Para se ter uma ideia da complexidade de que se revestem os 'jogos operacionais' desenvolvidos por operadores financeiros, no Brasil e alhures, com vistas em ludibriar 'a quem interessar possa'. Serventia adicional: refletir sobre o quanto é indispensável a detida e cautelosa análise dos detalhes concernentes ao emaranhado operacional posto em prática. Ações açodadas - sejam elas no âmbito da Lava Jato ou não - podem resultar em prejuízos incalculáveis para o país lesado e gorda premiação para espertalhões.
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A 11ª postagem da série sobre a indústria da delação premiada da Lava Jato, feita em conjunto pelo Jornal GGN e o DCM. Outras matérias da série podem ser vistas aqui.
Banqueiros da Odebrecht omitiram informações em delação da Lava Jato e tiveram multa irrisória
Por Luis Nassif e Joaquim de Carvalho
Luiz Augusto França, Marco Bilinski e Vinicius Borin são peixes graúdos no mundo dos doleiros e das empresas offshore. (Empresas abertas no exterior, geralmente em paraísos fiscais, onde seus titulares obtêm isenção de impostos e sigilo).
Foram pioneiros entre os operadores de mercado especializados em trabalhar com paraísos fiscais e com dinheiro não declarado.
A cadeia da lavagem de dinheiro é composta assim:
Ação 1 - O caixa 2 da empresa ou da atividade criminosa.
Ação 2 - O agente financeiro, ou doleiro, que transfere para instituições no exterior.
Ação 3 - A instituição que faz o chamado clearing, ou seja, a troca de reservas entre contas.
Os três conseguiram o feito de trabalhar simultaneamente nas Ações 1 e 2.
Junto com executivos do Departamento de Operações Estruturadas (DOE), o departamento de propina da Odebrecht, adquiriram um pequeno banco em Antígua, ilha do mar do Caribe, com o qual passaram a reciclar a maior parte dos pagamentos da Odebrecht ao redor do mundo.
O nome dos três aparece na lista dos Paradise Papers, o novo vazamento de contas em paraísos fiscais, divulgada pelo Le Monde.
Os três tinham acesso ao sistema Drousys, a rede criada pela Odebrecht para proteger as comunicações que sustentavam transferências e aplicações.
Entre 1975 e 1982, Luiz França trabalhou no Eurobraz (European Brazilian Bank) e no Libra Bank. Depois, na representação do Midland Bank, no Excel, no Banco ABC e no Trend Bank, todas instituições que operavam o mercado offshore.
Em 2004, juntamente com Borin e Bilinski, França foi contratada para tocar a representação comercial do AOB (Antigua Overseas Bank), cuja sede era em Antígua. A partir de determinado momento, a AOB se tornou a instituição operada pelo DOE da Odebrecht e pela notória Cervejaria Petrópolis.
Em 2008 e 2009, o banco enfrentou problemas de liquidez e foi liquidado, resultando em prejuízos para a Odebrecht.
Surgiu daí a proposta de adquirir a filial desativada do Meinl Bank em Antígua. Um grupo de sócios ostensivos e ocultos – dentre esses, executivos da Odebrecht, sem conhecimento da empresa – assumiram o controle.
Através do diretor da DOE, Luiz Eduardo Soares convenceu a empresa a trocar o doleiro Adir Assad pelo chinês Wu Yu Sheng, que operava através de um banco de Antígua. Além de mais seguro, o novo banqueiro cobraria apenas 4% de comissão, contra 5,5% de Adir.
Na verdade, o chinês era álibi. Recebia um fee (taxa) mensal, mas as comissões iriam direto para os três companheiros juntamente com os executivos do DOE.
Com sinal verde, adquiriram uma filial do austríaco Meinl Bank em Antígua, que estava praticamente desativado.
França se tornou o presidente do Banco e seu relações públicas. Mas, antes mesmo da Lava Jato, seu histórico o condenava. Foi o braço direito do banqueiro Ezequiel Nasser, dono do Banco Excel, sobrinho dos Safra, que adquiriu o Banco Econômico e acabou enredado em denúncias de fraude e corrupção. Quando tentou abrir uma filial do Meinl Bank no Panamá, a incursão foi proibida pelas autoridades financeiras.
Conforme já relatado na abertura da série, a estratégia de Wu consistia em ter contas no Meinl Bank e em bancos de Hong Kong. Fazendo as transferências entre os mesmos titulares, burlava-se o controle da OFAC (Oficina de Controle de Ativos Estrangeiros), agência de inteligência financeira do Departamento do Tesouro dos EUA.
Com a parceria com o DOE, a operação se expandiu. Foram abertas contas de brasileiros, peruanos, dominicanos, venezuelanos e panamenhos.
França jogava alto. Em setembro de 2015 encontrou-se com o embaixador Casroy James e acertou pagamento de 3 milhões de euros para o primeiro ministro de Antígua e Barbuda, Gaston Browner, para controlar as informações que seriam remetidas para a Lava Jato, no acordo de cooperação.
O pagamento vazou, obrigando o primeiro ministro a demitir James.
Para a operação, os três sócios convenceram Vanuê Faria, sobrinho de Walter Faria, o notório proprietário da cervejaria Petrópolis, a comprar parte do capital e ludibriar o diretor do DOE sobre suas intenções, simulando a entrada de capital.
Segundo Tacla Duran, em seu livro, na delação premiada, os três sócios, França, Bilinski e Olívio Rodrigues esconderam informações a respeito dos sistemas de computação do banco. Com a Lava Jato explodindo, acabaram ficando com depósitos de várias empresas, que preferiram não se expor resgatando os recursos.
Na delação de França, a Lava Jato aceitou passivamente que os ganhos dos sócios limitavam-se a retiradas mensais de US$ 10 mil e quase nenhum dividendo. Isso para um banco que, segundo levantamentos superficiais, movimentou mais de US$ 1,6 bilhão em 40 contas.
As penas propostas para os três foram:
- Condenação à pena unificada máxima de 8 anos de reclusão e suspensão dos demais feitos criminais.
- Um ano em regime aberto diferenciado, com a única obrigação de recolhimento domiciliar noturno nos dias úteis (das 20 às 6 horas) e integral nos feriados e fins de semana, sem tornozeleira.
- Seis meses em regime aberto com recolhimento integral nos finais de semana e feriado, sem tornozeleira.
- De 3 a 6 meses de pena restritiva de direitos: 6 horas semanais de prestação de serviços à comunidade.
- Depois disso, suspensão condicional da pena, sem quaisquer condições restritivas pelo período restante
- Ficou acertada, ainda, a possibilidade de 6 viagens nacionais ou internacionais a trabalho, durante o cumprimento da pena prevista, com prévia autorização judicial, pelo período máximo de 7 dias
E uma multa de apenas US$ 1 milhão, que será paga apenas após a repatriação de valores do exterior.
Para saber quanto dinheiro eles ganharam, a conta é simples. Recebiam 4% sobre as operações da Odebrecht feitas através do banco. Dois valores aparecem relacionados às operações do Meinl Bank relacionadas à Odebrecht — ora 1,6 bilhão, ora 2,6 bilhões. De dólares.
Considerando que o número correto seja 1,6 bilhão de dólares, a comissão do grupo foi de cerca de 64 milhões de dólares. Além disso, o banco recebia mais 2% pela movimentação oficial do dinheiro, o que representaria mais 32 milhões.
No total, portanto, estima-se que os três, mais Olívio Rodrigues, o quarto sócio — além dos dois sócios ocultos — receberam 96 milhões de dólares de comissão, o que corresponde a 326 milhões de reais.
Mas a Lava Jato só cobrou dos três a multa de R$ 3,4 milhões de reais. Estranho, como é estranho também que os procuradores da república de Curitiba tenham omitido da delação o doleiro por trás das maiores operações realizadas pelo grupo: Dario Messer.
Em sua delação, Vinícius Borin aponta o que seria o caminho do dinheiro sujo da Odebrecht. Borin diz que a Odebrecht fazia transferências para offshores dos sócios do Meinl Bank, incluindo ele próprio, e estes, depois de ficar com a comissão de 2%, encaminhavam os valores para empresas do advogado Rodrigo Tacla Durán no exterior. Este remetia os recursos para Vinícius Claret, o Juca Bala, no Uruguai.
Juca tem uma loja de surf em Punta Del Este, a Paddle Boards Uruguay, mas é só fachada. Ele é conhecido por suas operações de lavagem de dinheiro no Brasil. Juca Bala tem um esquema que faz chegar até o endereço indicado cédulas de real, transportadas por carro forte.
O esquema foi descoberto na investigação envolvendo ex-governador Sérgio Cabral. Tacla Durán nega participação nesse esquema, mas sabe que ele existe. E mais: ele tem provas (de que) Juca Bala não é o cabeça do esquema. Ele trabalha para Dario Messer, apontado como o maior doleiro do Brasil e antigo conhecido do juiz Sergio Moro. Messer apareceu no escândalo do Banestado, como grande operador, mas conseguiu se safar.
Messer nasceu no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, e seu pai é paraguaio — por isso, ele tem cidadania paraguaia. No país vizinho, tem grande influência política. Seu pai foi amigo do atual presidente, Horácio Cartes. O combativo e influente jornal ABC Color, de Assunção, publicou reportagem sobre essa proximidade.
A relação entre os dois viria dos anos 1980. O pai de Dario Messer, Mordko Messer, teria acolhido Cartes “afetiva e economicamente” quando o político tentava se livrar de acusações de evasão de divisas naquela década. Hoje, segundo o jornal, Dario Messer é como um irmão para Cartes, conhecido também (como) HC. Messer, por sinal, depois que estourou a Lava Jato, teria transferido residência para o Paraguai.
O nome de Messer não aparece na Lava Jato, da mesma forma como sumiu do caso Banestado, que morreu na jurisdição de Moro. Estas são linhas de investigação que devem ser perseguidas para conhecer efetivamente o submundo do caixa 2 no Brasil. O que está na superfície é glamouroso. (Para inteirar-se do caso Banestado, clique AQUI).
Borin e seus dois sócios trabalharam durante anos com Adir Assad, no Trend Bank, onde a lavagem de dinheiro era feita através de patrocínio em eventos automobilísticos.
Assad chegou a ser intimado para depor no FBI quando Hélio de Castroneves foi processado por sonegação de impostos, há alguns anos. Castroneves tinha patrocínio de empresas indicadas por Assad, mas ficava com 10% do valor pago.
O restante era devolvido, em contas de empresas de paraíso fiscal, para a formação de caixa 2.
A Indy teria sido usado com esta finalidade por diversas empresas, como o próprio Banestado e corruptores notórios, como a Bauruense, cujo dono, Airton Daré, tinha um filho que disputou campeonatos da categoria, o Darezinho. A Baruense, protegida de Aécio Neves, foi uma das maiores fornecedoras de serviços da estatal Furnas.
No Brasil, as digitais de Adir Assad— e, em consequência, de Vinícius Borin, Luiz Augusto França e Marcos Bilinski — estão impressas em patrocínios da Stock Car. O esquema era o mesmo. O patrocinador, como o próprio Trend Bank, onde eles operavam, despejava um caminhão de dinheiro nas equipes.
Tinha o nome estampado nos carros, mas isso não era o mais importante. O que interessava era o dinheiro pago de volta. Lavagem pura. Adir Assad, conhecido por seu temperamento instável, já vazou sua intenção de contar como funcionava o esquema, mas a justiça ainda não aceitou sua proposta de delação. Estranho.
Os termos de delação dos três sócios do Meinl Bank podem ser interpretados como mais um lance favorável no trio. Delação é o resultado de negociação, com valores estabelecidos num mercado de informação de interesse judicial. E eles saíram bem.
Há mais de dez anos que atuam juntos, vistos como operadores bem sucedidos. Olívio se agregou ao grupo e trouxe para a sociedade o chinês Wu Yu Sheng, que ajudou Fernando Migliaccio e Luiz Eduardo Soares a convencerem Marcelo Odebrecht a trocar Assad do automobilismo por outro esquema de lavagem, num lance que gerou atrito com Hilberto Silva, diretor de Operações Estruturadas da empresa, muito próximo de Assad.
O chinês foi apresentado como um expert em operações de lavagem, com trânsito em mercados orientais, mas não era nenhum astro da lavagem de dinheiro. Foi incorporado ao grupo por ter estudado com o irmão de Olívio, Marcelo. Aceitou o papel, e outro Marcelo, o Odebrecht, foi convencido a dar um tempo na sua relação com Adir Assad.
Em dez anos de operação, os três aceitaram outros parceiros, mas eles mesmos nunca se separaram. Fazem tudo juntos, de maneira coordenada. A sede do Meinl Bank em São Paulo, na rua Helena, 267, foi comprada pelos três, além de Olívio Rodrigues, o quarto sócio de fato e de direito do banco.
O banco ocupa duas salas no condomínio da rua Helena. Fernando Migliaccio, que era executivo da Odebrecht, é dono de 20%. Os outros 80% estão divididos entre os quatro. Luiz Eduardo Rocha Soares, também executivo da Odebrecht, chegou a ter participação na propriedade, mas depois a vendeu.
Luiz Eduardo Soares talvez tenha se dado conta de que, no grupo, era um parceiro eventual. Migliaccio permaneceu na sociedade, mas, como mostra seu acordo de delação, agia sozinho. Seu patrimônio é grande, como mostra a declaração juntada no acordo de delação premiada.
Só em carros, exibe marcas como Mercedes e Porshe. Tem ouro em barra, casas de luxo, aplicações variadas. Se ele, empregado da Odebrechet, tem patrimônio declarado de algumas dezenas de milhões de dólares, imagine quanto têm seus sócios no Meinl Bank, donos do banco.
Para eles, a multa de 1 milhão de dólares foi mais um entre os excelentes negócios que aprenderam a fazer. - (Para continuar, clique AQUI).
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