sexta-feira, 24 de novembro de 2017

DA CIÊNCIA

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Ao depararmos com os posts produzidos por Gollo sobre assuntos relacionados a Ciência, logo vem a expectativa de questionamentos de leitores às posições defendidas. E isto não surpreende: as opiniões do articulista são, de fato... polêmicas, para dizer o mínimo. Feita a observação (ou, melhor, a advertência), e sem qualquer ironia, leiamos o texto, inspirados, senão no conteúdo, pelo menos no título de um livro de Fernando Sabino: Deixa o Alfredo falar! Afinal, tudo o que disser respeito à Ciência nos interessa.


Ciência

Por Gustavo Gollo

Como é natural, cientistas supõem a si mesmos as grandes autoridades sobre sua própria atividade, a ciência. Existe, no entanto, um ramo da filosofia, a epistemologia, que trata do tema “ciência”. Aos olhos desses estudiosos, surpreendentemente, os cientistas, em geral, costumam ter uma compreensão muito vaga sobre o assunto! (A enormidade da presunção em que tal alegação parece incorrer, chega a ser cômica, mas visão dos cientistas sobre “ciência” permanece a mesma desde o século XIX).

De fato, embora os cientistas acreditem ter completa autoridade sobre o tema “ciência”, possuem uma noção muito ingênua sobre o assunto, conclusão a que eles próprios chegam, e bem rapidamente, caso frequentem debates, ou aulas, com epistemólogos, os especialistas na área. Apesar da aparente presunção dos filósofos, todos os que se envolvem nos debates concluem o mesmo, constatando quase imediatamente, a ingenuidade dos cientistas acerca do que seja “ciência”.

Por haver uma quantidade muitíssimo superior de cientistas que de epistemólogos, e por parecer natural que sejam eles as maiores autoridades sobre o assunto, a visão ingênua dos cientistas acaba prevalecendo, sendo muito mais amplamente divulgada que a dos filósofos, eternizando, em consequência, um modo insustentável de encarar a ciência. A visão dominante propalada pelos cientistas, é repassada em seguida, ao público geral, através dos meios de comunicação, razão pela qual a desinformação geral sobre o tema é enorme. Entre os cientistas, além de gigantesca, a desinformação sobre o que é “ciência” é altamente danosa.
De acordo com a visão ingênua de ciência, Galileu teria instituído o método experimental, o fundamento de toda a ciência, soltando objetos do alto da torre de Pisa para provar, desse modo, que caíam todos com a mesma velocidade. Quem se atrever a consultar os escritos de Galileu se surpreenderá com a forte argumentação teórica em favor de tal conclusão que, segundo historiadores, nunca teria sido testada empiricamente. (Fico pensando aqui: se dividirmos um objeto em 2, os pedaços devem cair mais lentamente? E se colarmos os pedaços? Teria a cola algum poder acelerador?).
Acontece, no entanto, que a relevância da experiência se impõe, de fato, após a formulação de hipóteses, não antes. Além disso, a experiência não é suficiente para provar verdades científicas. Tal conclusão, estabelecida por Popper, quase um século atrás, e admitida atualmente por todos os estudiosos da ciência, foi o que desmistificou o ideal ingênuo de prova científica baseada em observações.
A justificativa de tal conclusão é bem simples: por mais estabelecida que esteja uma dada hipótese, por maior que seja o número de observações que a tenham confirmado, nada impede que a observação seguinte refute a hipótese, bastando uma única observação, bem confirmada, para tal.
Não contente em desmistificar as crenças fundamentais dos cientistas sobre sua própria atividade, Popper propôs uma definição de ciência que exclui de sua prática uma parte considerável de seus supostos membros, quero dizer, aceitando-se a definição de ciência proposta por Popper, conclui-se que a maioria dos químicos, biólogos e “cientistas” em geral não faz ciência, de fato! (Começo a entender, só agora, a partir dessa formulação, o ódio devotado aos popperianos por alguns desses excluídos).
Apesar da aparente presunção, Popper é, sem dúvida, o mais influente teórico sobre o tema. [Thomas Kuhn, seu “opositor oficial”, aparece em várias listas como o autor mais citado do mundo!, mas, ao contrário de Popper, Kuhn não se propõe a normatizar a conduta dos cientistas, não lhes diz como devem fazer seu trabalho, Popper faz isso. Enquanto Kuhn tenta descrever a prática de um conjunto de profissionais chamados “cientistas”, Popper propõe uma atividade capaz de promover o crescimento do conhecimento, a que ele denomina “ciência” (os que a executam devem ser apropriadamente chamados cientistas, e apenas esses)].
Mas, em que consiste tal prática, capaz de promover o crescimento do conhecimento? Sua receita para fazer ciência é, de fato, extremamente simples: invente uma hipótese, e depois tente refutá-la. Boa ciência resistirá às sucessivas e sempre renovadas tentativas de refutação. Esse jogo, no entanto, nunca termina. Cientistas devem buscar, incessantemente, maneiras de refutar as teorias já propostas. Confirmações da teoria podem reforçá-las cada vez mais, mas nunca as garantem. Nenhuma teoria, nenhuma hipótese, por mais confirmada que já tenha sido, torna-se imune a novas tentativas de refutação.
O papel dos cientistas é inventar e reinventar hipóteses discrepantes e capazes, em princípio, de revelar os equívocos das teorias anteriores; e, em seguida, testá-las.
A frase acima consiste em um bom resumo das ideias de Popper.
Detalhes adicionais, secundários, somam-se a isso, por exemplo: boas teorias são construídas de maneiras que as tornam refutáveis. É muito fácil construir teorias irrefutáveis, bastando para isso dominar os fundamentos de lógica. Tais “teorias”, no entanto, são vazias, não têm conteúdo informativo.

“Ciência” e “conhecimento” são temas importantes que permeiam nossa compreensão acerca de tudo. Aos que queiram se inteirar do assunto, recomendo a leitura de “A lógica da investigação científica”. Partes desse livro, no entanto, são muito específicas, quase não interessando à maioria, podem ser ignoradas (faça isso sem pudor); a edição da coleção “Os pensadores” faz isso, é a que recomendo. A primeira parte do livro é bem curtinha (20 e poucas páginas), as ideias fundamentais de Popper estão lá. Os que a lerem ganharão muito com pouco esforço, aconselho a todos. Interessados em ciência, especialmente os cientistas, são fortemente recomendados a isso. O capítulo seguinte, o de número 3 também tem importância. Preguiçosos podem parar por aí, terão aprendido bastante em poucas páginas.

Popper publicou muitos livros, não sei bem o que pensar deles. Muitos especialistas sobre sua obra dão atenção exagerada, creio, a seus outros textos, o que acaba confundindo e enfraquecendo a proposta inicial do autor, sua ideia fundamental. Em minha opinião, todo o restante tem pouco interesse.

Tento fazer ciência popperiana, ou seja, minhas teorias são inspiradas nessa metodologia. Como exemplo, veja esta:
Dei aí pouca ênfase à parte experimental, aos testes da teoria. A proposição sugere imaginar e executar maneiras de refutar a hipótese. O que faz parte do jogo. Tentativas assim são bem-vindas.  -  (Fonte: AQUI).

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