Maskawa e Hideki Shirakawa, conduziram a oposição contra a nova legislação de sigilo com 3.000 assinaturas de académicos numa carta de protesto.

Esses cientistas e académicos declararam que a nova legislação é uma ameaça "aos princípios pacifistas e direitos humanos fundamentais estabelecidos na constituição e deveriam ser rejeitados imediatamente."

Seguindo essa declaração, a Associação de Cientistas Japoneses, companhias de média do país, associações de cidadãos, organizações de advogados e algumas legislaturas regionais opuseram-se à nova legislação. Pesquisas mostram que o público também se opõe a esse ataque à democracia. Os atuais partidos hegemónicos permanecem inflexíveis. Citam como razões para justificar a nova legislação "segurança nacional e combate ao terrorismo." Soa familiar?

A história está sempre presente nos pensamentos do povo japonês. Sabe o que aconteceu quando o país se inclinou para a militarização da sociedade e, consequentemente, liderou uma tirania intimidadora que motivou a invasão da China, Coréia e Sudeste Asiático antes e depois de Pearl Harbor. Em 1945, o Japão estava em ruínas, terminando com Hiroshima e Nagasaki.

O povo americano deve manter-se alerta para as provocações políticas e militares que o seu governo faz para a China, que está preocupada com um possível cerco aéreo e/ou marítimo americano e de aliados. As políticas comerciais dos EUA que têm facilitado às companhias americanas o envio de indústrias e empregos do país para a China deveriam receber total atenção de Washington.

A administração Obama tem de atentar para as inclinações autoritárias no Japão que as suas políticas têm encorajado ou ignorado – muitas vezes por trás das cortinas do próprio sigilo crónico norte-americano. (Fonte: Diário Liberdade, aqui).

Ralph Nader, norte-americano, é advogado e defensor dos consumidores.

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