sexta-feira, 24 de novembro de 2017

DISSERTANDO SOBRE O NEOLIBERALISMO


O neoliberalismo acabou em 2008, mas a notícia não chegou ao Brasil

Por André Araújo

O Neoliberalismo não é uma escola de economia e sim um ciclo de relançamento  das ideias da Escola Clássica como reação aos excessos do Estado do bem estar que se seguiu à Segunda Guerra; o Neoliberalismo foi então entendido como um contraponto às ideias intervencionistas de Keynes iniciadas antes da Guerra e implantadas na Europa no pós guerra.

Esse ciclo se iniciou com o Governo Thatcher no Reino Unido em 1979 e teve seu fim na crise financeira dos EUA de 2008. O ciclo neoliberal afetou de forma diferente alguns países emergentes. Nos EUA o neoliberalismo teve pouco espaço porque esse País nunca foi um Estado de bem estar social e toda sua economia sempre foi privada.  MAS teve um efeito na desregulamentação do mercado financeiro promovida pelo Presidente Reagan sob influência de Margaret Thatcher,  que assumiu  uma Inglaterra que no pós guerra teve implantado o mais amplo Estado de Bem Estar Social a partir do governo trabalhista de Clement Attlee em 1945 e das ideias de seu ideólogo, Lord Beveridge, pai do conceito do Welfare State. Processos parecidos com diferenças pontuais foram implantados na Europa continental.

Tanto no Reino Unido como no continente, especialmente na  França e Itália, as grandes empresas de serviços públicos e transportes, além da siderurgia e petróleo, eram  estatais, a economia inglesa era 55% estatal. A partir do governo Thatcher quase tudo foi privatizado e a economia sob controle estatal foi desregulamentada.
Foi essa desregulamentação que criou as bases para a crise financeira de 2008. Antes dela e por causa da crise de 1929, os bancos americanos não podiam sair de seus Estados e em alguns Estados só podiam ter agências em sua cidade sede. Os bancos comerciais não podiam ter ligação com bancos de investimentos e nenhum deles com seguradoras e nem com corretoras, tudo deveria ser bem separado. Reagan acabou com todas essas “paredes” e deixou misturar tudo, o que facilitou a criação dos títulos “subprime”, raiz da crise de 2008. Essa crise foi emblemática para o fim da crença de que o mercado resolveria seus próprios problemas e que o Estado deveria se afastar do mercado para não atrapalhar.
O neoliberalismo pregava o “Estado mínimo” e tinha mesmo um desprezo pelo Estado porque considerava o mercado um ente superior ao Estado em moral e eficiência.
Por essas ironias do destino o laboratório onde foi gestada a crise do subprime foi a firma GOLDMAN  SACHS, que inventou esse título de mercado, a mesma Goldman Sachs que inventou o acrônimo  BRICs e onde foi montado  (através do Institute of International Finance) o bordão  CONSENSO DE WASHINGTON,  que soou como música aos economistas tucanos do Brasil, o grupo que ao implantar as ideias neoliberais no Brasil em 1994 afastou como se fosse entulho o pensamento desenvolvimentista brasileiro, uma escola de pensamento criativa, inovadora, com sólidos fundamentos teóricos à qual o Brasil deveu na segunda metade do Século XX o MAIOR ÍNDICE DE CRESCIMENTO DO PLANETA, entre 1945 e 1975, 7% ao ano em média. Os “economistas de mercado” de 1994 implantaram políticas mal copiadas do centro neoliberal que produziram no Brasil, de 1994 a 2017, uma série de fracassos de política econômica e de baixo crescimento que desembocaram na atual recessão.
No caminho, as políticas neoliberais liquidaram com boa parte da indústria brasileira, que em 1994 produzia 23% do PIB e hoje mal chega a 9% do PIB. A liquidação da indústria nacional  não foi a única obra do neoliberalismo à brasileira. Na sua conta também estão o desemprego estrutural,  a rebaixa de salários e da renda real da população abaixo da classe média alta, um plano de país bom para 30 milhões de pessoas, com o abandono dos demais brasileiros.
E não se diga que nos anos do Governo do PT essa política não prevaleceu. O PT fez uma aliança tácita na ÁREA ECONÔMICA FINANCEIRA com o mesmo  grupo de economistas de mercado que vinha do governo anterior, economistas esses que comandaram o Banco Central desde então, apenas a tinta do governo do PT era de esquerda, o pulmão era neoliberal.
Esse conjunto de cardeais, títulos, rótulos e slogans do neoliberalismo de almanaque foi jogado ao mar pela crise dos subprime  de 2008, que levou à quebra um dos mais sólidos e tradicionais bancos americanos,  Lehman Brothers, e só não quebrou outros gigantes (como o mega CITIGROUP e a maior seguradora dos EUA, AIG,  bem como a maior empresa industrial daquele País, a GENERAL MOTORS) porque o Tesouro dos EUA salvou esses símbolos do capitalismo privado com o apoio financeiro imediato de US$780 bilhões através de um programa criado em três dias, o TARP, por iniciativa do Presidente Obama, que nunca foi adorador do mercado como ideologia de Governo mas por uma ação inteligente o salvou. (Nota deste blog: A alegação para a criação do TARP foi o famoso RISCO SISTÊMICO, ou seja, a quebra de um grande conglomerado poderia comprometer todo o sistema financeiro norte-americano. Daí a expressão à época consagrada: "Grande demais para quebrar").
O resgate pelo Estado do capitalismo americano e global dissolveu em ácido o neoliberalismo dos anos 70 e 80, não só pelo CHEQUE DA SALVAÇÃO emitido pelo Tesouro dos EUA como pelo fato incontestável de que a crise de 2008 foi causada exatamente pelo neoliberalismo que  patrocinou  a desregulamentação dos mercados pelo Presidente Reagan,  que era uma das metas  do neoliberalismo, a  outra eram as privatizações.
O neoliberalismo de Hayek foi sepultado pelos escombros de 2008;  a notícia todavia não chegou ao Brasil e muito menos ao grupo de ECONOMISTAS TUCANOS que dominam a governança da economia brasileira desde o Plano Real; pode-se também chamá-los de “economistas de mercado”, praticamente todos nascidos no mesmo ninho da chamada “equipe do Real”, cuja alma mater é a escola de economia da PUC Rio e que desde então se entrincheiraram no Banco Central, mesmo nos governos petistas; é um GRUPO COESO E ARTICULADO: quando não estão em Brasília estão em Washington, no FMI ou no Banco Mundial, como estão os dois últimos hierarcas econômicos do Governo Dilma, Joaquim Levy e Alexandre Tombini;  cada nomeado puxa outros da mesma patota para o “locus” onde se senta, seja no BC, no BNDES, na Casa das Garças, na FIRJAN, na FGV, no BID, no Banco Mundial, no FMI, na Secretaria de Política Econômica do MF.
Um exemplo marcante no governo  Dilma foi a nomeação para diretor de assuntos internacionais do Banco Central de Tony Volpon, banqueiro de investimentos residente no Canadá há muitos anos, um ultra neoliberal em pleno governo da ala esquerda do PT.
OS ÓRFÃOS DO NEOLIBERALISMO
A questão dos grandes acidentes de percurso do neoliberalismo foi tão grave que desmontou as premissas ideológicas de sua construção intelectual nascida na célebre conferência de Mont Pelerin, na Suíça, em plena guerra, 1944, e no livro O CAMINHO DA SERVIDÃO, de Hayek, que via o mercado como um ente sempre superior ao Estado na organização da economia. Na realidade a pregação de Hayek, apresentada como novidade, já era uma reciclagem da Escola Clássica, que  TINHA FRACASSADO  MISERAVELMENTE na crise de 1929, de raízes muito parecidas com a crise de 2008, excessos de mercados desregulados e falta de limites pela soma descontrolada de ganâncias dos operadores privados, ninguém controlando o todo.
O mercado, ao contrário da tese dos clássicos, NÃO se auto regula, não tem como evitar crises, estas historicamente SÓ SÃO RESOLVIDAS PELO ESTADO, é a lição da História.
A crise de 1929 teve reverberações  geopolíticas, sob seus escombros  nasceu o nazismo na Alemanha e criou-se o terreno para uma doutrina antagônica à Escola do livre mercado, aquela que encontrava no ente Estado as ferramentas para organizar a economia em uma COMBINAÇÃO de mercado e Estado, cada um com sua parte MAS sob a regência geral do Estado, portanto na premissa de que O MERCADO NÃO SE AUTO REGULA. Já na crise de 1929 e seus desdobramentos cataclísmicos nos anos 30 se comprovou o erro da ideia de que o MERCADO DEIXADO LIVRE FAZ TUDO de bom na economia. Simplesmente não faz.
A história das crises econômicas mostrou que só o Estado tem o poder e as ferramentas para desatar crises econômicas, algo que não se admite na recessão de hoje no Brasil: a equipe econômica e seus arautos na mídia creem que o próprio mercado vai acabar com a recessão.
O noliberalismo de Hayek, que é do pós Guerra, tentou fazer rebrotar aquilo que levou à crise anterior de 1929, foi tomado como algo novo quando era apenas uma tentativa de remontagem, um refogado aproveitando matéria prima vencida pela História, usando de ideias velhas e derrotadas anteriormente. As recicladas ideias de Hayek não pegaram logo depois da publicação do CAMINHO DA SERVIDÃO em 1945 mas rebrotaram no fim dos anos 70 e deram origem a uma roupa de brechó reformada, o “neoliberalismo”, incorporado no cardápio das universidades americanas como doutrina política charmosa acoplada a seu instrumental monetário, o monetarismo de Friedman, também uma reciclagem de outro monetarismo derrotado, o de Irving Fischer,  maior economista americano dos anos 20 que a duas semanas da crise de Outubro  de 1929 disse alto e bom som que “não havia risco algum de crise no horizonte”, crise essa que explodiu na sua cara e destruiu sua reputação e a da primeira Escola monetarista. Friedman reciclou o monetarismo de Fischer, bancado pelo Citibank, uma longa história que narro em 900 páginas de meu último livro, o monetarismo nasceu nas entranhas do Citibank, na época maior banco do mundo,  o CITI bancou a campanha e a revista de divulgação de Friedman e suas múltiplas conferências que divulgaram o credo monetarista por todos os EUA, virando a tese da moda dos anos 90.
O rescaldo das políticas neoliberais e seu instrumento, a globalização financeira,  foi de um lado a concentração do capital pela permissividade de fusões e aquisições e como contrapartida o desemprego, a precarização do emprego e o rebaixamento de salários em todo o mundo, a começar pelos EUA, com a criação de uma classe média com renda estagnada ou rebaixada há 20 anos, isso gerou Trump como vingança anti-sistema,  um  sinal de revolta de uma classe média empobrecida pela destruição da indústria americana via globalização.
A resultante histórica desse quadro é o populismo político com salvadores da pátria, em 1933 foi Hitler na Alemanha e assemelhados em outros países.
O NEOLIBERALISMO NO BRASIL
As ideias do neoliberalismo chegaram ao Brasil, como tanta coisa ruim, através de cursos em universidades americanas. Uma geração de economistas, muitos com bolsa pagas pelo governo brasileiro, estudou  em escolas de economia nos EUA  nos anos 80 e 90 e trouxe na bagagem de volta uma fanática crença nessas cartilhas neoliberais. Muitos desses economistas formaram o núcleo da chamada “equipe do Real” de 1994 e desde então, SEM INTERRUPÇÃO, comandam a política econômica brasileira. A base de seu comando foi a infiltração no Banco Central,  os governos petistas  nunca honraram economistas desenvolvimentistas e se amarraram nos neoliberais acreditando que assim comprariam a simpatia do mercado.
A entrega da política econômica de forma “porteira fechada” ao comando dos neoliberais nos governos do PT fez com que de 1994 até hoje o Brasil esteja submetido a essas políticas mesmo depois de sua desmoralização completa nos EUA e no resto do mundo, aqui a notícia da batalha onde o neoliberalismo foi vencido, a “batalha de Nova York” de 2008, não chegou na academia, no governo e na mídia. Todos acreditam que abraçando o neoliberalismo ficam “moderninhos”. A prova é uma nova onda de privatizações quando a privatização saiu de moda no mundo inteiro bem como caiu na vala das teses amaldiçoadas o “ajustismo fiscal à la grega”, condenado até pelo Fundo Monetario Internacional como simples e  má solução para um problema complexo que exige mais inteligência do que fidelidade a cartilhas.
Cérebros de primeira ordem como o Prêmio Nobel de Economia de 2015, o escocês Sir Angus Deaton e o presidente  da maior consultoria empresarial do mundo, Mc Kinsey & Co., o canadense Dominic Barton, remetem a atenção para a queda da qualidade de vida de 70% dos habitantes dos países ricos, chamados de “órfãos da globalização“, bem como para os efeitos maléficos da globalização para a grande maioria dos habitantes do planeta.
OS CUSTOS SOCIAIS DO NEOLIBERALISMO
Chegamos nesse ponto a uma avaliação dos benefícios do neoliberalismo e de sua ferramenta operacional, a globalização  comercial e financeira. Enquanto para as corporações globais há um inegável aumento de eficiência através do processo  de integração das cadeias produtivas, seu custo social junto àquela maioria da população que não participa desses ganhos mostra o neoliberalismo global produzindo  estragos e abalos na sobrevivência de grande maioria das populações. Pergunta-se, então, qual o ganho MACRO dessa política econômica para o conjunto da população? Ou seja, quais as consequências sociais do neoliberalismo?
De que adianta aumentar os lucros das corporações e a concentração de renda se no rastro do processo se produz mais pobreza nos que ficaram para trás? A existência de bilhões de “órfãos da globalização” explode os custos sociais que ao fim são custos macro de cada Pais e de cada sociedade  e, no conjunto, do planeta. O ganho é particular, mas os prejuízos são públicos.
Então, para que 500 grandes corporações ganhem mais pela eficiência da globalização, 6 bilhões de pessoas ganham menos e geram no conjunto maiores gastos públicos  pelo desemprego e consequente depreciação do capital humano de um País por desgastes físicos e mentais, pelo desajuste nas famílias, pela perda de habilidades e conhecimentos para quem fica desempregado por muito tempo, pela pressão sobre os sistemas públicos de saúde.
pelo aumento exponencial da criminalidade, da droga, do suicídio, pelo desalento dos jovens que não conseguem o primeiro emprego mesmo após graduados em boas escolas.
A conta final é negativa para os países que acolheram o neoliberalismo e a globalização, INCLUSIVE PARA OS EUA E REINO UNIDO, inventores do neoliberalismo global.
O processo NÃO TROUXE LUCROS às populações na conta final. Mais brinquedos eletrônicos acompanhados de menos empregos e piora da qualidade e da renda dos empregos restantes.
Melhorou a vida dos CEOs, dos advogados de compliance, dos  banqueiros de investimento, dos gestores de fortuna, à custa da rebaixa da qualidade de vida da maioria  da população.
Logo ao fim da Segunda Guerra um operário americano ganhava o suficiente para manter uma boa casa, um carro novo, sua esposa não precisava trabalhar e seus filhos tinham expectativa de ganhar mais que os pais. Hoje o operário americano, quando tem emprego, não consegue ter e manter uma boa casa,  muitos moram em trailers, sua esposa precisa trabalhar para ajudar  a sustentar a família e a perspectiva de vida de seus filhos é pior do que a de seus pais. Quem ganhou com a globalização?
Esse DESARRANJO SOCIAL nos EUA produziu Trump, na Inglaterra o BREXIT, no resto do mundo produzirá populismos, salvacionismos e aventureirismos de vários tipos e matizes.
Não é uma ideia apenas minha, pensadores de várias culturas chegaram à mesma conclusão; Sir Angus Deaton, Dominc  Barton, Thomas Pikety e muitos outros chegaram à mesma conclusão, o neoliberalismo produz ganhos para poucos e perdas para muitos.
No entanto o Brasil, que sempre foi inovador em ideias econômicas, prefere afundar com uma política econômica neoliberal medíocre e  derrotada a usar a inteligência para aproveitar seus imensos recursos naturais: preferimos a velhice medíocre de uma política econômica fracassada do que as ideias inovadoras que sempre foram uma característica do Brasil.
Infelizmente há uma tendência na psique brasileira de adotar modismos acriticamente, há pouca reflexão pensante nos núcleos de poder, muitos acham que se valorizam parecendo modernos, mesmo quando o moderno por eles imaginado  já está no arquivo e aquilo que parece moderno já é na verdade um mundo ultrapassado.
Hoje os conflitos globais de todos os tipos levam a um novo protagonismo do Estado na economia e na sociedade, só o Estado e a centralização do poder pode resolver conflitos agudos, o desemprego e o desarranjo social no Brasil é um dessas mega conflitos que exigem mais Estado atuando, não é a bolsa de valores que vai resolver o drama social.  -  (Fonte: aqui).

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Ao ler e refletir sobre Neoliberalismo, ocorre-nos velha máxima de Millôr Fernandes:

"QUANDO UMA IDEOLOGIA ENVELHECE, VEM MORAR NO BRASIL".

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